Confiança em líderes e senso de lealdade ao país ajudaram implementação de medidas contra coronavírus
Com cerca de duas semanas de isolamento social, os brasileiros começam a entender melhor o drama de boa parte dos chineses. Depois de mais de dois meses praticamente sem sair de casa, apenas agora vão retomando a vida, numa transição controlada.
Ainda que as regras sejam diferentes, tenho a impressão de que os chineses observam com mais rigor o autoisolamento e lidam melhor com as restrições que vieram com a Covid-19. Reconheço ser impossível medir essas questões com precisão, inclusive porque é mais difícil reclamar na China. Mesmo assim, pergunto-me os porquês da atitude dos chineses.
Há obviamente o controle do Estado e o receio da punição. O monitoramento dos indivíduos foi ampliado. Além do uso de tecnologias para o rastreamento das pessoas, ressurgiram os comitês de vizinhança, com voluntários que ajudam no controle em edifícios e nas ruas.
Mas se engana quem pensa que isso apenas explica por que mais de 1 bilhão de pessoas incorporaram as novas restrições ao seu dia a dia. Há mais.
Para começar, os chineses confiam que a liderança do país fará o melhor possível diante da crise. A confiança não é infinita, naturalmente. Determinados episódios geram comoção nas mídias sociais, evidenciando não ser absoluta a satisfação com o governo. O mais emblemático deles foi a morte do médico de Wuhan que tentou cedo alertar para o risco do vírus.
Ainda assim, a confiança dos chineses no governo é muito maior que em outras partes do mundo. Decerto, o respeito à autoridade, de raiz confucionista, precede ao início do comunismo no país. Há uma predisposição a favor da aceitação. E o Partido Comunista agradece.
Além disso, o governo chinês tem a capacidade de mobilizar as massas, de imbuí-las do espírito de que estão travando uma guerra do povo, como chamou Xi Jinping. Muitos slogans que aos ouvidos estrangeiros soam pura propaganda têm o poder de alimentar o patriotismo, incutir nos chineses o sentido de missão e motivá-los nos momentos difíceis.
Há na China a ideia de que a nação é a família ampliada à qual se deve lealdade. Não por acaso que, em mandarim, país (guojia) contém a palavra família (jia).
Claro, há a preocupação com a saúde —mas, nesse quesito, chineses e não chineses se assemelham. O que há entre os chineses é um grau de disciplina e determinação que não se vê em todo o lugar. Parte dos que estão saindo do isolamento social passaram por grandes privações e provações, inclusive durante a Revolução Cultural, o que os terá feito mais resistentes.
Claro, há a preocupação com a saúde —mas, nesse quesito, chineses e não chineses se assemelham. O que há entre os chineses é um grau de disciplina e determinação que não se vê em todo o lugar. Parte dos que estão saindo do isolamento social passaram por grandes privações e provações, inclusive durante a Revolução Cultural, o que os terá feito mais resistentes.
O mais importante talvez: chineses veem a relação entre o indivíduo e o coletivo de forma diferente dos ocidentais. Liberdades individuais têm menor peso relativo na sociedade chinesa (sobretudo em situações como esta). A importância do interesse coletivo influencia a forma como os chineses encaram as restrições. Cumprir as regras é sinal de respeito pela saúde dos demais, pelo bem-estar e pela segurança da comunidade.
Finalmente, a experiência dos chineses com a epidemia do Sars em 2002-2003 ajuda nesta crise. Além de terem incorporado novos hábitos, tornaram-se mais preparados psicologicamente para lidar com este período longo de restrições.
Ainda assim, são altos os custos humanos e sociais do isolamento para os chineses. Aumentam os pedidos de divórcio, os casos de violência doméstica e os problemas de saúde mental na China.
Apesar disso, a imensa maioria dos chineses observa as restrições com espírito público, orgulhando-se de fazer sua parte em prol do conjunto nesta guerra do povo. À medida que outros países enfrentam dificuldades para conter o problema, sairão da crise mais confiantes de que estavam certos.
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