terça-feira, 20 de agosto de 2019

Vamos vender a Amazônia?, FSP

Que Groenlândia que nada, vamos vender é a Amazônia mesmo. Sei que essa proposta tende a ser recebida com um pé atrás e que, por uma série de razões práticas, políticas e constitucionais, não há a menor chance de ela se tornar realidade. Ainda assim, penso que vale a pena explorá-la como exercício intelectual.
Já que estamos lidando com um experimento mental, somos livres para estipular condições. O ponto de partida é que seria um negócio em que todas as partes sairiam ganhando. A população local obteria cidadania de país rico e experimentaria um longo ciclo de desenvolvimento. O resto dos brasileiros receberíamos uma bolada pela cessão da "soberania", que usaríamos com sabedoria, rasgando as amarras que ainda nos prendem ao grupo das nações de renda média.
Mais importante, o planeta seria enormemente favorecido com a preservação total da floresta, que exerce importante papel na regulação do regime de chuvas e do clima. Também ganhariam espécies biológicas que ainda nem identificamos mas já estão sendo dizimadas com a derrubada de partes da floresta.
Se é tão bom assim, por que tantos brasileiros sentem um arrepio só de pensar na ideia de que a Amazônia possa deixar de ser nossa? A resposta é: nacionalismo. Não ignoro que o nacionalismo possa, como outras ficções compartilhadas, ter um papel construtivo na sociedade, unindo as pessoas em torno de objetivos comuns. Mas ele também pode ser bastante destrutivo, levando a chauvinismos e mesmo a guerras sem propósito.
Como a linha entre o uso saudável e o patológico é tênue, precisamos nos manter vigilantes, sempre nos perguntando se nossos impulsos nacionalistas estão devidamente calibrados . Se você, leitor, rejeita visceralmente uma hipotética venda que, por definição, seria benéfica para todos, então há uma boa chance de que você seja portador da variante patológica do nacionalismo.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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