Juiz que critica Lei do Abuso ou faz política, ou vinha cometendo abuso, ou não honra a toga
Começo esse texto parafraseando o juiz de Goiás que colocou na rua alguns presos, entre eles um suspeito de homicídio qualificado, com base na Lei de Abuso de Autoridade que nem em vigor ainda está.
"Avante Brasil, rumo à impunidade total", escreveu em uma de suas sentenças Inácio Pereira de Siqueira, de Jataí, acrescentando à sua anunciação do Apocalipse que nos resta apenas "assistir ao deprimente quadro pintado pelo Congresso Nacional, ao prestar, como de costume, um desserviço ao povo brasileiro".
A função de um magistrado é decidir na estrita observância da lei, com independência e o máximo senso de justiça. Juiz que solta ou prende com suposto medo de uma lei futura, ou mesmo após ela entrar em vigor, ou está fazendo proselitismo político de quinta, ou vinha, de fato, cometendo abusos, ou não honra as calças, quer dizer, a toga que veste.
A nova lei estabelece pena de até quatro anos para quem decrete ou deixe de relaxar prisões "manifestamente ilegais". Que se insurja todo o Estado democrático de Direito se, lá na frente, ladinos usarem esse texto para tentar livrar criminosos. O que temos até agora, porém, é que atos ilegais serão considerados ilegais.
Supõe-se, assim, que os indignadões estejam a fazer ação política. E sob a vênia do ex-juiz Sergio Moro, para quem a nova lei pode inibir juízes de cumprir o seu dever legal. Togado que se sinta, de fato, inibido de cumprir o seu dever por causa disso deveria fazer outra coisa da vida.
Felizmente, há decisões como a de Shamyl Cipriano, de Porto Velho, ao negar pedido com base na nova regra. O texto poderia embasar alguma lei de abuso da malandragem.
"Advogado que profere ameaça contra um juiz para o caso de indeferir seu pedido está promovendo um ataque contra o Estado democrático de Direito na medida em que criminaliza a diferença de pensamentos e quer um Poder Judiciário atuando por receio de consequências pessoais. A vida adulta exige de todos nós maturidade e equilíbrio suficientes para respeitar a discordância."
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