domingo, 4 de agosto de 2019

Governo pode devolver terras desapropriadas para antigos donos, OESP

Secretário de Bolsonaro diz que vai organizar mutirão para fechar acordos de conciliação com fazendeiros que questionam desapropriações na Justiça

Mateus Vargas e Felipe Frazão, O Estado de S. Paulo
04 de agosto de 2019 | 05h00
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Luiz Antonio Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários do governo federal Foto: GABRIELA BILO/ESTADÃO
BRASÍLIA - O governo Jair Bolsonaro prepara um mutirão para fechar acordos de conciliação com fazendeiros que questionam na Justiça a tomada de suas terras para a reforma agrária. São casos em que os proprietários defendem que o espaço é produtivo e não deveria ser desapropriado ou argumentam que receberam pouco pelos terrenos. Secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Antônio Nabhan Garcia, afirma que o objetivo é iniciar a investida ainda neste semestre. Com isso, será possível “destravar” investimentos no campo e a reforma agrária de Bolsonaro, diz ele.
O governo espera que as conciliações permitam, por exemplo, a devolução de uma terra desapropriada, ou parte dela, aos fazendeiros. Há casos em que a disputa judicial se arrasta há décadas e envolve milhões, segundo Nabhan. 
Aliado de Bolsonaro desde a campanha e um de seus principais conselheiros na área rural, Nabhan é presidente licenciado da União Democrática Ruralista (UDR), que rivaliza com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST)
O secretário afirma que seu alinhamento aos ruralistas não vai enviesar os acordos e nega que haja intenção de beneficiar produtores rurais, grupo que apoia o Planalto. Segundo ele, com o mutirão, o governo espera resolver dois problemas: reduzir o acúmulo de litígios com proprietários de terra e a falta de dinheiro em caixa para realizar novos assentamentos.
Ao fechar um acordo, diz o secretário, o governo vai recuperar recursos que foram depositados em juízo pela União para a compra do terreno em disputa. Além disso, a parte da propriedade que será, enfim, desapropriada pode se tornar assentamento para famílias que aguardam na fila do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Nabhan reconhece que muitos terrenos abrigam famílias em situação irregular e “invasores”. Por isso, ele diz que os acordos vão priorizar terras nas quais não existam pessoas acampadas. O secretário sustenta que a intenção do governo é resolver os litígios sem confrontos. “Vai ter reintegração de posse. Mas o objetivo é que a família seja acomodada em outro lote, desde que cumpra requisitos previstos em lei”, diz. 
Apesar do plano, Nabhan diz que ainda é preciso um acerto com a equipe econômica para garantir recursos mínimos para o começo do mutirão. Não há estimativa oficial de famílias acampadas no País – e que poderiam ser beneficiadas pela iniciativa. O MSTcalcula em 80 mil. Nabhan diz que o número é menor, mas que o governo ainda faz cálculos.
Ocupação Marielle Vive - MST
Acampamento do MST em Valinhos, interior paulista Foto: Divulgação/MST
Trâmite. A Constituição permite à União desapropriar imóveis rurais e declarar, por meio de decreto, o interesse social da terra para efeito de reforma agrária. Neste processo, o Incra ajuíza ação de desapropriação, após depositar em juízo uma indenização calculada pelo órgão. Os laudos de vistoria e a indenização podem ser contestados administrativamente ou judicialmente pelo proprietário.
As famílias que pleiteiam terras começam, em geral, como acampados. Depois, se cumprirem requisitos, são assentadas enquanto aguardam a propriedade definitiva da área. Os assentamentos do Incra ocupam 88 milhões de hectares de terra. O governo Bolsonaro estima que 25% dessa área está sendo ocupada, na verdade, por famílias que descumprem os requisitos necessários, como produzir regularmente. Esse espaço poderia abrigar pessoas que aguardam na fila do Incra. 
Na avaliação do secretário, a política de reforma agrária do governo não acirrará conflitos no campo. Ele observa que houve queda de ocupações devido à postura mais dura contra invasões. “De janeiro para cá, as invasões acabaram”, afirma ele.
A mesma rigidez, argumenta, é aplicada pelo governo em casos de invasões feitas por fazendeiros e madeireiros em terras já concedidas. “Se tiver algum proprietário que diga ‘votei no Bolsonaro’, se o terreno está improdutivo, vai ser desapropriado”, afirma ele.
Timidez. Das cerca de 975 mil famílias que estão assentadas hoje no País, só uma parcela pequena recebeu o documento que dá direito à propriedade definitiva da terra, segundo o Ministério da Agricultura. No Nordeste, por exemplo, só 5% das famílias assentadas têm o título final. O documento dá às famílias acesso a linhas de créditos para a agricultura familiar.
Em julho, o Incra lançou a “Operação Luz no Fim do Túnel” para emitir 25 mil títulos de propriedade definitiva até o final do ano. Nabhan classificou o número como “tímido”. Segundo ele, a meta é entregar 600 mil títulos de terra até o final do mandato de Bolsonaro, sendo 200 mil definitivos.
Ao Estado, Nabhan reclamou da lentidão do Incra. Disse que a operação é um ponto de divergência “democrática” com o presidente do órgão, general Jesus Corrêa. Sem citá-lo, mandou recados. Disse que, se preciso, trocaria um general por “um técnico” no comando do Incra. “O general não é Deus. Na nossa ótica, é um cidadão como qualquer outro”, disse. 
Despejo. Coordenadora nacional do MST, Kelli Mafort diz que espera um esclarecimento “técnico” da proposta. “A meu ver, não resolve o problema, mas aumenta o conflito, porque desconsidera os possíveis beneficiados, que são as famílias”, afirma. Segundo ela, na maioria das vezes, em terras desapropriadas onde não há ninguém acampado existe explicação: as pessoas foram despejadas por ordem judicial e migraram para margens das estradas.
Ela observa que, pela legislação, áreas classificadas como improdutivas no período em que ocorreu a desapropriação não podem estar na mesa de negociação. “Essa medida (mutirão) pode esbarrar na lei vigente”, afirma. “Se não estiver cumprindo a função social, a terra tem de ser arrecadada para a reforma agrária”, diz ela. 
Kelli afirma que o número de acampamentos improvisados após a eleição de 2018 caiu, mas que, nos últimos meses, o MST identificou uma retomada devido ao desemprego e à crise econômica. “Tem família chegando aos acampamentos depois que passou a fase do medo, do discurso raivoso do Bolsonaro”, avalia. “São pessoas que não conseguem pagar o aluguel, colocar comida na mesa”.
4 PERGUNTAS PARA LUIZ ANTÔNIO NABHAN GARCIAsecretário de Assuntos Fundiários 
1. O senhor não teme que a proposta de mutirão seja interpretada como “pegadinha” para favorecer fazendeiros?
Pegadinha, como? Pelo contrário. Não tem dinheiro. Não é para beneficiar produtor, pelo contrário. Aquele depósito feito há 10, 15 anos volta aos cofres do governo. 
2. Há muitos acampados que participam de movimentos sociais, inclusive do MST…
Estamos preocupados em atender aquelas famílias que foram vítimas de uma ilusão.

3. Mas quem vai definir se a família está de acordo com a legislação para ser assentada?
O órgão técnico, no caso, o Incra. Ele que vai lá fazer uma seleção. Agora, no Incra não vai ter mais líder do MST fazendo o que quer. Vai ter um técnico. Se tiver um general lá dentro do Incra que está fugindo da parte técnica, ele vai embora e dará lugar a um técnico. Aí vamos ter outro programa de reforma agrária. Qual o objetivo? Transformar o cara em produtor rural. 

4. Como o senhor avalia a proposta em tramitação no Congresso de permitir a compra de terras por estrangeiros?
A visão deste governo é que precisa ter um freio nessa situação, um olhar mais direcionado aos interesses do Brasil. O mundo inteiro está de olho no País.

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