quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Clã Moreira Salles domina produção de mineral xodó de Bolsonaro, FSP

Expansão defendida pelo presidente enfrenta falta de demanda e custo elevado

Anna Virginia Balloussier
ARAXÁ (MG)
O arranha-céu mais alto de Pequim, o China Zum, que tem meio quilômetro de extensão. O maior acelerador de partículas do planeta, o LHC. Megapontes mundo afora. Foguetes do bilionário Elon Musk.
O nióbio, ativo da família Moreira Salles, que controla a maior empresa do mundo desse minério, está em tudo isso. Mas é por sua presença nos discursos de Jair Bolsonaro que ele talvez seja mais lembrado. 
O presidente não perde uma oportunidade de exaltar as maravilhas do 41º elemento da tabela periódica. Em junho, direto do Japão, onde estava para a reunião do G20, mostrou, numa transmissão pelo Facebook, como o nióbio agrega valor até a bijuterias. O “pequeno cordãozinho” que exibiu valeria R$ 4.000, e se de ouro fosse não passaria de R$ 3.000, sustentou. 
Ferronióbio, principal produto da CBMM, empresa do clã Moreira Salles que explora nióbio
Ferronióbio, principal produto da CBMM, empresa do clã Moreira Salles que explora nióbio - Acervo CVMM/Divulgação
“A vantagem disso, em relação ao ouro, primeiro são as cores, que variam. E ninguém tem reação alérgica a nióbio. Alguns têm a ouro. Às vezes, a mãe põe um brinquinho na orelha da menina 
— menina, para deixar bem claro— e tem reação.”
Palco maior foi a Assembleia-Geral da ONU. “O índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas, especialmente das terras mais ricas do mundo”, disse em sua estreia no encontro, no dia 24 de setembro. 
Foi a deixa para exaltar a “grande abundância”, nas reservas Ianomâmi e Raposa Serra do Sol, de ouro, diamante, urânio e deste menos conhecido minério batizado em homenagem a Níobe, neta de Zeus na mitologia grega.
Uma semana depois, disse a garimpeiros que “o interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore, é no minério”. 
A hipótese de que Bolsonaro possa anular a demarcação de reservas indígenas com o pretexto da exploração mineral tira o sono de ambientalistas e lideranças indígenas. Causa também estranhamento a 4.500 km dali, onde fica a maior jazida de nióbio do mundo. Lugar, aliás, familiar ao presidente.
Com a disputa presidencial já em mente, Bolsonaro visitou três anos atrás a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), desde 1965 sob controle da família sócia do Itaú Unibanco. 
Sua empolgação com a matéria-prima de um negócio que ajuda os Moreira Salles a serem o clã mais rico do Brasil rendeu uma situação ambígua em agosto, quando a CBMM entregou seu 1º Prêmio de Ciência e Tecnologia. 
Pedro Moreira Salles, que preside o conselho de administração da empresa, alfinetou a onda anticiência do governo Bolsonaro ao dizer que “um país que dê as costas para o conhecimento” está condenado a ser “pobre, doente e inseguro”. Mas exaltou o mineral xodó do presidente.
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Há anos Bolsonaro fala de um “Vale do Nióbio”, que vê como versão brasileira do polo de silício que fomenta o hub tecnológico dos EUA. O que pegou a companhia de surpresa é a afirmação de que o Brasil teria motivos para explorar o nióbio do norte do país.
Sequer há demanda para tanto. A CBMM domina 80% do mercado de cerca de 130 mil toneladas de nióbio por ano. Tem uma única concorrente, uma britânica que atua no Canadá e em Goiás.
A brasileira pretende fechar este ano com 110 mil toneladas produzidas, o que elevaria sua receita de R$ 7,4 bilhões em 2018 (apenas com empréstimos, o Itaú faturou R$ 63,6 bilhões no ano passado).
Não que alguém coloque nessas palavras, mas bolsonaristas às vezes mais atrapalham que ajudam.
Um dos exemplos é dizer que o Brasil deve expandir a exploração, sem considerar se há demanda ou mesmo o custo de minerar numa Roraima sem infraestrutura.
“O mercado é limitado, sendo economicamente inviável aumentar a sua produção, ainda mais investir numa nova planta em região remota”, diz Márcio Santilli, presidente da Funai no governo de Fernando Henrique Cardoso e sócio do Instituto Socioambiental. 
Ele vê “ignorância deliberada” de Bolsonaro sobre o tema, “associada ao viés ideológico que o leva a tentar deslegitimar o direito dos índios.”
Eduardo Ribeiro, presidente da CBMM, diz que a reserva em Minas Gerais dura ao menos dois séculos, de bom tamanho para suprir a clientela.
E esse discurso do nióbio como “salvador da pátria” seria acima do tom, ele diz à Folha na casa de hóspedes da empresa, que recebe potenciais compradores do mundo todo, sobretudo asiáticos, em Araxá (MG). A entrada da sede parece a ONU, com cerca de 50 bandeiras de cada país que negocia com a CBMM.
Há algo de vintage no entusiasmo de Bolsonaro pelo elemento. Enéas Carneiro (1938-2007), eterno presidenciável da direita ultranacionalista, usava seus parcos segundos na propaganda eleitoral para criticar a exportação do extraordinário nióbio “a preço de banana” —a CBMM manda para fora 96% do que produz.
Em 2016, o então deputado Bolsonaro discursou no Congresso contra a venda, cinco anos antes, de 30% da companhia para acionistas da Ásia. Para ele, tudo parte de um plano para jogar a riqueza verde-amarela no colo do capital estrangeiro. “É crítico e inacreditável! Mas logicamente se acredita, porque vem do PT.”
Há muita informação falsa sobre o nióbio, e a maioria peca por exagerar. Enéas, diz Ribeiro, é bom exemplo de “ideias incorretas” que geram “ruídos por completa ignorância”. 
Hoje há vídeos atribuindo superpoderes ao nióbio, como um caminhão que vira pedacinhos ao se chocar contra uma cerca supostamente feita com o material.
Também circula a ideia falsa de que o Brasil concentra quase todo o nióbio global, quando na verdade há 85 minas mapeadas no mundo, a maioria não explorada justamente por empecilhos na extração e falta de compradores.
Mas o nióbio é tudo isso? Se levou o ex-embaixador e banqueiro Walther Moreira Salles a adquirir a CBMM na década de 1960, potencial deve ter.
Os descrentes lembram que o valor comercializado é baixo demais (o quilo do ouro vale cem vezes mais do que os US$ 40 do ferronióbio, principal produto da CBMM). 
Se é tão maravilhoso assim, por que cobrar tão pouco?
O nióbio, de fato, gera ligas metálicas mais leves e resistentes. Exemplo da CBMM apresentado em Araxá: uma caçamba de caminhão com aço normal sai em média por R$ 82,5 mil; a de aço turbinado por nióbio, R$ 92,3 mil. 
Só que o segundo veículo pesaria 6.000 quilos, 1.100 a menos do que o comum. Conseguiria transportar uma tonelada extra de carga e precisaria fazer, assim, menos viagens. Cálculo: em seis meses, o custo compensaria.
E basta um temperinho de nióbio para anabolizar o aço, coisa de 300 gramas por tonelada. Tanto que o ferronióbio exportado pode ser empacotado em pequenas latas que lembram as de tinta. 
Revés: o Brasil pode monopolizar a produção de nióbio, só que o ele concorre com outros parecidos.
O presidente da CBMM propõe chegar numa aula de engenheira e perguntar: “Titânio, quem ouviu falar? Todo mundo levanta a mão. Anos atrás, só três gatos pingados sabiam o que era nióbio”.
Siderúrgicas são as maiores clientes da CBMM, mas a companhia investe em outras frentes. Luiz Carlos Oliveira, professor do departamento de química da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), dá exemplos: “Temos resultados avançados para o uso como fármaco anticâncer e promissores para a produção de supercapacitores híbridos para uso em energias renováveis”.
Baterias (para veículos elétricos e celulares, por exemplo) que fundem materiais como lítio e nióbio poderiam ser carregadas em minutos, até segundos. Neste mês, a Lamborghini anunciou uma dessas baterias mistas para seus carros de alta performance, capazes de alcançar 100 km/h em três segundos.
Eduardo Ribeiro, o presidente, brinca (ou não) que no futuro até um xampu miraculoso poderia levar nióbio.
Erramos: o texto foi alterado
Um caminhão com uma caçamba feita com aço turbinado por nióbio pesaria 6.000 quilos, e não 6.000 toneladas, como foi publicado em versão anterior desta reportagem. O texto já foi corrigido.

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