terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Dom Odilo proíbe padre Júlio de transmitir missas, ordena que saia das redes e pode afastá-lo de paróquia, FSP

 

São Paulo

O cardeal arcebispo de São Paulodom Odilo Scherer, 76, determinou que o padre Júlio Lancellotti não transmita mais missas ao vivo, suspenda todas as suas atividades em redes sociais e pode retirá-lo da paróquia de São Miguel Arcanjo, no bairro da Mooca, em SP, onde ele atua há mais de 40 anos.

Homem idoso de perfil, usando óculos e camisa azul clara, com fundo desfocado que mostra uma escultura dourada.
Retrato do Padre Julio Lancellotti na Paroquia Sao Miguel Arcanjo, na Mooca, com estatua da Irma Dulce (ou Santa Dulce dos Pobres) ao fundo - Eduardo Knapp/Folhapress

Lancellotti comunicou que as missas não seriam mais transmitidas no domingo (14), justamente durante uma das transmissões. A informação incendiou grupos de padres e religiosos que se comunicam por WhatsApp.

As celebrações eram transmitidas ao vivo pela Rede TVT (TV dos Trabalhadores), mantida por sindicatos, pelo portal ICL e pelo YouTube.

Lancellotti confirmou a decisão de dom Odilo à coluna e, na sequência, divulgou uma nota em que diz reafirmar "minha pertença e obediência à Arquidiocese de São Paulo" (ler a íntegra no fim do texto).

"Dom Odilo me pediu para dar um tempo. Ele acha que é uma forma de recolhimento e de proteção", diz o religioso à Folha. Questionado se concordava com a decisão, ele respondeu que tem "apenas que obedecer".

Lancellotti, que se dedica especialmente à população de rua de São Paulo, é alvo comum de parlamentares e políticos de direita, especialmente de integrantes do MBL (Movimento Brasil Livre).

Na última investida, o deputado federal Junio Amaral (PL-MG) publicou um vídeo no Instagram afirmando que levou um abaixo-assinado com mais de mil assinaturas à Embaixada do Vaticano pedindo o afastamento do padre de suas atividades religiosas.

Dom Odilo Scherer pode retirá-lo da paróquia em que atua ainda neste ano.

Sobre essa questão, Lancellotti afirma que isso "ainda não aconteceu", ao contrário do que começou a ser disseminado em grupos de WhatsApp ligados à igreja.

Ele explica que, pela regra, padres que completam 75 anos podem ser removidos das localidades em que atuam para se aposentar. Lancellotti completará 77 anos no dia 27.

Há padres, no entanto, que permanecem em suas funções por muito mais tempo, alguns depois de completar "80, 90 anos", diz Lancellotti. "Depende da necessidade da igreja", explica ele.

A decisão de afastá-lo, no entanto, ainda não foi oficalizada pelo cardeal.

Em nota divulgada nesta terça (16), o padre afirma o seguinte:

"Conforme informado no último domingo (14/dez), as transmissões estão temporariamente suspensas, porém as missas dominicais continuam sendo celebradas normalmente às 10h, na Capela da Universidade São Judas - Mooca.

As redes sociais não estão sendo movimentadas por um período de recolhimento temporário.

Não procede a informação sobre a transferência da Paróquia São Miguel Arcanjo.

Reafirmo minha pertença e obediência à Arquidiocese de São Paulo".

O cancelamento veio para ficar, Joel Pinheiro da Fonseca FSP

 

Alguém diz algo equivocado —ou que é visto como equivocado— na internet, e isso gera uma reação em cascata de respostas indignadas, deboche, agressividade e insultos. Linchamento virtual, cancelamento, os nomes são vários. Acontece sempre. Vez ou outra um cancelamento pode até ser justo, mas o normal é que um surto de indignação coletiva não se paute por uma análise cuidadosa dos discursos e não aplique penas com moderação. Ainda assim, por mais que lamentemos essa dinâmica que comete tantas injustiças —e atira para todos lados, com todas as ideologias— , ela segue acontecendo.

Dificilmente críticas ao cancelamento terão qualquer efeito, pois ele não tem um autor identificável; é o resultado de milhares de decisões autônomas não coordenadas. O impacto para a pessoa que o sofre é brutal, mas para cada um dos que participa do processo o ato é minúsculo: fazer um comentário, dar um like. Um comentário mal-educado sozinho seria insignificante. Uma onda de milhares deles abala psicologicamente qualquer um.

A imagem mostra a silhueta de uma mão apontando para a tela de um smartphone. O fundo é de uma cor verde suave, criando um contraste com a mão e o dispositivo. A iluminação é suave, destacando a forma da mão e do celular
Usuário interage com as redes sociais via celular - Karime Xavier/Folhapress

Além disso, o momento incentiva a entrar na dança. O tema está quente, as pessoas estão indignadas; como não expressar também minha indignação, meu deboche, meu desprezo? Nada vende tão bem quanto o conflito. Identificar e atacar um vilão é sucesso garantido. Participar do debate enquanto ele acontece. Via de regra, quem engaja no tema nem sabe ao certo como aquilo está sendo recebido pelo objeto da crítica: ele está acuado, assustado? Está raivoso? Não está nem aí? Se eu não falar nada, outro falará.

Bem sei como opiniões minhas já foram mal-interpretadas pelos tribunais difusos das redes. Em outros, a interpretação estava correta, só não agradou à maioria. E bem sei também que é inevitável, de nada adianta lutar contra. Uns poucos ouvirão, uns poucos trarão argumentos —e com esses vale interagir— , o resto, a grande maioria, passará e seguirá para a próxima distração.

Do ponto de vista individual, a única saída é a resiliência. Cabe a quem está nessa arena diária da opinião se acostumar, não levar os insultos de desconhecidos para o lado pessoal e ir treinando como se expressar melhor. O momento também traz oportunidades: coloca o formador de opinião (e hoje todo mundo é um pouco formador de opinião) em evidência, dando-lhe ainda mais espaço para se manifestar.

Institucionalmente, contudo, creio que há um aprendizado. Num passado recente, essa onda passageira de indignação tinha repercussões institucionais quase imediatas: demissão de um emprego, fim de um contrato, desconvites para eventos. Hoje, as instituições estão um pouco mais resilientes e entendem que a onda de raiva passa e tudo volta ao normal. Seja qual for a decisão, o calor do momento, com uma multidão indignada à porta, é o pior momento para tomar uma decisão.

A dinâmica do cancelamento é uma consequência da democratização do debate. Todo mundo pode falar e interagir; isso faz com que as paixões aflorem. Colocar-se do lado certo é mais importante do que nuances. Não há nenhum porteiro do discurso para decidir quais reações são legítimas e quais não merecem um megafone para se expressar. A lei põe algum limite em ameaças, calúnias e preconceitos, mas será sempre insuficiente. O mar está revolto e a calmaria não virá. Não adianta sonhar com outros tempos.

A crise estrutural dos Correios, Cecilia Machado - FSP

  

Entre os desafios enfrentados pelos Correios está a queda nas entregas de mercadorias internacionais, para a qual contribui a tributação sobre importações de pequeno valor instituída em 2024. A chamada "taxa das blusinhas" é, sem dúvida, um fator relevante, mas está longe de ser a única explicação para os resultados decepcionantes da empresa. Os motivos são anteriores, estruturais e compartilhados por operadores postais ao redor do mundo, em um setor que vem passando, nos últimos anos, por transformações profundas.

Estudo da Universal Postal Union (UPU), agência das Nações Unidas especializada no setor, ajuda a dimensionar as mudanças. Desde a pandemia, o mercado postal global se reconfigurou de forma substancial: a digitalização reduziu o volume de correspondências, enquanto o crescimento do comércio eletrônico elevou a demanda por serviços de encomendas mais rápidos, rastreáveis e integrados a plataformas digitais.

Edifício alto com fachada curva de vidro azul refletindo o céu, ladeado por estruturas claras. Placa amarela com logo e nome 'Correios' na entrada.
Fachada de agência dos Correios em São Paulo - Rafaela Araújo - 10.set.25/Folhapress

Entre 2019 e 2025, o tráfego internacional de cartas caiu cerca de dois terços. Ao mesmo tempo, o número de rotas internacionais se expandiu, impulsionado pela atuação de operadores privados com logística própria, reduzindo as economias de escala inerentes a este tipo de serviço. O resultado foi queda de receitas, aumento de custos e maior complexidade operacional.

O relatório mostra ainda que essa dinâmica penaliza de forma desproporcional os países em desenvolvimento, que operam com volumes menores e têm menos capacidade de negociar rotas mais atrativas. Não por acaso, empresas postais em diversos países vêm revendo seus modelos operacionais, investimentos e formas de governança para se adaptar a essa nova realidade. É nesse contexto mais amplo que se inserem os desafios dos Correios no Brasil.

A empresa precisará se adequar a esta nova estrutura de mercado, operando com tecnologias compatíveis em segmentos onde é possível ofertar serviços de forma confiável e eficiente. Ainda que o serviço postal universal possa continuar sendo um objetivo legítimo, é um equívoco tratá-la como um fim em si mesmo, dissociado da qualidade da prestação do serviço. Um serviço que atrasa, perde encomendas ou opera com baixa confiabilidade não cumpre seu papel, ainda que seja formalmente universal.

A esses desafios somam-se problemas recorrentes de gestão em empresas estatais, que frequentemente operam de forma ineficiente por motivos que vão da interferência política em nomeações e decisões de investimento à falta de planejamento estratégico. Relatório recente do Tesouro Nacional aponta que um conjunto relevante de estatais federais apresenta deterioração de resultados e risco de necessidade de aportes da União. Trata-se de um diagnóstico técnico: falhas de governança, inovação, gestão de pessoas e tecnologia têm consequências fiscais concretas. No caso dos Correios, o déficit deve alcançar R$ 6 bilhões em 2025.

Como estatal, o desempenho dos Correios afeta diretamente o orçamento público, pressiona a dívida e impõe custos de oportunidade relevantes. Recursos usados para cobrir prejuízos deixam de financiar políticas públicas com retornos sociais mais claros, como saúde, educação e segurança pública.

O serviço prestado pelos Correios é fundamental, mas não pode ser oferecido a qualquer custo —especialmente em um país com restrições fiscais severas e múltiplas demandas sociais concorrendo por recursos escassos. Garantir que a empresa cumpra sua função pública exige mais —e não menos— eficiência, clareza de objetivos e responsabilidade no uso do dinheiro público. É esse debate, mais complexo e menos ideológico, que precisa ser enfrentado.