sábado, 6 de novembro de 2021

Liberticídio antivax, Oscar Vilhena Vieira, FSP

 Ter um direito significa ser beneficiário de obrigações por parte de outras pessoas, na sintética definição de Jeremy Bentham. Nesse sentido, direitos e obrigações são elementos correlatos e indissociáveis. Embora os direitos tenham primazia sobre as obrigações, a sua efetivação depende, na prática, do cumprimento pelos demais de suas obrigações.

A partir do momento em que assumimos que todas as pessoas têm o mesmo valor moral e, portanto, iguais direitos, passamos a ter obrigações em relação a elas, da mesma forma que elas passam a ter deveres correlatos aos nossos direitos. Assim, se reconhecemos a existência de um direito à vida, automaticamente todos os membros da comunidade estão, reciprocamente, obrigados a respeitar a vida alheia.

Pessoas fazem protesto antivacina na avenida Paulista neste sábado (18)
Pessoas fazem protesto antivacina na avenida Paulista - Rogerio Pagnan - 18.set.2021/Folhapress

Essa reciprocidade simétrica, inerente à gramática dos direitos em sociedades democráticas, impõe uma árdua e continua tarefa de harmonizar o convívio entre os direitos e obrigações de todos os membros da comunidade. É por isso que filósofos e juristas insistem que, salvo em raríssimas exceções, não há que se falar em direitos absolutos. O que pode haver, em algumas circunstâncias, é a necessidade de condicionar um determinado direito para que um outro direito não seja eliminado. Surge assim uma prevalência condicionada, em que um direito cede parte de seu espaço para que outro direito sobreviva.

Numa pandemia como a que estamos vivendo, que já ceifou mais de 5 milhões de vidas, justifica-se que a proteção ao direito à vida e à saúde da população imponha restrições ou condicionamentos ao exercício da liberdade individual. Daí decorre a legitimidade das medidas restritivas de direitos determinada pela lei 13.979/20, que autoriza a imposição de obrigação do uso de máscara, do distanciamento social e mesmo a exigência de vacinação.

Isso não significa, no entanto, que o Estado possa, mediante coerção, obrigar uma pessoa a ser vacinada. Afinal, essa pessoa tem o direito ao próprio corpo e o Estado não pode invadi-lo, quando houver uma opção menos gravosa ao direito a ser restringido. A forma menos gravosa de conciliação é permitir a instituição de restrições às liberdades daqueles que se negam a vacinar por razões subjetivas ou ideológicas, colocando arbitrariamente em risco a vida e saúde do restante da população.

Nesse sentido, a Constituição brasileira, por força do artigo 196, assim como a legislação trabalhista brasileira, não só autorizam, como criam obrigação ao Estado e ao empregador de zelar pela saúde da população e do empregado. Logo, pode o empregador advertir, criar incentivos e restrições e, em casos específicos, deixar de contratar ou mesmo demitir trabalhadores (artigo 482 da CLT) que, ao se insurgirem contra políticas ou regras de saúde pública, colocarem em risco a vida ou a integridade de outras pessoas.

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Ao proibir, por mera portaria, a demissão ou a não contratação de empregado que se negue a receber a vacina contra a Covid-19, o ministro do Trabalho não apenas extrapolou suas competências, como afrontou materialmente a lei e a Constituição. Reforça, assim, a sistemática estratégia do governo Bolsonaro de fraudar a Constituição por meio de atos infralegais. Mais do que isso, explicita a ideologia liberticida, dominante na extrema direita brasileira, que não reconhece a lei ou o direito do outro condicionantes legítimas das condutas sociais. É hora de o Supremo, mais uma vez, colocar limite a essa ideologia egomaníaca e destrutiva.

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