Alckmin, Serra e Kassab poderiam ser beneficiados por eventual anulação de colaborações firmadas entre Promotoria e empreiteiras
SÃO PAULO
Tentativas de promotores de São Paulo de ressarcir valores que empreiteiras relatam ter repassado a políticos esbarram em resistência do governo João Doria (PSDB) e de outros membros do próprio Ministério Público paulista.
Em xeque, estão acordos de leniência da Promotoria com a Odebrecht e com a CCR (controlada por Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Soares Penido) homologados por juízes estaduais e que chegam a R$ 103 milhões.
As colaborações tiveram sua validade questionada no Tribunal de Justiça de São Paulo com base na lei de improbidade, de 1992, segundo a qual esse tipo de acordo não pode embasar uma ação de improbidade.
A disputa já tem pedido de recurso ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e pode acabar beneficiando aliados políticos do governador Doria.
Caso os acordos sejam anulados, há divergências jurídicas sobre o possível uso das provas contra esses políticos citados pelas empresas.
Foram citados pelas empresas, entre outros políticos, os ex-governadores José Serra e Geraldo Alckmin, ambos do PSDB, e o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), que chegou a ser anunciado por Doria como chefe da Casa Civil mas foi afastado após operação que investiga se ele recebeu propina da JBS.
Também são mencionados oposicionistas, como a atual presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR).
Formalmente chamados de “termos de autocomposição”, os acordos funcionam como na leniência.
A companhia apresenta provas sobre supostos atos ilícitos que diz ter cometido, delata agentes públicos e se compromete a pagar multas e danos pelos episódios relatados. Em troca, se livra de condenações por improbidade e de ficar, por exemplo, proibida de firmar contratos públicos.
O mecanismo foi uma via encontrada para reparar aos cofres do estado, de forma mais célere, quantias desviadas pelas empreiteiras e, no caso da Odebrecht, sem depender de provas da colaboração firmada com o Ministério Público Federal.
Os termos foram firmados pelos promotores do patrimônio público Silvio Marques e José Carlos Blat.
ODEBRECHT VERSUS PROCURADORES
Mas, depois de homologados em primeira instância, procuradores pediram a desembargadores anulação de dois acordos com a Odebrecht: os que envolvem Kassab e seu braço direito e ex-secretário de Obras da capital, Elton Santa Fé.
As duas colaborações tinham a anuência da Prefeitura de São Paulo, que espera receber os recursos supostamente desviados pela empresa.
A empreiteira se comprometeu a pagar uma multa de R$ 21,2 milhões em relação a Kassab, mesmo valor que diz ter repassado de forma irregular pela campanha à prefeitura em 2008 e para a formação do PSD em 2011. Desse total, R$ 1,5 milhão já foi depositado judicialmente.
Já o acordo que envolve Elton Santa Fé prevê o pagamento de R$ 400 mil, o dobro do que a empresa alega ter pago em propina para liberar o canteiro de obra da construção do túnel Roberto Marinho, em 2011.
Os dois casos geraram ações de improbidade, que ainda não foram julgadas.
Mas assim que essas ações foram aceitas pela Justiça, as defesas dos políticos apresentaram recursos ao Tribunal de Justiça questionando os acordos. Nesses recursos, os procuradores se manifestaram, concordando com as defesas, pela anulação.
No caso de Kassab, o tribunal rejeitou o pedido sem analisar a questão.
Já o outro processo, de Elton Santa Fé, aguarda decisão do tribunal sobre envio de recurso especial ao STJ. Em maio, a procuradora Maria Cristina Barreira de Oliveira disse que não considera o acordo regular e acha que ele deve ser anulado, mas defende que suas provas continuem válidas.
Ou seja, entende que a colaboração da empreiteira vire uma espécie de confissão, e ela seja punida apesar de ter fornecido as informações.
Maria Cristina cita decisões de tribunais, inclusive do próprio STJ, que confirmam a sua tese. No STF (Supremo Tribunal Federal) ainda deve haver uma decisão do plenário a esse respeito. O tema é de relatoria do ministro Alexandre de Moraes e está pautado para novembro.
CCR VERSUS GOVERNO DE SÃO PAULO
O maior dos acordos do Ministério Público de São Paulo é o que envolve o grupo CCR, que se comprometeu a pagar R$ 81,5 milhões para se livrar de processos.
Para isso, também delatou repasses de caixa dois às campanhas de José Serra (R$ 3 milhões) à Presidência em 2010, de Geraldo Alckmin (R$ 4,5 milhões) ao Governo de São Paulo em 2010 e a Kassab (R$ 2,8 milhões) para a criação do PSD. Gleisi também teria recebido R$ 3 milhões, no mesmo ano.
Por ser concessionária de serviço público, a CCR é proibida por lei de fazer doações a partidos.
O acordo foi homologado em maio deste ano pelo juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara da Fazenda Pública da capital, sendo que R$ 17 milhões dos R$ 81 milhões seriam doados para a USP.
Apesar de ser o maior beneficiário da devolução das quantias, o Governo de São Paulo também questionou o acordo à Justiça.
Em recurso, afirma que a questão é controvertida e que parecer jurídico do estado aponta no “sentido de inviabilidade de autocomposição, transação ou acordo em matéria de improbidade administrativa”. Cita os questionamentos dos integrantes da segunda instância do Ministério Público nos acordos da Odebrecht.
"Mostra-se essencial que este egrégio Tribunal de Justiça Paulista enfrente, de forma preliminar, a questão", pede o subprocurador-geral do Estado Frederico José Fernandes de Athayde, que representa o Governo de São Paulo.
Embora seja contra o acordo da CCR, arremata: se os desembargadores entenderem que o procedimento é válido, quem deve ficar com o valor integral, inclusive os R$ 17 milhões que iriam para USP, é apenas o governo.
Personagens envolvidos nas negociações temem que, se anulados, não só empresas fiquem inibidas de firmar novas delações como que a decisão incida sobre diversos casos.
ACORDOS SÃO IRREVERSÍVEIS, DIZEM PROMOTORES
Procurados, os promotores que firmaram os acordos não quiseram dar entrevistas individuais. Afirmam, no entanto, que “consideram irreversível a possibilidade de acordo em casos de improbidade”.
No caso da CCR, dizem que, se houver a anulação, o estado não receberá R$ 81 milhões e “acabará advogando em favor” dos políticos que podem ser alvos de processos civis.
A assessoria de Kassab disse que “a defesa do ex-prefeito provará a correção de seus atos”.
Elton Santa Fé disse em depoimento em julho que não cometeu ilegalidade. “Estou sendo imputado o fato de ter solicitado e recebido R$ 200 mil, fato que eu nego. Esse assunto nunca aconteceu”, disse.
Serra não se manifestou, mas disse anteriormente que as contas de suas campanhas eram de responsabilidade do partido e todas foram aprovadas pela Justiça eleitoral.
Já a defesa de Alckmin tem afirmado que ele “jamais recebeu recursos, a qualquer título, da empresa mencionada”.
Questionada, a Procuradoria-Geral do Estado, responsável pela defesa jurídica do governo, não se manifestou sobre ter provocado a Justiça a respeito da validade dos acordos.
Disse apenas, sobre a USP, que "o governo estadual entende que a integralidade do valor do acordo feito pela CCR deve ser revertida para os cofres públicos, uma vez que a lesão foi contra o Estado".
"Não cabe ao Ministério Público decidir sobre a destinação dos recursos", afirmou, em nota.
A CCR diz em nota que "reitera que tem cumprido rigorosamente os prazos de pagamento e que continuará contribuindo com as autoridades públicas".
A Odebrecht disse que "tem colaborado de forma permanente e eficaz com as autoridades, em busca do pleno esclarecimento de fatos narrados por ex-executivos da empresa".
"São fatos do passado. Hoje, a Odebrecht usa as mais recomendadas normas de conformidade em seus processos internos e segue comprometida com uma atuação ética, íntegra e transparente.”
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