Foi muito importante para o futuro do Brasil a descoberta, pela operação Lava Jato, do inacreditável incesto promovido entre agentes públicos e parte do setor privado.
Ainda que, no curto prazo, isso possa ter perturbado nosso crescimento, no longo criou as condições para acelerá-lo.
Poderíamos ter reduzido o seu custo social com uma oportuna e inteligente lei de leniência (o que não era tarefa da Lava Jato, mas do governo que ela expôs) que mantivesse as empresas funcionando com a expertise técnica que acumularam, que é patrimônio da nação.
A Lava Jato é um ponto de inflexão moral e material na história da sociedade brasileira e seus benefícios são duradouros. Não vejo como ela poderá ser atingida pela aprovação no Congresso da lei de abuso de autoridade.
Explico. Há pelo menos 70 anos adquiri no curso de economia da FEA/USP alguns parcos conhecimentos de direito.
Desde então, aceitei que nosso mecanismo de prestação jurisdicional não é perfeito, mas oferece razoável garantia ao acusado. Se não estiver satisfeito, pode recorrer a instâncias superiores (colegiado de juízes) que "controlarão" a lisura do processo acusatório e a razoabilidade da decisão do primeiro julgamento.
É por isso que estou surpreso com a reação corporativista contra aquela lei, quando afirma que ela é uma ameaça jurisdicional. Sobre o poder do Congresso de gestá-la e o poder do presidente de sancioná-la ou vetá-la parcialmente, não há dúvidas. Que a palavra final sobre ela caberá ao Congresso, que pode rejeitar eventuais vetos, também não.
Há um paradoxo muito interessante já apontado pelo competente ElioGaspari. No caso de eventual denúncia de abuso de autoridade, quem vai promovê-la e julgá-la? O próprio Judiciário!
Logo, se um funcionário da Receita, do Coaf, um promotor ou um juiz se julga ameaçado porque será "controlado" pelo próprio Judiciário é porque ele duvida da razoabilidade da própria Justiça.
Quem salvou o dia foi o ilustre ministro João Otávio Noronha, nada menos do que o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que defendeu a legitimidade do controle do abuso de autoridade.
Declarou: "Não temos nada a temer. Aquilo vale para todas as autoridades, seja do Judiciário, seja do Executivo, seja do Legislativo".
Como disse o ilustre ministro Fachin, do STF, num artigo antológico publicado no Valor Econômico (12/8): "A obediência à Constituição é a regra número um da segurança jurídica".
Portanto, a ação de funcionários públicos, procuradores e juízes será ainda mais forte e bem-vinda se respeitar os princípios e os direitos nela inscritos.
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