Infecção pode causar lesão no músculo cardíaco, bloquear ação da insulina e afogar pulmão
SÃO PAULO
Uma espécie de tempestade inflamatória provocada pela Covid-19 em diversos órgãos ajuda a explicar as mortes provocadas pela doença, que até agora ceifou mais de 300 vidas no Brasil e cerca 60 mil no mundo.
As mortes pela infecção pelo Sars-CoV-2 são, de modo geral, ligadas à síndrome respiratória aguda grave. Isso pode ser traduzido como grandes áreas de inflamação e edemas no pulmão, ou seja, o órgão fica inchado e começa a sofrer acúmulo de água. O líquido no tecido pulmonar dificulta trocas gasosas e, consequentemente, a respiração.
“É como se fosse um afogamento”, diz Décio Diament, consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e infectologista no Instituto de Infectologia Emílio Ribas e no Hospital Sírio-Libanês.
Mesmo que a principal causa de morte pela Covid-19 seja a insuficiência respiratória, causada pela lesão pulmonar provocada pelo vírus, o pulmão não é o único órgão a ser afetado. Pesquisadores descobriram que o vírus se aproveita de uma proteína (a ACE-2, em inglês, ou ECA-2, em português) na membrana das células para fazer a invasão. Essas proteínas também estão presentes em células do coração, dos rins e até no intestino, o que quer dizer que o Sars-CoV-2 também pode se instalar nesses órgãos.
Segundo Luciano Drager, diretor científico da Socesp (Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo), há indícios de lesão no músculo cardíaco, que, inflamado (miocardite), tem sua função piorada, o que, consequentemente, pode levar a arritmias.
Por isso, a infecção é mais preocupantes e mais letal em quem tem doenças cardíacas prévias. Basicamente, o órgão é mais suscetível a um quadro mais grave e tem menos defesas para suportar o ataque, diz Drager.
O mesmo vale para idade. Conforme o tempo passa, além da imunidade ficar mais fragilizada, os órgãos acumulam história, quilometragem. O pulmão fica com função reduzida, o coração se torna mais rígido e há declínio de função renal. “É o mesmo que ocorre com a nossa visão, que vamos perdendo”, afirma o diretor científico da Socesp.
Além de pessoas com cardiopatias e pneumopatias, os diabéticos têm apresentado números elevados de mortes. “O risco para diabéticos que se internam por qualquer problema já é maior, principalmente em doenças infecciosas”, diz Simão Lottenberg, endocrinologista da Unidade de Diabetes do HC da USP e do Hospital Israelita Albert Einstein.
Hipertensão e outros problemas de saúde também são mais comuns em pessoas com diabetes, o que pode elevar ainda mais o risco de morte.
Tudo isso que ocorre em nível macro tem início nas tentativas de defesa celular do corpo contra o Sars-CoV-2. Quando as células percebem a invasão, uma das estratégias de combate é a autodestruição celular para evitar a multiplicação do vírus.
As células de defesa também tentam barrar o vírus fagocitando as células que têm proteínas estranhas, produzidas quando os vírus já sequestraram o maquinário celular.
Além disso, há as células que, sequestradas, replicam o vírus até morrerem e liberarem os invasores.
Todo esse cenário bélico de sequestro e destruição celular causa uma forte resposta de defesa no corpo, o que explica a inflamação nos diferentes órgãos afetados pelo novo coronavírus.
Os alvéolos pulmonares, essenciais para a respiração, são uma das vítimas da destruição que o vírus provoca. Quando há grande perda de alvéolos, a pessoa entra em insuficiência respiratória aguda e precisa de ajuda de máquinas para respirar.
Com a ampla inflamação em processo nos órgãos afetados, o metabolismo aumenta, há descargas de adrenalina e o coração bate mais rapidamente e sofre mais, principalmente nos indivíduos com problemas prévios no órgão.
Em caso de diabetes, há estudos antigos, não relacionados ao novo coronavírus, que mostram relação entre a glicose e a replicação de vírus em células pulmonares e uma piora na função pulmonar ligada à hiperglicemia.
Em quadros infecciosos, há ainda liberação de hormônios de estresse na circulação, que, por sua vez, bloqueiam a ação da insulina. “Isso faz com que o controle da glicemia seja mais difícil”, diz Lottenberg. “A natureza previu o estresse, mas não o diabetes.”
Em determinado momento a própria resposta inflamatória exacerbada, na defesa contra o coronavírus, torna-se prejudicial para o paciente. "A própria hiper-resposta acaba danificando os tecidos", diz Lottenberg.
“Tudo isso sobrecarrega muito o indivíduo. É um estresse sistêmico”, completa Drager.
Por fim, varia de pessoa para pessoa como o corpo conseguirá reagir à invasão do vírus. “Você tem um espectro desde pessoas sem sintomas até o indivíduo que vai morrer. Isso é determinado por vários fatores, mas o principal é a capacidade de responder ao vírus”, diz Diament.
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