domingo, 25 de agosto de 2019

Jornal Nacional sobrevive às mudanças tecnológicas, mas sem o peso de antes, fsp


Num mundo de telas, é uma anomalia o programa chegar a tanta gente ao mesmo tempo


Cristina Padiglione
Na condição de primeiro programa criado para ser transmitido em rede nacional, o Jornal Nacional é a Transamazônica que deu certo. Deu certo para quem? Antes de tudo, para o regime militar, que viu frustradas em outras áreas as chances de unir o país.
No livro “Brasil em Tempo de TV” (Boitempo Editorial, 1996), Eugênio Bucci definiu o papel do JN no “projeto de integração nacional pretendido pela ditadura”, que só “alcançou êxito graças à televisão”. Em outras áreas, escreve Bucci, houve trapalhadas, “mas, na área das telecomunicações, o Estado militarizado conseguiu o que pretendia”. “Espetou antenas em todo o território brasileiro e ofereceu a infraestrutura para que o país fosse integrado via Embratel.”
Embora o seu êxito em audiência dependa fundamentalmente do andamento das duas novelas que fazem dele o recheio do sanduíche mais longevo do horário nobre, o JN é o embrião desse projeto que viria a se tornar a voz soberana nas telecomunicações no Brasil já a partir do ano seguinte, em 1970, com a Globo na liderança de audiência.
Até ali, todos os programas tinham exibições em mais de uma cidade brasileira por meio de cópias distribuídas pelas estações repetidoras da programação da Globo.

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Bucci observa que a TV brasileira acrescentou elementos próprios em relação aos parâmetros no mundo todo. “Ela se pôs como o prolongamento do Estado autoritário, incumbindo-se do trabalho que ele, Estado, não poderia realizar sozinho. Uma boa representação dessa parceria pode ser encontrada no tom oficial que adquiriu o telejornalismo.”
Não que o JN tenha nascido de teoria conspiratória, mas o cenário propiciado por aquele que seria o noticiário de maior alcance do país animou o regime, que fez de tudo para colaborar com a emissora.
Do lado da Globo, havia uma equipe chefiada por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, ávida por fazer uma TV de rede como o modelo que havia testemunhado nos Estados Unidos, “de costa a costa”. “O JN só foi possível com a inauguração da rede de micro-ondas da Embratel, então empresa estatal”, lembra Boni. 
Esse DNA custaria caro ao JN. Mais de três décadas se passaram até que o noticiário começasse a se livrar da fama de porta-voz do governo. Para tanto, pesou a troca de “rosto” do telejornal, quando Cid Moreira e Sérgio Chapelin deixaram a bancada, em 1996, cedendo a vez à era dos jornalistas, a começar por William Bonner e Lillian Witte Fibe.
Ainda que o JN não tenha mais o peso que já teve, seu alcance sobrevive com louvor às transformações trazidas pela tecnologia que fez nascer tantas telas e conexões.
Neste mês, na média de audiência diária, o JN alcançou 44.047.332 pessoas. São 4 milhões a mais que em agosto de 2001. Os dados são do Kantar Ibope.
No número de domicílios do Painel Nacional de TV, o PNT, que soma 15 regiões, são hoje 30 pontos, ante 39 em agosto de 2001, mas a plateia atual é maior porque 1 ponto (percentual de casas com TV) cresceu quase 60% em 18 anos.
Muita gente comparece ao sofá só para fazer do Jornal Nacional uma sala de espera para a novela. Muitos, no entanto, ainda precisam ouvir de Bonner as histórias que a internet já explorou o dia todo.
Num mundo de tantas telas, chegar a tanta gente ao mesmo tempo, sem necessariamente ser inédito, é quase uma anomalia.
Erramos: o texto foi alterado

A diferença de audiência diária deste mês para 2001 é de 4 milhões. O texto foi corrigido.

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