x-dependente químico, presidente da Coopercaps fez parceria com a Boomera, finalista do Empreendedor Social 2019
SÃO PAULO
Telines Basílio do Nascimento Júnior, 54, veio do Rio de Janeiro para São Paulo em busca de uma oportunidade de trabalho e de rumo para sua vida.
Sem êxito na busca, encarando o preconceito e também o desemprego, começou a se virar com bicos. Ao mesmo tempo em que mergulhava no mundo das drogas, ele descobria a dureza da rotina de um catador de material reciclável numa grande metrópole.
“Eu desci ao fundo do poço. Não tinha família, não tinha ninguém. Só as ruas”, recorda-se.
Conhecido como Carioca, o ex-catador é hoje um dos principais nomes da reciclagem na capital paulista.
Ele preside a Coopercaps (Cooperativa de Trabalho de Coleta Seletiva da Capela do Socorro), na zona sul de São Paulo, que conta com 235 cooperados, sendo responsável por reciclar 12 toneladas de lixo por dia —um terço do que é reaproveitado em São Paulo.
“Eu sou o que sou hoje muito por ter conhecido o Guilherme, da Boomera. O que ele me ensinou e fez a gente crescer não está escrito”, afirma. referindo-se a Henrique Guilherme Bramme Jr. 42, fundador do negócio social que reaproveita materiais difíceis (leia-se plásticos compostos).
O engenheiro é um dos finalistas do Prêmio Empreendedor Social como fundador da Boomera, que inova e gera impacto social fazendo do conceito de economia circular uma realidade por meio de engajamento de indústria, academia e cooperativas.
Carioca diz que conhecer o empreendedor social foi um divisor de águas na vida dele e da cooperativa. "A gente não tirava nem R$ 50 por mês." A renda dos catadores, agora na pele de agentes ambientais, pode chegar a R$ 1.500. "Guilherme se mostrou preocupado com a saúde e com a segurança dos trabalhadores, reformou os vestiários e nos deu aulas de gestão, de como poderíamos nos tornar autossustentáveis. Isso melhorou a autoestima e a renda de todos."
Leia a seguir o depoimento de Carioca.
Minha trajetória em São Paulo é parecida com a de vários cariocas, de muitos Joões e Marias. Cheguei ainda jovem. Via que era a cidade das oportunidades. Porém, logo me encontrei desempregado, sem ter uma fonte de renda.
Fui apresentado por um colega a um ferro-velho. Eu deixava meu documento e ficava com uma carroça para trabalhar durante o dia. Nessa brincadeira, foram 12 anos, difíceis, muito difíceis.
Isso porque, na rua, um dia você almoça, no outro você janta. Carroceiro é como burro sem rabo. Quando você está na rua, não tem consciência. Eu era jovem e aquilo mexia. No frio, o álcool vale muito mais. Então fui me entregando a essas coisas. Do álcool você parte para a maconha, depois para a cocaína. Então você vai caindo, caindo. E eu fui salvo pelo lixo.
Em 2002, fizeram uma mobilização, um senso dos carroceiros. Aí selecionariam 46 pessoas para uma capacitação na Prefeitura de Santo André, duas vezes por mês. Eles davam a passagem e uma cesta básica. Imagina isso! Para quem não tinha nada, largado nas ruas, agora eu tinha uma chance e eu a agarrei.
Minha vida mudou completamente quando fui apresentado ao cooperativismo e à possibilidade de criar uma cooperativa. Isso foi um divisor de águas.
Até então, eu não sabia que poderia ser um líder. Hoje as pessoas já veem no Carioca a possibilidade de transformar vidas.
Por meio da cooperativa, consegui fazer uma faculdade. Sou formado em gestão ambiental e pós-graduado em gestão de projetos. Posso ser um multiplicador. Eu compartilho com os meus cooperados aquilo que eu aprendi.
Fui convidado pelas prefeituras de São Paulo e de Osaka, no Japão, para ir lá falar um pouco do nosso trabalho. Acredito que me saí bem, porque acabei ganhando um curso de resíduos sólidos urbanos [em Osaka].
Tudo o que tenho e tudo o que sou eu devo àquilo que as pessoas chamam de lixo. Ele me reciclou.
A Coopercaps foi constituída há 16 anos. Hoje, representa três unidades, a Interlagos, a Paraisópolis e a Central Mecanizada de Triagem Carolina Maria de Jesus. Contamos com 235 cooperados associados.
O lixo é o luxo. E, com certeza, ele transforma vidas. Quando se fala em sustentabilidade, a gente enxerga logo o tripé econômico, social e ambiental. Mas a cooperativa tem uma missão social muito forte.
A parceria com a Boomera foi um marco de mudança de atitude da cooperativa. A parte principal foi a formação e capacitação em gestões de cooperativismo e de administração. Começamos a ter uma visão de um negócio sustentável.
Houve uma preocupação maior com a segurança e a saúde dos nossos trabalhadores, com a criação de departamentos e de processos internos. Aumentou o fluxo produtivo e os ganhos. Hoje, nossos cooperados têm uma renda média em torno de R$ 1.700, R$ 1.800 por mês. Se compararmos com a média nacional, que está em cerca de R$ 500, R$ 600, foi um salto muito grande.
Isso ocorreu a partir do momento em que nós começamos a entender que precisávamos diversificar o nosso faturamento. Só coletar, separar, prensar e vender, não seria suficiente para que conseguíssemos fechar as contas.
Começamos a criar produtos e a partir daí, vender outros tipos de serviços, como palestras, gestão ambiental em prédios residenciais e industriais, prestação de serviço para o município e empresas. Isso incrementou o ganho dos cooperados.
O resultado impacta completamente na vida das pessoas. Aumenta autoestima, diminui a rotatividade. Os cooperados conseguem obter conquistas, comprar um PlayStation para o filho, um carro, um terreno ou um apartamento. São vitórias individuais, mas que a gente acaba compartilhando.
Há também cooperados estudando em faculdades, outros que conseguem pagar os estudos dos filhos. O nosso objetivo maior é gerar emprego e renda. As pessoas são o mais importante de tudo.
Cerca de 70% do nosso quadro são mulheres. Elas se sentem seguras de trabalhar perto das residências. O filho estuda perto. A creche é próxima, o posto de saúde é também.
A cooperativa tem um relacionamento grande com todos os atores envolvidos ao redor da comunidade.
A gente tem um trabalho há dois anos com uma casa de recuperação de drogados. Uma vez por mês, passamos um dia lá com o pessoal, tentando motivá-lo.
Por meios de exemplos que temos na cooperativa, buscamos mostrar que é possível mudar. Quando termina o tratamento, a cooperativa absorve a mão de obra deles também.
A gente reintegra essas pessoas que se sentiam excluídas da sociedade.
Essa parceria com a Boomera tem um significado, para nós, muito forte, porque a gente não recicla só o lixo, a gente recicla vidas. E isso, depois de 16 anos, a gente percebe que é o carro-chefe da cooperativa: reciclar vidas.
Foi um incentivo para que eu voltasse a estudar, um ex-dependente químico e ex-catador de lixo. E, mesmo com o lado econômico, com a nossa profissionalização, vejo que a Boomera se preocupa, primeiro, com as pessoas.
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