Parece até que foi combinado com o destino. No último 29 de março, aniversário de Curitiba, morreu um de seus cidadãos mais lustres e ilustres: Nelson Rebello, conhecido como Oil Man. Não há um curitibano que não tenha visto ou ouvido falar do sujeito que, por anos, pedalava pela cidade com o corpo todo besuntado de óleo, vestindo apenas uma sunga, mesmo quando os termômetros da capital marcavam um grau.
Em outras cidades do Brasil, Oil Man poderia passar batido, mas não em Curitiba. Uma parte da população simpatizava e a outra se indignava com o sujeito. Ele mesmo conta, em entrevistas, que era muito xingado pelas pessoas. Nas ruas e nas redes. Meus ouvidos de curitibana são testemunha. "Indecente." "Viado." "Pervertido." "Se pelo menos fosse uma mulher." "Atentado ao pudor, deveria ser preso."
Já pensou se fossem condenar quem pedala de sunga no Rio de Janeiro? Da noite para o dia, dez por centro da população no xadrez. Metade dos frequentadores de Copacabana no xadrez. Em São Paulo, se vissem Oil Man, iriam achar que era ação de alguma marca de bronzeador. "Que propaganda genial, vai ganhar Cannes". "Abram alas para o marketing de produto". Em Minas Gerais não iam dar bola: mais um que sua subindo as vias íngremes.
Só uma cidade mais fria para se incomodar com a sunga alheia. O que não era necessariamente ruim para o Oil Man, já que foi o estranhamento da população que o fez famoso, a ponto de ser entrevistado por Jô Soares, usando apenas a sunguinha e, graças à importância da ocasião, uma gravata borboleta.
Mas afinal, por que ele andava dessa maneira? Em outra entrevista, o besuntado conta que, quando jovem, foi à praia e amou a sensação da brisa no corpo, do contato com a natureza. Andar de sunga na cidade foi uma tentativa de reproduzir isso e ainda pregar a sua "teoria de bem-estar", disseminando a importância de exercícios e vida ao ar livre.
Tenho a sensação de que o discurso veio depois do personagem. E digo personagem porque era assim que Nelson falava: ele, o Oil Man, em terceira pessoa. Uma espécie de herói de si, que acabou por se tornar o líder –não estou brincando— da Sociedade dos Homens Óleo, composta pelo colega Oil Rambo, sunga e faixa vermelha na cabeça, e Lupicínio Meião, sunga amarela e meias até o joelho.
Em um documentário, Oil Man conta para seus parceiros que vai fazer uma cirurgia. Com medo de morrer, revela seu grande segredo: a receita do óleo bronzeador, feito em um caldeirão à base de alcachofra, cenoura e rosas. Em sua casa simples, onde ele aparece com roupas puídas, também vemos, como se fosse em um museu, uma sunga em uma caixa de acrílico.
Uma semana depois de sua morte, meu irmão vestiu uma sunga de oncinha e se juntou a uma dúzia de outros ciclistas para fazer uma pedalada em sua homenagem.
Ao contrário do que Nelson pensava, seu maior legado não é o culto à vida ao ar livre, mas à irreverência. Num mundo em que tudo precisa fazer sentido, em uma cidade em que muitas pessoas se ruborizam até com a estátua do Homem Nu, Oil Man foi um viva ao nonsense. Um oleoso desbunde! E uma lembrança do que um homem é capaz de fazer para escapar do anonimato e da indiferença e se tornar imortal à sua possível maneira.
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