Mariana Barros é jornalista e cofundadora do Esquina
SÉRVIO NEVES/ESTADÃO - 08/07/2009
Dez anos atrás, um edifício que podia ter tido o mesmo final trágico do Wilton Paes de Almeida, que desabou no Largo do Paissandú, viu sua sorte mudar. Era um prédio sem nome na rua Solon, no Bom Retiro, conhecido como “o cortiço da rua Solon”, nascido sem pedigree. Foi erguido na década de 1980, longe da época de ouro da arquitetura paulistana, e sem a sorte de contar com um projeto assinado ou boa história que fizesse valer algum esforço de preservação. O proprietário morreu no meio da obra, e o prédio nunca foi totalmente terminado.
Em 2002, uma turma da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP liderada pela professora Maria Ruth Amaral de Sampaio passou a trabalhar no local buscando maneiras de melhorar a vida das famílias. Nos sete andares de corredores estreitos havia tráfico, prostituição, lixo arremessado pela janela, gente morando nas escadas e até no fosso do elevador, no térreo. Pequenos incêndios eram frequentes, normalmente causados por curtos circuitos de uma rede elétrica precária. As colunas ameaçavam ruir. Mas, ao contrário de tantos outros prédios em situação semelhante, os ventos mudaram por ali.
Os estudantes fizeram o cadastramento dos ocupantes e depois o levantamento de todas as melhorias técnicas necessárias, da rede elétrica ao reforço das colunas. E, num final de Cinderela, a iniciativa foi premiada com US$ 100 mil em um concurso do Deutsche Bank, o Urban Age Award, em 2008. O dinheiro pagou pelas reformas, tornou os espaços minimamente habitáveis e fez até com que as 42 famílias moradoras escolhessem um nome para o prédio, Edifício União.
No drama do Wilton Paes de Almeida, o jogo de empurra de responsabilidades mostram que nenhuma das esferas de governo, seja municipal, estadual ou federal, tinha ou tem a mínima ideia do que fazer com edifícios como este. Imagine então lidar com os outros 70 imóveis em condições semelhantes no centro de São Paulo, segundo dados da própria prefeitura? De outro lado, movimentos de moradia, que defendem uma causa justa e verdadeira, estão sujeitos a serem sequestrados por grupos criminosos e corruptos, que lucram em cima da miséria e desespero alheios sem oferecer nada para melhorar as condições locais ou garantir alguma segurança jurídica.
Ações como as que os estudantes realizaram no Edifício União têm um poder transformador muito importante, além de produzir a experiência necessária para formar profissionais mais completos e sensíveis às questões urbanas. E isso vale não só para alunos de arquitetura e urbanismo, mas também de engenharia, direito, economia e várias outras áreas. No caso de universidades públicas, como a USP, seria ainda uma forma de retribuir à sociedade o ensino gratuito.
Outro ponto fundamental é atrair o interesse do setor privado para a questão. Quando o Deutsche Bank premia um projeto de habitação, chancela uma boa prática e chama a atenção do mercado sobre a importância e a urgência de enfrentar os desafios como este. Os governos podem e devem fazer o mesmo, criando mecanismos para que empresários se interessem em financiar reformas de empreendimentos, desburocratizando licenças e alvarás, especialmente para retrofits e readequação de imóveis antigos. Incentivar modelos de locação social, em que o aluguel é subsidiado pelo poder público, e a aquisição de imóveis realizada por associações constituídas juridicamente são outros caminhos possíveis. Sem universidade e iniciativa privada envolvidas, continuaremos patinando sobre o descaso e o desinteresse, quando não sobre escombros.
Mariana Barros é jornalista e cofundadora do Esquina
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