Sociedade humana só será estável com regras do jogo bem definidas e aceitas consensualmente
Nenhuma sociedade democrática pode realizar, com eficiência e pacificamente, sua tarefa primordial: garantir sua subsistência material pelo trabalho de cidadãos relativamente iguais, pois “é preciso comer para poder viver e, afinal, filosofar”... Isso exige um mínimo de tolerância entre cidadãos com diferentes “visões” de mundo, que se dispõem a aceitar um acordo sobre “regras do jogo estáveis”. Uma Constituição resultante de um consenso mínimo que obriga a todos e cria um “poder incumbente” transitório, que ela mesmo exige renovar-se em prazo certo, através do voto majoritário no sufrágio universal.
Cria-se, assim, a possibilidade de que qualquer “visão” de mundo (mesmo as mais extravagantes) tenha a oportunidade de tentar realizar-se na eventualidade de ser majoritária dentro das “regras do jogo”, construídas consensualmente.
O “poder incumbente” vitorioso comanda as instituições permanentes que se organizam no Estado. Este tem, com elas, que administrar os inevitáveis conflitos que emergem no exercício do poder, como já apontaram Thucydides há 22 séculos, Maquiavel há cinco e Marx há quase dois. Os conflitos estão se tornando mais violentos e desejam acelerar uma nova arbitragem, que nega o “núcleo duro” das regras do jogo.
Trata-se de uma minoria que quer fazer à força o que poderia fazer pacífica e ordenadamente quando for maioria eventual no sufrágio universal. Para eles, a política é um jogo de soma nula: todo ganho de um pequeno subconjunto da sociedade é, necessariamente, uma perda equivalente de outro subconjunto. Negam os benefícios da cooperação (tão visíveis na divisão do trabalho e no comércio internacional) e não enxergam sua externalidade: com a negociação, todos ganham, ainda que alguns ganhem mais do que outros.
A sociedade humana, em que os agentes têm interesses, pensam e lutam por eles, é o “loco” de uma troca permanente entre forças antagônicas: associação e competição. Só será estável com “regras do jogo” bem definidas e aceitas consensualmente.
Nos últimos 50 anos, é a segunda vez que o nível dos conflitos ameaça quebrar as “regras do jogo”. A primeira foi em maio de 1968. Agora se repete com o avanço de fraudes tecnológicas gestadas por uma alquimia cibernética capaz de produzir “intenção de voto virtual” na internet. Até agora, não se materializaram nas urnas. Se e quando isso acontecer, nos levará à democracia direta, que há 2.500 anos Platão mostrou ser porta aberta para a tirania.
O caso brasileiro é estranho: as fontes do conflito são preconceitos identitários sem nenhum suporte empírico, uma conspiração globalista da ONU e a descoberta de um lázaro “comunista”. Que pobreza!
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