domingo, 13 de abril de 2025

A questão sobre a Europa: agora é a verdadeira terra dos livres, FSP

THE ECONOMIST

A questão sobre a Europa, dizem os críticos, é que ela é excessivamente regulamentada. Montanhas de burocracia e impostos punitivos significam que não há empreendimentos trilionários na França ou na Alemanha para igualar a Amazon, Google ou Tesla. Mas isso não é tudo que falta à Europa.

Também ausentes do continente estão os "broligarchs" que estão no topo de tais gigantes, alguns dos quais têm um controle mais firme sobre o poder do que sobre a realidade. Assim, não há Rasputins europeus injetando milhões incontáveis em campanhas políticas, ganhando lugar de destaque nas posses de líderes ou seus próprios departamentos governamentais recém-criados para administrar.

Há poucos unicórnios na Europa, infelizmente, e pouca inovação. Dito isso, lá não há absolutamente nenhum executivo de tecnologia se gabando nas redes sociais de passar seus finais de semana colocando pedaços do Estado "no triturador de madeira".

Bandeiras da União Europeia na sede da Comissão Europeia, em Bruxelas - Yves Herman - 9.abr.2025/Reuters

A questão sobre a Europa é que ela é indecisa, muito lenta para agir. Cada crise requer múltiplas cúpulas dos líderes nacionais da União Europeia, muitas vezes discutindo até tarde da noite. Os processos entediantes de governar por consenso podem desacelerar a UE a um ritmo de tartaruga: levou quatro dias e quatro noites de negociações para concordar com o último orçamento de sete anos do bloco, em 2020.

Por outro lado, o aparato estatal europeu não fecha arbitrariamente a cada poucos anos quando o acordo político sobre o financiamento se mostra distante, deixando milhões de funcionários públicos em licença e serviços básicos indisponíveis por dias ou semanas.

Governar por consenso também significa que os tuítes petulantes de um político equivocado —tarifas de 125% sobre a China, alguém?— não resultam em mercados de ações globais sendo lançados em uma espiral descendente.

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Os altos escalões da UE são não eleitos e às vezes não são responsáveis. Ainda assim, eles não ousariam ser fotografados jogando uma partida de golfe depois de terem eliminado as economias de milhões de seus compatriotas.

A questão sobre a Europa é que ela se aproveita da defesa, não gastando o suficiente em suas forças armadas para afastar ameaças sozinha. Isso continuará a ser verdade por um longo tempo, mesmo com os orçamentos de defesa sendo aumentados em grande parte do continente. Mas também reflete uma compreensão diferente do que "defesa" significa.

Por um lado, ninguém na Europa —fora da Rússia, pelo menos— está sequer insinuando casualmente que invadirá outros países. Não há piada em Bruxelas sobre transformar um vizinho relutante em "nosso 28º estado" (pelo contrário, muitos dos vizinhos da UE estão desesperados para se juntar ao clube). Nem os vice-presidentes europeus voam sem convite para lugares que estão tentando anexar, sob o pretexto de que seu cônjuge quer assistir a uma corrida de trenó.

A Europa pode ter economizado na coleta de inteligência, mas seus vários líderes sabem a identidade do agressor que iniciou a luta na Ucrânia (dica: não é a Ucrânia). Muitos previram as armadilhas de invadir o Iraque há algum tempo.

A questão sobre a Europa é que ela não tem um apego absolutista à liberdade de expressão. Veja como juízes na Romênia e na França destruíram as carreiras de políticos de extrema direita, que se convenceram (com poucas evidências) de que foi sua ideologia, e não sua violação da lei, que os colocou em apuros.

No entanto, para muitos europeus, a ideia de que a liberdade de expressão está ameaçada parece estranha. Os europeus podem dizer quase tudo o que querem, tanto na teoria quanto na prática. As universidades da Europa nunca se tornaram focos de policiamento de discurso por um tipo de defensor cultural ou outro.

Você pode expressar uma visão controversa em qualquer campus europeu (fora da Hungria, pelo menos) sem medo de perder seu cargo ou sua bolsa. Não há centros de detenção esperando estudantes estrangeiros que têm as opiniões erradas sobre Gaza; veículos de notícias não são processados por entrevistar políticos da oposição. Escritórios de advocacia não são obrigados a se curvar aos presidentes como penitência por terem trabalhado para seus adversários políticos.

A questão sobre a Europa é que ela está enfrentando uma crise demográfica. Está evitando um declínio acentuado na população apenas reforçando sua força de trabalho com imigrantes, alguns dos quais se integraram mal. Tal imigração mostra o apelo do modo de vida europeu; para aqueles que vêm buscando refúgio da guerra, mostra a generosidade dos europeus (às vezes equivocada). E enquanto os europeus ocasionalmente fazem um show de reprimir os migrantes ilegais, eles geralmente dependem dos legais para colher suas safras.

A questão sobre a Europa é que sua economia está permanentemente estagnada, um conto de advertência global. E não é de admirar. Os europeus desfrutam de agosto de folga, se aposentam em seu auge e passam mais tempo comendo e socializando com suas famílias do que os habitantes de qualquer outra região.

Curiosamente, pesquisas mostram que pessoas em países ricos e pobres valorizam esse tempo de lazer; de alguma forma, os europeus conseguiram pressionar seus empregadores a lhes dar mais disso. Mesmo enquanto deprimiam o PIB desperdiçando tempo brincando com seus filhos, os habitantes da Europa também conseguiram manter a desigualdade relativamente baixa enquanto ela aumentava em outros lugares nos últimos 20 anos.

Ninguém na Europa passou a última semana olhando para seu portfólio de ações, se perguntando se ainda poderia pagar para enviar seus filhos para a universidade. Os europeus não têm ideia do que é "falência médica". Ah, e nenhum líder da UE jamais lançou sua própria criptomoeda.

A questão sobre a Europa é que ela é ingênua, o único bloco comercial global apegado a normas morais. Insiste em cumprir os decretos da OMC (Organização Mundial do Comércio), por exemplo, ou em fazer sua parte para reduzir as emissões de carbono. Não é um lugar que exige que aliados venham rastejando até ele implorando por "favores" sobre tarifas.

A questão sobre a Europa é que ela é como um museu a céu aberto, o continente de ontem. Seu modelo é sequer sustentável? Uma boa pergunta —uma que pressupõe que o modelo europeu vale a pena ser defendido.

É um lugar abençoado com cidades caminháveis, longas expectativas de vida e crianças vacinadas que não precisam ser treinadas para desviar de atiradores escolares. O reino de Carlos Magno é um lugar de muitos defeitos, muitos deles duradouros.

Mas, à sua maneira lenta, os europeus criaram um lugar onde têm garantidos direitos ao que outros anseiam: vida, liberdade e a busca da felicidade.

Texto do The Economist, traduzido por Gustavo Soares, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com

 

A morte do Oil Man, Giovana Madalosso. FSP

 

Parece até que foi combinado com o destino. No último 29 de março, aniversário de Curitiba, morreu um de seus cidadãos mais lustres e ilustres: Nelson Rebello, conhecido como Oil Man. Não há um curitibano que não tenha visto ou ouvido falar do sujeito que, por anos, pedalava pela cidade com o corpo todo besuntado de óleo, vestindo apenas uma sunga, mesmo quando os termômetros da capital marcavam um grau.

Em outras cidades do Brasil, Oil Man poderia passar batido, mas não em Curitiba. Uma parte da população simpatizava e a outra se indignava com o sujeito. Ele mesmo conta, em entrevistas, que era muito xingado pelas pessoas. Nas ruas e nas redes. Meus ouvidos de curitibana são testemunha. "Indecente." "Viado." "Pervertido." "Se pelo menos fosse uma mulher." "Atentado ao pudor, deveria ser preso."

Já pensou se fossem condenar quem pedala de sunga no Rio de Janeiro? Da noite para o dia, dez por centro da população no xadrez. Metade dos frequentadores de Copacabana no xadrez. Em São Paulo, se vissem Oil Man, iriam achar que era ação de alguma marca de bronzeador. "Que propaganda genial, vai ganhar Cannes". "Abram alas para o marketing de produto". Em Minas Gerais não iam dar bola: mais um que sua subindo as vias íngremes.

Um homem musculoso está em pé, segurando uma bicicleta. Ele está vestido apenas com uma sunga vermelha e tem o corpo exposto. O fundo é um palco com uma mesa e um copo de vidro em uma mesa próxima. A iluminação é suave e o ambiente parece ser um estúdio ou auditório.
Nelson Rebello, o Oil Man de Curitiba - @sbtthenoite no Instagram

Só uma cidade mais fria para se incomodar com a sunga alheia. O que não era necessariamente ruim para o Oil Man, já que foi o estranhamento da população que o fez famoso, a ponto de ser entrevistado por Jô Soares, usando apenas a sunguinha e, graças à importância da ocasião, uma gravata borboleta.

Mas afinal, por que ele andava dessa maneira? Em outra entrevista, o besuntado conta que, quando jovem, foi à praia e amou a sensação da brisa no corpo, do contato com a natureza. Andar de sunga na cidade foi uma tentativa de reproduzir isso e ainda pregar a sua "teoria de bem-estar", disseminando a importância de exercícios e vida ao ar livre.

Tenho a sensação de que o discurso veio depois do personagem. E digo personagem porque era assim que Nelson falava: ele, o Oil Man, em terceira pessoa. Uma espécie de herói de si, que acabou por se tornar o líder –não estou brincando— da Sociedade dos Homens Óleo, composta pelo colega Oil Rambo, sunga e faixa vermelha na cabeça, e Lupicínio Meião, sunga amarela e meias até o joelho.

Em um documentário, Oil Man conta para seus parceiros que vai fazer uma cirurgia. Com medo de morrer, revela seu grande segredo: a receita do óleo bronzeador, feito em um caldeirão à base de alcachofra, cenoura e rosas. Em sua casa simples, onde ele aparece com roupas puídas, também vemos, como se fosse em um museu, uma sunga em uma caixa de acrílico.

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Uma semana depois de sua morte, meu irmão vestiu uma sunga de oncinha e se juntou a uma dúzia de outros ciclistas para fazer uma pedalada em sua homenagem.

Ao contrário do que Nelson pensava, seu maior legado não é o culto à vida ao ar livre, mas à irreverência. Num mundo em que tudo precisa fazer sentido, em uma cidade em que muitas pessoas se ruborizam até com a estátua do Homem Nu, Oil Man foi um viva ao nonsense. Um oleoso desbunde! E uma lembrança do que um homem é capaz de fazer para escapar do anonimato e da indiferença e se tornar imortal à sua possível maneira.