Compreender fenômeno nas bactérias pode sugerir maneiras de evitar nossa extinção
Fernando Reinach *, O Estado de S.Paulo
05 Maio 2018 | 03h00
Faz três bilhões de anos que existe vida na Terra. Ao longo desse tempo, milhões de espécies surgiram. Destas, menos de 1% ainda existem, 99% estão extintas. Entre seres vivos, a extinção é regra e a sobrevivência, exceção.
Entre as causas da extinção, uma tem merecido atenção redobrada nos últimos anos: as alterações no ambiente provocadas pela própria espécie. O exemplo mais simples é o uso indiscriminado dos recursos naturais necessários para a sobrevivência. Imagine um grande número de cabritos colocados em uma ilha semidesértica. Eles devoram todos os vegetais e acabam morrendo de fome após pelar a ilha (isso ocorreu em algumas pequenas ilhas do Pacífico). Outra possibilidade é a espécie produzir algo tóxico que a leve à morte. É o caso da poluição da água por produtos letais liberados pela própria espécie, como os peixes em um aquário. O interesse é consequência de muitos imaginarem que as alterações que provocamos no ambiente podem nos levar à extinção.
Quando uma espécie causa a própria extinção, o fenômeno é chamado de suicídio ecológico. A novidade é que agora esse fenômeno foi estudado em detalhe usando uma bactéria de solo com grande propensão ao suicídio ecológico, o Paenibacillus.
A bactéria foi cultivada em um meio contendo carboidratos e sais minerais, muito semelhante ao encontrado no solo. Foi observado que a bactéria cresce nas primeiras oito horas. A partir desse momento, os compostos ácidos que ela secreta começam a acumular no meio e o pH diminui de 7 para 3 rapidamente. Nesse momento, as bactérias começam a morrer, apesar de não terem consumido todo o alimento. Essa morte coletiva ocorre rapidamente e todas, absolutamente todas, estão mortas após 24 horas. Quando os cientistas colocaram no meio de cultura um pouco de um composto que absorve o ácido produzido (o que em química chamamos de tampão), as bactérias levam mais tempo para morrer, mas morrem após 48 horas. Aumentando ainda mais a quantidade de tampão é possível impedir a acidificação do meio, e nesse caso as bactérias param de crescer quando acaba o alimento, mas não morrem. Esses resultados demonstram que as bactérias morrem antes de esgotar os alimentos por causa do efeito tóxico dos compostos produzidos por elas mesmas.
Em um passo seguinte, os cientistas estudaram os fatores que podem evitar o suicídio dessas bactérias. Descobriram que, diminuindo a quantidade de alimento, elas param de crescer por falta de alimento antes de produzirem muito ácido. Aí entram em hibernação e não morrem. Essa descoberta é contra intuitiva, pois indica que piorando as condições de vida das bactérias é possível salvá-las do suicídio.
Os cientistas ainda decidiram testar outros compostos que prejudicam o crescimento, como cloreto de sódio e pequenas doses de antibióticos. Nos dois casos, esses “venenos” prejudicam o crescimento das bactérias, evitando o acúmulo de ácido e a morte das bactérias. Novamente o resultado é contra intuitivo, pois compostos que prejudicam o crescimento impedem a morte. Finalmente os cientistas resolveram estudar a frequência do suicídio ecológico em bactérias do solo. Descobriram que esse fenômeno não é raro e ocorre em 25% das 119 espécies testadas.
Bactérias não são seres humanos, mas será que os humanos estão na rota do suicídio ecológico? Nossa população cresceu rapidamente e, apesar de ainda não termos esgotado os recursos naturais do planeta, sem dúvida estamos lançando uma enorme quantidade de resíduos tóxicos e carcinogênicos no meio ambiente. Outro paralelo possível é a descoberta que medidas que dificultam o crescimento das bactérias retardam o suicídio.
Entre os seres humanos, não seria o caso de adotarmos métodos anticoncepcionais, aumento do custo de energia suja e assim por diante? Compreender o suicídio ecológico de bactérias pode sugerir maneiras de evitar nossa extinção.
MAIS INFORMAÇÕES: ECOLOGICAL SUICIDE IN MICROBES. NATURE ECOL. EVOL. VOL. 2, PÁG. 867 (2018)
* É BIÓLOGO
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