quarta-feira, 16 de outubro de 2019

O QUE A FOLHA PENSA Atraso insalubre



Não se encontra grande novidade na informação de que mais de um sexto dos brasileiros sobrevive sem um serviço público tão óbvio quanto água encanada em casa. Eram 18,6% da população em 2008, 35 milhões de pessoas; uma década depois, são 16,5%, ou quase os mesmos 35 milhões.
Ao fim da segunda década do século 21, espanta constatar que a coleta de esgotos, num país de renda média como o nosso, sirva só pouco mais da metade dos habitantes. O leitor desta Folha terá talvez dificuldade para imaginar como 100 milhões de compatriotas vivem sem essa comodidade.
Já foi pior, claro. Dez anos antes, a rede de esgotamento alcançava apenas 40,9%, ou 77 milhões de brasileiros. Outros 112 milhões ficavam na dependência de valas.
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Considere-se ainda que, mesmo na década atual, o efetivo tratamento de esgotos não chega à metade do volume coletado. O restante termina despejado nos córregos e rios, com ameaça continuada para o ambiente e a saúde pública.
O fato de pouco se alterarem os números absolutos de brasileiros relegados à insalubridade básica, após uma década inteira, indica que a expansão do sistema de saneamento mal acompanha o crescimento vegetativo da população. O Estado falha de maneira aviltante em suas obrigações civilizatórias.
Não é por falta de programas e metas, registre-se. O Plano Nacional de Saneamento Básico de 2013 estipulou o objetivo de universalizar o acesso a água limpa e esgotos tratados até 2033. No ritmo atual, isso não ocorrerá antes de 2060, como reportou este jornal.
Sucessivas administrações deram prioridade equivocada a obras de visibilidade e rendimento eleitoral. Desperdiçou-se energia, quando não recursos, em empreendimentos que nem mesmo saíam do papel, como o famigerado trem-bala.
Enquanto isso, legiões de cidadãos tinham de sair à rua para alcançar uma fonte ou uma latrina. Nem mesmo a conjuntura econômica favorável de 2004-2008 se aproveitou para atacar de forma decisiva essa situação abjeta —e durante um governo, o de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que conseguiu avanços importantes em outras áreas da política social.
Há quem defenda que só com investimentos governamentais será possível reverter tal quadro de atraso, mas o próprio retrospecto de décadas vem demonstrar que fracassou o modelo estatal. Há que mobilizar também recursos privados na empreitada, porém com decisiva participação do Estado, a começar por um novo marco regulatório e pela fiscalização de parcerias público-privadas.
Tal é o debate que ora ocupa Congresso e todos os níveis de governo. Passou da hora de destravá-lo.

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