Querer determinar como os outros devem viver é praga que afeta a todos
O irrefreável desejo de determinar como os outros devem viver suas vidas se tornou o novo "mal du siècle". É uma praga que afeta a todos, dos religiosos que querem banir o pecado, à nova direita, que empastela exposições de arte, passando pela esquerda, em especial uma modalidade autoritária de feminismo que adora suprimir a autonomia das mulheres.
Esse grupo conseguiu com que o Congresso aprovasse um projeto de lei que obriga todos os serviços de saúde do país a comunicar à polícia, num prazo de 24 horas, toda suspeita de violência contra a mulher, independentemente da vontade da vítima. A notificação já é hoje compulsória, mas de forma anônima e em princípio só para as autoridades sanitárias, que não têm o poder de iniciar investigações criminais.
A mudança proposta me parece desastrosa, sob vários ângulos. É claro que o poder público precisa combater a violência contra a mulher, mas sem atropelar sua autonomia. Se é dado a um homem decidir se denuncia ou não uma agressão que tenha sofrido, não vejo por que a mulher não deva ter idêntica prerrogativa de escolha.
Igualmente grave, a norma erode o sigilo da relação médico-paciente, um princípio milenar fundamental não apenas para que exista confiança entre as duas partes mas também para que pessoas que tenham sofrido algum agravo à saúde no curso de atividades ilícitas não deixem de procurar socorro.
Há até um sutil veneno filosófico na nova regra, já que ela caminha na contramão do respeito à privacidade. E o direito à privacidade, é bom refrescar a memória de feministas, foi a base do argumento jurídico que, nos EUA, serviu para a legalização do aborto. É também o direito que poderá sustentar uma eventual descriminalização do uso de drogas, em ação que está sob análise do Supremo.
Jair Bolsonaro vetou o projeto de lei. Não creio que ele tenha muita ideia do que fez, mas agradeço.
Nenhum comentário:
Postar um comentário