Para uma ditadura que há décadas cultiva o mito do pai fundador da pátria, Mao Tsé-Tung (1893-1976), a China comunista apresenta um surpreendente histórico de multiplicidade de instâncias decisórias em sua cúpula política.
Esse foi um legado deixado pelo líder que arquitetou a China atual, que alia abertura capitalista à rigidez do controle estatal da política, Deng Xiapoing (1904-97), sucessor de Mao. Ele buscou despersonalizar o Leviatã chinês para pulverizar lutas intestinas pelo poder.
Entretanto a ascensão de Xi Jinping ao comando do país, em 2012, acompanhando o crescimento exponencial do peso econômico chinês no mundo na década anterior, mudou toda a equação.
Xi buscou expurgar dissensos e acumulou comandos. É secretário-geral do Partido Comunista, presidente e chefe da Comissão Central Militar, ente que controla as Forças Armadas da potência.
Na virada do ano, avançou mais uma casa. A comissão ganhou poderes totais para a formulação da política do setor e para a mobilização de setores da indústria nacional em prol de ações militares. Deixará de ser ouvido, com isso, o Conselho de Estado, órgão máximo do Executivo chinês.
A concentração vai ao encontro da trajetória de Xi, que aos 67 anos já tem seu pensamento entronizado na Constituição do país —e que obteve a revogação do limite de dois mandatos como secretário-geral, invenção de Deng.
Não se trata de um tirano de caricatura, e a China comporta nuances enormes; o endurecimento do regime, porém, é visível. Os jovens pró-democracia de Hong Kong, subjugados em 2020 por uma lei brutal de segurança, que o digam.
Críticos argumentam que centralismo e falta de liberdade política inevitavelmente trarão a ruptura do sistema, a exemplo do que ocorreu na União Soviética. Cabe contrapor que Pequim é próspera e interligada ao mundo como Moscou nunca foi, e Xi virou campeão do multilateralismo numa época em que os EUA se fechavam.
Apesar de toda a sua projeção comercial, os chineses nunca advogaram impor seu regime a ninguém —remetendo a preceitos do milenar império que antecedeu o seu Estado moderno.
A contradição entre prosperidade e totalitarismo poderá cobrar seu preço, mas o protagonismo contínuo da China torna a consolidação de Xi um fenômeno ora aparentemente inexorável.
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