Na Folha de 7/5, Vinicius Mota citou e apresentou pesquisa de Diana Mutz, da Universidade da Pensilvânia, publicada nos PNAS dos EUA (Proceedings of the National Acandemy of Sciences, anais da Academia Nacional de Ciências). Segundo Mutz, o que explica o voto nas presidenciais de 2016 (a vitória de Trump) não são as dificuldades econômicas dos eleitores, mas a ameaça de que eles poderiam perder seu status.
Mutz, usando habilmente pesquisas de 2012 a 2016, chega a essa conclusão, diferente da que parece ser hoje a opinião da maioria dos comentadores. Ela mostra que os "preditores" do voto em favor de Trump (ou seja, os fatores que permitem saber em quem alguém votaria) não são nem a ruína financeira (trabalhadores que perderam o emprego, sobretudo se suas fábricas emigraram para China, México e outros "paraísos") nem a educação apenas básica (pensava-se até aqui que os eleitores sem passagem pela universidade fossem os mais prováveis eleitores de Trump).
Não que esses fatores percam totalmente sua relevância, mas eles parecem ter sido menos decisivos para os eleitores do que a percepção de que seu status social era ameaçado —a percepção, em suma, que eles poderiam regredir social e economicamente.
Certamente, desde já, na hora de estabelecer sua estratégia (há eleições para Câmara e Senado em novembro), o Partido Democrata se debruçará sobre a pesquisa de Mutz.
Para nós, o que importa é a constatação ou, no mínimo, a hipótese de que, na hora de um voto crucial, para o bem ou para o mal, o medo de perder parece falar mais alto do que a miséria, a dureza, o nível de cultura e mesmo a esperança de alguma mudança.
Nada disso é uma novidade absoluta —o que é novo é que Mutz chegue a essa conclusão analisando pesquisas. Nas eleições que levaram o fascismo e o nazismo ao governo, por exemplo, considera-se, tradicionalmente, que o eleitorado decisivo fosse uma pequena burguesia receosa de perder o pouco que a diferenciava dos pobres e dos miseráveis. A pesquisa de Mutz confirma essa tese.
Em 1995, no filme "Meu Querido Presidente", de Rob Reiner, com roteiro do grande Aaron Sorkin, o presidente dos EUA, numa fala memorável de cinco minutos, afirmava que o político cínico que queira ganhar uma eleição deve se preocupar apenas em infundir medo nos eleitores e em lhes dizer quem é culpado por isso.
Dois anos depois, Frank Furedi inventava a expressão "cultura do medo", descrevendo um mundo em que todos parecem dedicar mais tempo e energia a se proteger —contra a doença, a pobreza, a morte..."— do que a inventar a vida segundo seus desejos.
Depois do 11 de Setembro e com a ascensão do terrorismo internacional, o medo se torna cada vez mais um dispositivo de controle e domínio.
Mas, cuidado, não na forma mais óbvia, que seria o medo das punições que viriam se a gente não obedecer direito. A esse medo, é fácil resistir.
O medo que nos torna dócil é o mesmo que ganha as eleições: o medo de perder o que temos.
Muitos anos atrás, o psicanalista René Spitz, em algumas experiências que ficaram famosas, verificou que as crianças pequenas sentiam medo diante de adultos desconhecidos porque se sentiam ameaçadas de abandono (pelos pais). Cá entre nós, aliás: não é uma boa ideia deixar crianças pequenas já adormecidas com uma babá que elas não conhecem. Vai que acordam"¦
A fonte profunda e inesgotável de nossos medos são todas as perdas mais antigas e fundamentais: separação da placenta, da mãe, do seio, da mamadeira, do cocô"¦ Crescemos nos separando, ou seja, perdendo as coisas das quais nos separamos para crescer.
Em 1984, os psicólogos Daniel Kahneman (prêmio Nobel de economia em 2002) e Amos Tversky descobriram que somos mais avessos à perda do que seria razoável.
Grosso modo, tendo que escolher entre não perder os R$ 5 que estão no nosso bolso e apostá-los com uma muito boa chance de ganhar R$ 10, preferimos quase sempre ficar com nossos R$ 5. Corolário disso: o demagogo de sucesso não é tanto quem faz promessas quanto quem consegue responder ao medo dos que se sentem ameaçados pela possibilidade de perder.
Note-se: justamente, no Brasil, saímos de um período em que muitos melhoraram de vida e estamos numa crise, em que muitos temem perder o que acabam de ganhar.
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