Escapar da miséria é mais fácil do que da filosofia
É mais fácil escapar da miséria do que da filosofia. Afinal, chega a 1,3 bilhão o número de terrestres que deixou a pobreza extrema para trás nos últimos 30 anos, mas não há uma única decisão de política pública que não tenha como pressuposto pelo menos um par de opções filosóficas, mesmo que não explícitas.
Essa inevitabilidade da filosofia não é algo que afete apenas as ciências humanas, que talvez não sirvam para nada mesmo. A própria física não prescinde de uma ontologia, isto é, uma visão sobre o que existe e o que não existe, o que constitui a realidade, se é que podemos falar em algo assim.
Num exemplo mais concreto, os cientistas que desenvolveram a chamada interpretação de Copenhague da física quântica conviviam mais ou menos à vontade com os paradoxos que ela enseja porque eram em sua maioria instrumentalistas, ou seja, avaliavam teorias científicas apenas em função das previsões que elas fazem, sem se preocupar se são verdadeiras ou se descrevem a realidade. Foi só o instrumentalismo sair de moda, dando lugar a concepções mais realistas, para as bizarrices quânticas nos incomodarem mais profundamente.
Quando passamos para as ciências sociais, o problema só se agrava, porque, além de não nos livrarmos das questões mais pesadamente ontológicas, é preciso também posicionar-se em relação a uma série de matérias com conteúdo moral, sem o que não há nem como organizar o pensamento, muito menos a ação.
Devemos reduzir todas as desigualdades econômicas ou a ênfase deve recair na eliminação da pobreza? E não dá nem para ensaiar uma resposta a essa pergunta se não tivermos uma ideia, ainda que esquemática, do que seja um mundo justo e de quais são nossas obrigações uns em relação aos outros.
Não ignoro os problemas práticos que a desigualdade coloca, a começar da corrosão da democracia, mas receio que não seja tão fácil fugir da filosofia.
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