Quando o governo abriu mão de executar serviços, produziu resultados muito melhores
Acho ótimo que o governo e o Congresso coloquem em pauta a reforma administrativa. Nosso setor público quebrou. O governo deve investir 0,3% do PIB no ano que vem, e as despesas obrigatórias engessam 94% do Orçamento federal. E há um problema de qualidade nos serviços públicos, cuja conta é paga pelos mais pobres.
O Brasil andou na contramão nos anos 1980. Enquanto o mundo tratava de ajustar o Estado à globalização e modernizar a gestão pública, o Brasil apostou em um super Estado burocrático na Constituição de 1988. Oferecemos estabilidade rígida no emprego para os servidores, misturamos carreiras de Estado com carreiras comuns do serviço público, criamos a lei das licitações, engessamos os orçamentos e eliminamos qualquer espaço para a meritocracia na área pública.
Criamos um Estado competente para administrar amplos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e o BPC, mas cronicamente incapaz de gerenciar uma escola ou um posto de saúde.
O resultado é conhecido. A classe média tratou de fugir dos serviços públicos e migrou para o setor privado. Escola particular, saúde e previdência privadas. Os mais pobres ficaram reféns do Estado e sua tragédia. Nas filas do SUS, na escola que não funciona. E não raro nas unidades socioeducativas, quando tudo dá errado.
O Estado, que era para produzir equidade, produziu o oposto: aumentou ainda mais o fosso da nossa desigualdade. Não porque “concentrou renda”, como anda na moda discursar, mas pela incapacidade de garantir oportunidades básicas minimamente iguais para todos.
Nos anos 1990, ensaiamos um ciclo virtuoso de reforma do Estado. Surgiu a figura das organizações sociais e a contratualização de serviços públicos. Aprovou-se a emenda 19 à Constituição, que, entre outras coisas, determinou a avaliação dos servidores públicos e a possibilidade da demissão por insuficiência de desempenho. Em 2000, veio a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Depois disso, andamos em marcha lenta. O modelo das organizações sociais pouco andou, na esfera federal, ainda que tenha avançado em muitos estados, a começar por São Paulo, com as OSs de saúde e cultura. A avaliação dos servidores nunca foi regulamentada pelo Congresso. Faz 20 anos, e não consta que o Supremo tenha se mexido para lidar com isso, sob o argumento da “omissão legislativa”.
A PEC do Teto, no final de 2016, terminou por escancarar a falência do Estado brasileiro. Ou colocamos um artigo, na Constituição, que nos obriga a fazer reformas de verdade, ou afundamos de vez. É o ponto em que nos encontramos.
O risco é cair na ilusão de que basta uma reforma fiscal, que corte despesas, combata “privilégios”, mas mantenha intacta a lógica de um Estado estruturalmente ineficiente. Isso seria a cara de um país medíocre. O desafio é ir além: mexer na governança do Estado, na qualidade da oferta dos serviços públicos.
O país deu passos tímidos nesta direção com a lei de governança das estatais e, mais recentemente, a nova lei das agências reguladoras. O governo anuncia um amplo programa de privatizações e concessões de parques e presídios, o que é positivo, mesmo que tudo pareça ainda bastante incerto.
Não acho que deveríamos reinventar a roda neste tema. Há uma experiência brasileira em reforma do Estado, que sinaliza um caminho. Basta ir ao oeste do Paraná e observar a concessão do parque do Iguaçu, no entorno das Cataratas; visitar a periferia de Belo Horizonte e conhecer as escolas em modelo PPP; andar pelo antigo centro do Rio de Janeiro e fazer uma visita ao Museu do Amanhã, e depois dar um pulo na Floresta da Tijuca para conhecer o Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada). E quem sabe terminar a semana assistindo a um concerto da Osesp, na Sala São Paulo.
Os exemplos têm um ponto em comum: o governo abriu mão de executar serviços e terminou produzindo resultados muito melhores. O governo recuou, não abriu concurso, não inchou a máquina do Estado ou a previdência pública. Manteve seu perfil enxuto e sua função de inteligência, deixando de fazer o que a sociedade e o mercado podem fazer melhor.
Não há nenhum grande mistério aí. Basta um pouco de bom senso, disposição para aprender e não pensar o Brasil a partir dos interesses corporativos. No fundo é este o desafio da reforma do Estado, se é que desejamos pensar com alguma ousadia.
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