domingo, 27 de maio de 2018

Na prisão, solitária e parceria com Edinho, OESP



Nos 35 dias de cárcere, Paulo Vieira de Souza foi centroavante em time do filho de Pelé






Fabio Leite
27 Maio 2018 | 05h06

Foto: ROBSON FERNANDJES/AE
Desde a juventude, o engenheiro Paulo Vieira de Souza, de 68 anos, prefere jogar no ataque, mas as estrelas dos times pelos quais passou atuavam na defesa. Nos anos 1960, o goleiro nas categorias de base do São José, clube da região onde nasceu, no interior paulista, era Emerson Leão. Já na Penitenciária de Tremembé, onde esteve preso acusado de ameaçar uma testemunha do processo no qual é réu, foi Edinho, filho de Pelé, quem ajudou a levar o seu “Barcelona” à final do torneio de detentos.
Foram 35 dias de cárcere, os dez primeiros na solitária. A reclusão do ex-diretor da Dersa, apontado por executivos de empreiteiras da Lava Jato como operador de propinas do PSDB paulista, reacendeu a especulação de que Souza aderisse a um acordo de delação premiada com a força-tarefa. Quando muitos do lado de fora imaginavam que o centroavante do Pavilhão I fosse atacar, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), entrou em campo e decretou sua soltura, na sexta-feira, 11 de maio. O benefício devolveu a liberdade a Souza, mas o tirou da decisão do campeonato, que ocorreria naquele domingo.
Detido pela primeira vez na vida, o engenheiro nascido em Taubaté se disse vítima do “mecanismo”, uma alusão à série homônima da Netflix inspirada na Lava Jato. “Eu contrariei o mecanismo, contrariei o cartel das empreiteiras”, afirmou ele, que já assistiu à produção nacional duas vezes – só perde em preferência para o filme Gladiador, cujo cartaz tem como protetor de tela do celular. Na prisão, relata, viveu dentro de outro mecanismo que, até então, só conhecia por meio de outra série televisiva. “Graças a Deus que assisti a Prison Break antes de entrar lá. Ela retrata muito bem a dificuldade de conviver com a falta de liberdade.”
Souza foi preso pela Polícia Federal na manhã do dia 6 de abril por supostamente ameaçar uma testemunha do processo no qual ele é acusado de fraudar e desviar R$ 7,7 milhões do programa de reassentamento das obras do Rodoanel Sul e da Jacu Pêssego entre 2009 e 2010. Ele nega as acusações. Naquela mesma noite, foi levado no “latão”, apelido do veículo que transporta presos em São Paulo, para a Penitenciária II de Tremembé – presídio que fica a 138 quilômetros da capital e é conhecido por abrigar presos de crimes famosos.
Ficou dez dias no Regime de Observação (RO), popularmente conhecido como solitária, antes de ser integrado à ala dos presos com nível superior, no Pavilhão I, que contava com 160 detentos. Lá conviveu com Gil Rugai, condenado pela morte do pai e da madrasta, Cristian Cravinhos, sentenciado pela morte dos pais de Suzane Von Richthofen, o irmão do ex-ministro José Dirceu, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, condenado na Lava Jato, e o ex-goleiro Edinho, encarcerado por lavagem de dinheiro e associação ao tráfico de drogas.
Segundo ele, um terço dos 160 presos da unidade foi condenado por estupro e o restante se divide entre tráfico de drogas, crime passional e de corrupção, como é o caso do ex-tucano Acir Filló, ex-prefeito de Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo. Autor de uma biografia do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), ele presenteou o engenheiro com uma edição do livro, cuja dedicatória já havia sido feita a outro detento famoso da unidade. “Para Nardoni, levante sempre a cabeça. Abraços de seu amigo, Filló”, escreveu o autor para Alexandre Nardoni, condenado pelo assassinato da filha Isabella, em 2008.
“A vida lá dentro é muito simples, regrada, tem horário pra tudo. Todos se respeitam muito e a solidariedade é enorme. Virei fã do Edinho. Além de um excelente goleiro, é um gentleman. A família do lado de fora sofre mais por causa da pressão social. Minha mãe, de 94 anos, adoeceu por causa da prisão injusta. Mesmo assim é uma tortura psicológica muito grande ficar privado da sua liberdade. Tem que ter uma cabeça muito boa para não ficar dependendo de calmante”, relatou Souza.
Big Iron. Triatleta, o ex-diretor da Dersa disse que sua experiência em competições de longa duração o ajudaram a superar as dificuldades nos 35 dias de detenção, em especial o período na solitária. “São 9 Ironman (3,8 km de natação, 180 km de ciclismo e 42 km de corrida), 45 maratonas (42 km de corrida) e 2 ultramaratonas (acima de 50 km). Na cadeia, contou, não abriu mão dos treinos. Foi em um deles que bateu o recorde de abdominais do Pavilhão I e ganhou o título de Big Iron, apelido que ele fez questão de ressaltar, ao contrário de Paulo Preto, alcunha atribuída a ele em 2010 e que ele abomina.
A fama de superatleta lhe permitiu até dar uma palestra sobre superação a um grupo de detentos. Em sua fala, destacou a biografia de Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, morto em 2013. “Falei para eles que Mandela ficou 27 anos preso, saiu da prisão e virou presidente da República.” Com a formação em Engenharia, também deu pitacos na reforma de uma das alas do pavilhão. E nos momentos de solidão dentro da cela, revela, dedicou-se a escrever um diário sobre a vida na prisão. “Nada de política. Só o que vivi ali nesses 35 dias.”

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