15 de novembro de 2021 | 05h00
A proliferação de autocratas apaixonados por eleições presidenciais é um surpreendente fenômeno político. Não que os ditadores gostem de pleitos livres e justos, nos quais eles podem perder. Isso não. O que eles buscam é o passageiro aroma democrático do qual uma eleição popular os impregna – sempre e quando sua vitória está garantida.
E o estranho é que, apesar de dentro e fora do país as pessoas saberem que a eleição é uma farsa, os autocratas continuam montando essas peças de teatro eleitoral que simulam uma eleição democrática.
As eleições falsas têm um extenso histórico. Saddam Hussein, Muamar Kadafi e os líderes da União Soviética e seus satélites adoravam eleições que venciam com 99% dos votos – ou com 96,6% quando a disputa era apertada. Mais recentemente, o tirano da Coreia do Norte, Kim Jong-il; Hugo Chávez e Nicolás Maduro, na Venezuela; Vladimir Putin, na Rússia; e Alexander Lukashenko, em Belarus, venceram eleições abertamente fraudulentas.
Um caso extremo dessas tentativas de perpetuar-se no poder é o de Daniel Ortega, na Nicarágua. Há alguns anos ele alegou diante da suprema corte de seu país que o direito à reeleição indefinida é um direito humano fundamental. Essa barbaridade foi aceita pelos magistrados que, obviamente, eram seus lacaios. Inevitavelmente, as cortes internacionais que consideraram essa aspiração a declararam inválida. Isto não deteve Ortega. Em 2011, o presidente violou a constituição e se lançou candidato a um terceiro mandato. Ganhou essa eleição usando todo tipo de truques e artimanhas. Há algumas semanas, voltou a fazê-lo. Declarou-se ganhador por uma acachapante maioria na eleição que lhe garantirá um quarto mandato na presidência.
Ortega, um líder marxista que nos anos 1970 contribuiu por meio da luta armada para a derrocada da ditadura de Anastasio Somoza, se converteu aos 75 anos em um tirano clássico – homem forte que há duas décadas governa com mão de ferro um dos países mais pobres do mundo. O marxismo de sua juventude contrasta com sua atual opulência e de sua família.
Ortega gosta de eleições – desde que possa encarcerar os principais líderes da oposição, empresários, jornalistas, acadêmicos, ativistas sociais e líderes estudantis. Ele colocou todo mundo na cadeia, incluindo sete candidatos à presidência. Também reprimiu brutalmente manifestações de rua que denunciavam a corrupção de seu governo e pediam mudanças. Uso abusivo de recursos do Estado a favor de sua campanha eleitoral, coação de funcionários públicos, que foram obrigados a votar a favor do governo, censura dos meios de comunicação social e férreo controle das forças armadas são ingredientes que esse tipo de tirano gosta.
Eleições fraudulentas não apenas obrigam um povo inteiro a continuar convivendo com líderes e políticas que aprofundam a miséria, a iniquidade e a injustiça. Também servem para revelar o quão desprovida está a comunidade internacional de estratégias que façam aumentar os custos e os riscos enfrentados por aqueles que atentam contra a democracia de um determinado país. Os Estados
Lamentavelmente, nada disso fará com que Ortega entregue o poder ilícito que detém. Porque o ditador nicaraguense encarna aquela observação de George Orwell: “Sabemos que ninguém toma o poder com o objetivo de abandoná-lo”.
Paradoxo
A democracia tem como base justamente o contrário, a premissa de que o poder dos governantes eleitos livremente pelo povo em eleições justas deve ser limitado pelo tempo.
As mais longevas e consolidadas democracias do mundo conseguiram instaurar leis, instituições e regras que freiam intentos de mandatários que buscam concentrar excessivamente o poder e perpetuar-se no cargo. Mais países, por sua vez, foram vítimas da citação de Orwell: têm líderes que supõem que, uma vez conquistado o poder, não devem abdicar dele.
Assim, o que estamos vendo no mundo é que, logo depois de eleitos, alguns presidentes começam a buscar formas de ampliar sua permanência no cargo e enfraquecer os pesos e contrapesos que limitam seu poder.
Nesses dias, Daniel Ortega, sua família e seus cúmplices devem ter celebrado o resultado das eleições. A votação na Nicarágua é um bom modelo do tipo de eleição que os ditadores tanto gostam.
Aqueles que não gozam de legitimidade real têm de se contentar com a legitimidade artificial e espúria que eleições manipuladas lhes conferem. /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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