O Brasil é mercado promissor para tecnologias de reconhecimento facial
Se a vigilância total e instantânea ainda é distopia literária, relativamente distante, a erosão da privacidade pelo aparelhamento tecnológico incomoda.
Poder público e corporações privadas (além de delinquentes, é claro) devassam a vida íntima e cotidiana das pessoas.
Por diversos motivos. O reconhecimento facial é, estrategicamente, objeto de desejo de governantes de diferentes países.
Cidades da China capturam a identidade de pedestres que danificam equipamentos urbanos ou violam normas de trânsito.
Em São Paulo, cidade recortada por rios imundos e fedidos, foram instalados sensores nas portas de entrada dos trens da linha 4-Amarela do metrô para captar a emoção (alegria, indiferença) de passageiros expostos a peças publicitárias: liminar do Tribunal de Justiça proibiu a iniciativa em 2018.
A polícia de Cardiff, capital do País de Gales e sede da partida final da Liga dos Campeões da Europa em 2017, entre Juventus (ITA) e Real Madrid (ESP), identificou equivocadamente 2.297 pessoas (92% das amostras) como possíveis criminosos. Em matéria de segurança pública, é um significativo rebanho de falsos positivos.
A inteligência artificial estimula a sofisticação do erro. Algoritmos também são concebidos a partir de instruções tendenciosas ou falíveis.
A entrevista de Sam Gregory, da organização Witness, ao jornalista Nelson de Sá, publicada na quinta-feira (17) pela Folha, sobre vídeos deepfake (falsificação de rosto, gesto, voz de alguém em determinada imagem), é indicativa de que sistemas de escaneamento das faces não são imunes a fraudes.
O Brasil está vivamente interessado no reconhecimento facial para fins de segurança pública e empresas fornecedoras paparicam autoridades que acreditam, sinceramente, em sua eficiência. O tema não desperta tanta oposição, pois, afinal, é para o “bem” de todos.
O Metrô de São Paulo quer observar estações, trens e áreas operacionais.
O Rio de Janeiro, mesmo falido, anunciou em dezembro parceria entre o Disque Denúncia e empresa britânica para localização de criminosos que integram banco oficial de imagens, eventualmente surpreendidos por câmeras do programa Facewatch.
Na Bahia, estado governado pelo PT, teste experimental de reconhecimento facial durante o Carnaval identificou 3 milhões de rostos na multidão de foliões em Salvador e permitiu a prisão de integrante do bloco As Muquiranas, fantasiado de mulher e procurado por homicídio.
Em janeiro, 12 parlamentares eleitos pelo emergente e conturbado PSL foram conhecer, a convite do Partido Comunista, a experiência chinesa.
Um dos turistas políticos, deputado Bibo Nunes (RS), é autor de projeto de lei sobre desenvolvimento, aplicação e uso de tecnologias de reconhecimento e banco de dados, no Ministério da Justiça e Segurança Pública, com biometria facial e emocional de pessoas com mandados de prisão.
Para a surpresa de especialistas, o presidente Bolsonaro instituiu por decreto, cheio de impropriedades técnicas, o Cadastro Base do Cidadão, que, no futuro, conterá “características biológicas e comportamentais mensuráveis da pessoa natural que podem ser coletadas para reconhecimentos automatizados, tais como palma da mão, as digitais dos dedos, a retina ou a íris dos olhos, o formato da face, a voz e a maneira de andar”.
Desenvolvimento tecnológico é sempre bem-vindo, mas é bom ficar de olho vivo. É tempo de governos nefastos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário