A experiência comparada demonstra: quem negocia sozinho, vira aperitivo
Desde a chegada de Jair Bolsonaro ao poder, a política externa se resume a embustes impactantes que jamais se materializam, por falta de competência, coerência ou vontade real dos interessados.
Foi assim com o reconhecimento de um governo paralelo na Venezuela, confinado ao banco de reservas, com a mudança da embaixada para Jerusalém, praticamente abandonada, e a entrada do Brasil na OCDE, recentemente postergada.
O enredo parece perfeito: inspirado pelo Reino Unido, o Brasil se libertaria das amarras da burocracia latino-americana.
Entre dois cortes de cabelo, Jair Bolsonaro e os seus assessores terraplanistas fechariam acordos comerciais com as autocracias da Ásia e do Oriente Médio, provocando uma mudança irreversível do centro gravitacional do Brasil.
À primeira vista, o período escolhido para lançar a ideia não poderia ser pior. Num momento em que a América Latina atravessa uma de suas piores crises sociais em décadas, o Brasil passa a imagem do líder que tenta afundar o barco sul-americano.
O Mercosul pode ter todos os defeitos do mundo, mas é a única entidade continental capaz de oferecer uma alternativa a outros projetos de hegemonia. Ao contrário da União Europeia, que vai superar a saída do Reino Unido, a organização não aguentaria seis meses sem o Brasil.
Para a China, o desmantelamento do Mercosul seria um presente inesperado. A experiência comparada dos países da Europa e da Austrália demonstra: quem negocia sozinho, vira aperitivo.
Do ponto de vista processual, o Mercoexit é delirante. A abertura radical do comércio é um eixo central do programa de Paulo Guedes. Isso torna a decisão de repensar o lugar do Brasil no Mercosul intrinsecamente legítima.
Porém, uma saída pura e simples da entidade, sem uma discussão profunda com o Congresso e a sociedade civil, configuraria um estelionato eleitoral.
Oposição e grupos de interesses industriais explorariam o caráter arbitrário da decisão do governo, e o Brasil acabaria paralisado por mais um imbróglio político-judiciário.
Resta entender as verdadeiras motivações do governo para alimentar a fantasia do Mercoexit.
A primeira é pragmática: intimidar os prováveis futuros governos argentinos e uruguaios. A ameaça do Mercoexit vai servir como uma espada de Dâmocles que obriga os vizinhos a andar na linha e aderir minimamente à agenda do governo Bolsonaro.
A segunda é mesquinha e fanática. Enquanto a opinião pública debate o Mercoexit, Ernesto Araújo pode se dedicar tranquilamente ao que realmente importa: a caça ao homem ideológico.
Na semana passada, o chanceler efetivou a terceirização do RH do Itamaraty às redes sociais ao cancelar a promoção do servidor Audo Faleiro.
Os olavistas desconfiaram da sua relação muito próxima com dirigentes petistas, um pecado comum a muitos outros diplomatas.
É impossível prever o impacto a longo prazo da diplomacia do embuste, mas uma coisa é certa. Ernesto está sendo extremamente bem-sucedido na sua política de degradação moral e institucional do Itamaraty.
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