quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Nossos dilemas, FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA

Tom Farias

Uma vida sem dilemas não tem graça. Martinho da Vila disse-me outro dia que um dos seus dilemas preferidos é não ficar triste e não lembrar de coisas ruins. Por isso não tem pressa para nada, gosta de tudo "devagar, devagarinho", como canta em seus gloriosos sambas.

O povo anda hoje num enlouquecido vaivém pelos dilemas. E a pandemia é das maiores causas. Tanto é que temos vivido esse grande axioma, o maior dos dilemas: toma-se ou não a vacina? E nem vacina temos ainda. Além de não a ter, ao contrário de outros países, já há dúvidas sobre a sua eficácia sem que a gente tenha tomado uma só agulhada.

Enquanto a agulhada não vem, a situação só piora, mas por causa de outra aglomeração: a dos hospitais públicos. Mas dessa nem todo mundo tende a reclamar, nem o governo impõe restrições. Enquanto isso, morrem cerca de 20 mil pessoas por mês, desde 12 de março, quando o Ministério da Saúde alardeou a primeira vítima. De lá para cá, só bateção de cabeça: sai e entra ministro, e o interino, depois confirmado, não entende bulhufas de saúde pública.

Falando nisso, acabei de pensar em um poderoso dilema atribuído a Aristóteles: "nada pode ser e não ser simultaneamente". É verdade. Ando buscando aqui na minha cuca escopo para fundamentar tais afirmações contraditórias. Uma delas é sobre essa coisa de vacina sem condições de produzir, e de produzir sem ter como aplicar em alguém. Tanto pela recusa da população quanto pela falta de seringas. Aff!

Juntando lé com cré, esse país parece mesmo governado por um Napoleão de hospício. Se Bastos Tigre (1882-1957) ainda estivesse por aqui, com seus zombeteiros "versos perversos", teria dito da República do presidente-Napoleão: "Os motivos do mal não são mistério:/ É que a gentinha que governa agora / É o rebotalho que sobrou do Império." Nada mais atual.

Tom Farias é jornalista e escritor. Autor de "Escritos negros" (Malê) e "A Bolha" (Patuá).

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