Leandro Karnal, O Estado de S.Paulo
06 de janeiro de 2021 | 03h00
Não! Não escreverei votos de ano-novo, daqueles que estarão gastos até o carnaval. Nunca recomendarei: “perderei cinco quilos em 2021”, “lerei dois livros por mês” ou “guardarei 20% do meu salário como fundo de reserva”. Votos de ano-novo são como rosas belas na madrugada do novo dia: belas e perfumadas, mas a caminho de murcharem por completo. O tempo é precioso, mesmo que, no início de uma jornada anual, pareça mais extenso. Não faço votos. Não prescrevo promessas. Sugiro reflexões. Sugiro uma tela para que você insira suas cores e estilo. Estimulo sua consciência. Não guiarei sua mão, apenas indicarei pincéis.
Vamos começar com um conceito da economia. Entendemos commodity como um produto bruto, quase sempre em grande quantidade, vendido em estado próximo ao natural. As commodities são matérias-primas como, por exemplo, a soja, madeira, petróleo ou o café. Para usar uma palavra menos conhecida, são bens fungíveis, ou seja, bens móveis que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.
Há um valor que eu chamaria de a suprema commodity: o tempo. Toda mercadoria que eu adquiro custa algum tempo da minha vida. Tive de trabalhar para comprar o celular. Troquei tempo de vida trabalhando por um bem. Gente rica troca minutos ou segundos. Outros precisam de meses, anos até...
Eventualmente, posso gastar para comprar algum tempo. Todos que contratam uma faxineira tentam obter tempo para outras atividades. Eu, se for rico, posso ter centenas de assessores e empregados, para que nada do meu precioso tempo seja desperdiçado ao telefone, limpando ou comprando coisas. Porém, com duzentos contratados ou nenhum, meu tempo se esgota. Essa é a dinâmica cruel da maior commodity, o tempo. Posso torná-lo mais e mais estratégico (mesmo não sendo rico). A pessoa que passa no banco para retirar dinheiro e aproveita para ir ao super na volta e vai respondendo a mensagens enquanto espera na fila do caixa está sendo profundamente estratégica com seu tempo, tanto quanto Bill Gates que possui uma tropa de assessores ao seu dispor. A pessoa comum e Bill Gates têm algo em comum: um tempo infungível, impossível de ser trocado ao final. Quando o tempo acaba, ele, de fato, termina. Parece idiotice repetitiva, porém é a chave da vida. Aproveitando ou não, todos terminam de gastar sua cota de tempo. Posso ampliá-lo, estendê-lo com medidas práticas, economizar e até esbanjar: ele termina. Inexorável.
Isso indica uma pressa e uma tranquilidade. A pressa é para não gastar em vão esta commodity. Evitar perder tempo. Isso não implica trabalhar como um condenado, todavia, trabalhando ou descansando, lendo ou namorando, sempre ter presente: não perder, não desperdiçar, não gastar com atividades inconscientes. A segunda sensação é uma tranquilidade, como eu disse. Seria como uma bola que está caindo: se você gritar, se ajoelhar, se desesperar ou rir, ela continuará sua trajetória rumo ao solo. O tempo é seu e ele está se esgotando. Você pode ganhar e trocar por outras coisas prazerosas, não pode evitar que ele se esgote.
Como aproveitar a matéria-prima de vida? Darei exemplos. Não desperdiçando tempo com gente que não vale a pena. Evitando contatos sociais que nada representam. Não fazendo fofocas. Parando de enviar mensagens sem sentido ou povoando caixas de mensagens alheias com imagens despropositadas. Exercer curadoria afetiva ativa. Selecionar sempre! Investir em menos gente com maior vínculo. Quando descansar, entregar-se ao relaxamento. Quando estiver com sua família, entrar de todo coração e cérebro na conversa. Quando trabalhar, focar em um ponto e produzir muito. Isso seria, para mim, o “aproveitar” o tempo.
Como ficar tranquilo? Pare de correr tanto. Sim, você pode chegar dez minutos mais cedo e, somando meses de pressa, ganhará horas. Só que a vida não tem banco de horas. Você não poderá usar tempo sobressalente ao final. O tempo tem um final, para quem correu muito, pouco ou nem tanto.
Pergunta central para o ano de 2021: se o tempo é o valor mais importante de todos, com o que eu gastarei, trocarei, insistirei ou aproveitarei o meu tempo? Tempo é vida. Com quem e com o que eu gastarei minha vida-tempo? Quais conversas podem valer, de verdade, a pena? Quais festas, almoços jantares, trabalhos, beijos e abraços são tão importantes que eu possa dizer: aqui estou usando meu tempo infungível, porém, é o que faz esta commodity valer a pena? Com o que eu gastarei lembrando-me de que entrego tempo de vida para cada produto que adquiro? É importante? É fundamental? É indispensável? Se eu respondo sim a tais perguntas, é hora de trocar tempo-vida por mercadoria-tempo, aquilo que eu dizia ser a fungibilidade temporal.
Se nossa vida é uma empresa e toda vida humana terminará com o fechamento da matriz independentemente do sucesso ou do fracasso, resta tornar nossa aventura de empreendedor biográfico a mais fascinante possível. Escrevo isto para me convencer do que eu digo. Falo para me ouvir. Quero ser sábio no uso e no investimento do tempo. Se minha empresa-vida é única, os depósitos devem ser de felicidade.
É uma montanha-russa e, como 2021, um dia terminará. Então, erga os braços, grite e sinta o friozinho das descidas e subidas. Tudo passa, o importante é que tenha valido a pena. É preciso usar o tempo com esperança. Entre o começo e o fim, tem uma coisa chamada vida.
É HISTORIADOR E ESCRITOR, AUTOR DE ‘O DILEMA DO PORCO-ESPINHO’,
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