Direto de Hong Kong, ‘Uber da logística’ usará motos, vans e caminhões para disputar espaço com a Loggi e empresas tradicionais do setor no mercado
30/10/2019 | 05h00
Por Giovanna Wolf - O Estado de S. Paulo
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Usar um motoboy para fazer a entrega de um documento na hora é algo que os brasileiros já se acostumaram a fazer há algum tempo, seja por telefone ou aplicativo. Transportar objetos maiores ou até mesmo pedir um carreto em tempo real para fazer uma mudança, porém, é algo menos corriqueiro. Mas isso pode mudar, se depender dos planos da Lalamove, startup asiática que começou a funcionar no Brasil recentemente. Fundada em 2013, a empresa tem mais de 25 milhões de clientes no mundo. E quer mostrar aos brasileiros por que recebeu, no exterior, o apelido de “Uber da logística”.
Além de motos, a empresa também permite que motoristas de vans e caminhões façam entregas por meio de sua plataforma. Uma caixa de 40 centímetros de altura, comprimento e largura, por exemplo, poderá ser entregue por preços a partir de R$ 9; já um carreto capaz de levar cargas de 2 metros de altura e largura e 2,5 metros de comprimento sai por pelo menos R$ 60. Quem precisar da ajuda do motorista para carregar peso pode pagar mais R$ 30.
Diretor de expansão da Lalamove, Antonio Chan afirma que empresa não vai cobrar comissão de parceiros no início
“Queremos conectar ao nosso app os motoristas que já trabalham com transporte de carga”, diz o brasileiro Antonio Chan, diretor de expansão da asiática, em entrevista ao Estado. A asiática é novidade aqui no Brasil, mas já chega com status de “unicórnio” – apelido dado a startups que têm valor de mercado projetado em US$ 1 bilhão ou mais.
Para Guilherme Martins, coordenador do curso de Administração do Insper, a Lalamove tem como trunfo resolver um problema do mercado de entregas: o custo de conhecimento da reputação do profissional. "Quem contrata um carreto leva um tempo absurdo para conseguir referências sobre o prestador de serviço e negociar valores”, diz o professor. “Com a Lalamove, a expectativa é que o preço seja tabelado, sem grandes negociações, e com um motorista que já fez vários carretos e tem uma avaliação positiva. Além disso, dá para rastrear todo o trajeto.”
Mundo de apostas
Fundada em 2013 por Shing Chow, um aluno da Universidade Stanford que levantou recursos para criar a empresa jogando pôquer profissionalmente, a Lalamove diz ter cerca de 3 milhões de condutores parceiros ao redor do mundo.
O Brasil é o primeiro país da América Latina a receber o serviço. Será seguido em breve pelo México, onde a startup começará a operar até o fim do ano. “Vemos muito potencial na América Latina porque é um mercado muito parecido com o Sudeste Asiático, com cidades que tiveram um crescimento muito acelerado e necessitam hoje de soluções de logística”, diz Chan.
Ao chegar ao mercado nacional, a Lalamove vai bater de frente com startups já estabelecidas no segmento, como a Loggi – que está avaliada em mais de US$ 1 bilhão desde julho, quando recebeu um aporte do grupo japonês SoftBank.
Fundada pelo francês Fabien Mendez, a brasileira oferece apenas motoboys para os usuários pessoas físicas – entregas com carros e caminhões estão disponíveis apenas para grandes empresas, como Amazon e Mercado Livre.
Na visão de Chan, a concorrência não intimida. “Ainda não existe nenhuma empresa no mercado brasileiro que organize de verdade a logística de entregas”, afirma. “Queremos conectar as pessoas que querem transportar coisas importantes com aquelas que podem oferecer esse serviço, de um jeito que economize tempo.”
Para se diferenciar dos rivais e atrair parceiros por aqui, a asiática decidiu que não vai cobrar comissão pelas entregas realizadas por motoboys – ou seja, o parceiro receberá o valor total do trabalho. Na visão de Martins, do Insper, a tática vai além de alcançar o consumidor final. “Onde a Lalamove pode mesmo faturar é fazendo parcerias com empresas. Focar nas pessoas comuns funciona para tornar a empresa conhecida.”
É uma estratégia arriscada, uma vez que é preciso desembolsar recursos com marketing para tornar o nome da empresa popular. A startup de Hong Kong, porém, tem dinheiro em caixa para gastar: em fevereiro deste ano, a empresa captou uma rodada de US$ 300 milhões, liderada pelo fundo Sequoia (investidor de Nubank e Facebook) para realizar sua expansão global.
Inicialmente, a asiática está presente apenas em três cidades: São Paulo, Rio de Janeiro e Niterói. Até o fim do ano que vem, a meta é levar o serviço para todas as capitais brasileiras e realizar as entregas no mesmo dia do pedido.
Para isso, a empresa aposta na capilaridade dos parceiros e na tecnologia – seu sistema vai redirecionar os pedidos para os colaboradores que estiverem mais próximos do endereço.
“É um modelo descentralizado, que supre a necessidade dos grandes centros: entregar sem prejudicar o trânsito”, afirma Priscila Miguel, coordenadora do Centro de Excelência em Logística da Fundação Getulio Vargas (FGV). “É uma demanda que está em alta nas capitais, devido à ascensão do comércio eletrônico.”
Novo território
Para Priscila, o mercado brasileiro de logística provavelmente vai reagir à chegada da Lalamove. “Um novo modelo de negócio acaba desestabilizando o modelo tradicional que tem contratação mais formal”, diz a professora. “Devem surgir questionamentos regulatórios sobre esse novo serviço.”
O Uber enfrenta pressão ao redor do mundo por trabalhar com motoristas sem vínculo trabalhista com a empresa. No Brasil, depois de muita discussão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu em setembro que não há existe esse vínculo entre Uber e colaboradores.
Além disso, a Lalamove atuará em um mercado sensível. “É preciso conquistar a confiança dos usuários e garantir que a entrega chegue ao destino correto sem comprometimentos”, ressalta Priscila. “Principalmente no Brasil, onde a questão de roubos e furtos é sempre apontada como um fator de preocupação.”
Para o professor do Insper, há outra dificuldade no caminho da Lalamove: a informalidade brasileira. “Lidar com entregas na Paulista é como estar em Manhattan. No entanto, numa viela ou favela, pode ser difícil fazer o veículo de entregas entrar, bem como saber qual é o endereço certo”, diz Martins. “Uma multinacional que não se adaptar a essas jabuticabas pode sofrer bastante.” / COLABOROU BRUNO CAPELAS
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