Para o bem ou para o mal, Ipanema não perde a majestade. Nos anos 60, o bairro era um segredo carioca, e a faixa de praia, um espaço livre de preconceitos. Mostrando o barrigão de grávida, Leila Diniz dinamitava os costumes. Ali funcionava um laboratório comportamental do que seriam as relações amorosas no Brasil moderno: um país sem culpa e resolvido no sexo, de mulheres liberadas e de homens que teriam de se reeducar para conviver com elas —um projeto de felicidade comum no qual se desconhecia o significado da palavra feminicídio.
Deu no que deu. Rebelde e ingênua, Ipanema foi engolida pela vanguarda do nosso atraso atual. Um primeiro alerta de que o sonho acabara sem começar se observou em 1984, quando os ônibus foram autorizados a cruzar o túnel Rebouças levando a galera da zona norte aos domínios da zona sul. "Que gente feia, hein!" foi o mais leve que se ouviu.
Para fugir das medidas que restringiram o acesso à orla na virada para 2021, centenas de pessoas se aglomeraram nas areias do bairro na noite de quarta (30), num réveillon antecipado, clandestino e sem máscara. Quase não havia mulheres. Na maioria, eram homens jovens e tatuados. Todos sem camisa, no que parece ser a única exigência da moda. Chamada, a PM agiu com delicadeza para encerrar a farra dos donzelos.
Mas não sejamos injustos: Ipanema não esteve sozinha na cruzada a favor do vírus. Perto dos destinos mais badalados, para os quais é preciso pegar um jatinho, a festa no posto 9 entra na categoria coisa de pobre. O bicho comeu rico e solto em Mangaratiba, Angra dos Reis, Trancoso, Pipa, São Miguel do Gostoso. Daqui a duas semanas, a gente confere o resultado.
Pelas redes sociais, vi imagens dessas baladas de luxo. Faltaram uns telões com palavras de ordem: "Gripezinha", "Histórico de atleta", "Não sou coveiro", "Todos nós iremos morrer um dia", "E daí?".
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