domingo, 23 de junho de 2024

Represa de Guarapiranga, em São Paulo, tem praias privadas e disputa por espaço, FSP

 22.jun.2024 às 9h15

SÃO PAULO

A folga do vendedor Gustavo Soares, 24, estava planejada há semanas. A ideia era ir para Itanhaém, no litoral sul de São Paulo. Em cima da hora, seu destino inicial foi cancelado por falta de dinheiro, mas ele deu um jeito. Morador do Grajaú, no extremo sul da capital paulista, encontrou uma praia —de água doce— a 10 minutos de casa.

Por volta das 13h, pisou na praia do Sol, às margens da represa de Guarapiranga. Estava acompanhado da esposa, filha, cunhada, dois sobrinhos e uma caixa de som, carregada como criança de colo. "Quem não tem cão, caça com gato, né? Bora curtir o que está à disposição", disse.

Devido ao calor, dezenas de famílias tiveram a mesma ideia. No início da tarde, as cadeiras de plástico colocadas próximas da água estavam lotadas. De biquínis e shorts, os presentes alternavam muitos goles de cerveja, petiscos e alguns mergulhos.

Para isso, porém, deviam percorrer um caminho repleto de vendedores de amendoim, lama e lixo. Já a água é limpa —segundo a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), aquele trecho é próprio para banho. Há outras partes da represa, porém, em que isso não acontece.

Uma placa do Corpo de Bombeiros avisa aos usuários sobre os perigos de nadar em uma represa. Há muita vegetação no chão, que pode enroscar nos pés. Além disso, deve-se evitar nadar próximo de pontos de captação, evitar os jet skis e ter atenção à profundidade. O solo é desnivelado.

PUBLICIDADE

A praia do Sol está num parque municipal, que leva seu nome. O equipamento, aberto diariamente das 7h às 19h, ainda possui quadras de areia para prática de vôlei e beach tennis. Sua região de instalação, a avenida Atlântica, na Capela do Socorro, está repleta de outras opções de lazer.

O crescente interesse turístico no entorno da represa estimulou a inauguração de bares e restaurantes imitando o clima litorâneo. Eles contam com suas praias particulares —nem todas liberadas para banho, mas muito atrativas pela paisagem, repleta de aves marinhas e barcos a vela. Há duas grandes marinas por ali.

Alguns desses restaurantes e bares têm fila de carros aos fins de semana para desfrutar de seus guarda-sóis e porções de frutos-do-mar.

Tantos estabelecimentos, porém, incomodam alguns frequentadores da represa e pequenos comerciantes. Essa parcela reclama que a área de acesso livre está cada vez menor, que o restante dos lugares cobram preços altos e que há um processo de gourmetização da região.

"Isso aqui tá bem apertado, né? Tem pouco espaço para se divertir e para trabalhar", diz a ambulante Fernanda Ambrósio, 37. Ela vende sacolés na entrada da praia do Sol.

Fernanda questiona a necessidade de tantos comércios fechando o acesso à represa. Para ela, aquela margem de 6 km poderia ser o "piscinão" de São Paulo, atraindo muita gente e gerando ainda mais empregos. "Imagina só, quiosques, ambulantes, vendedores de pipas. Seria tipo o Rio."

A ideia é apoiada por outras pessoas, como a advogada Flávia Guedes, 40. "Essa exploração de grandes comércios é chata", diz ela, que criou um grupo de moradores que cobra mais investimentos do poder público na região. "A Guarapiranga será privada agora?", diz ela. "[Querem] Expulsar o povão, já sem opção para se divertir por aqui".

Há também quem curta as opções de comes e bebes por ali. É o caso do aposentado Ismael Santos, 45. Ele pondera que a maior oferta de bares e restaurantes atrai a vida noturna e aquece a economia da região. "Vem muitos jovens, gastam muito, é bom", afirma.

A presença de bares, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais no entorno da represa é permitida por lei. Cabe à Prefeitura de São Paulo fazer a fiscalização.

Procurada, a gestão municipal informou que os estabelecimentos possuem o direito de usufruir do seu lote, obedecendo às normas de edificação e uso e ocupação do solo, sendo permitida a cobrança para entrada em seu espaço privado —ou seja, em suas praias.

Os acessos particulares à represa sempre existiram. Durante muito tempo, porém, eles foram restritos aos clubes. Há alguns com sede naquelas margens. Um deles é o Clube de Campo do Castelo.

A reportagem visitou o local, com piscinas, quadras de tênis e parque náutico disponíveis. Isso desembolsando R$ 11 mil num título, mais R$ 750 de manutenção ao mês. Com tais opções, os sócios não cogitam chegar perto da represa, e nem podem.

Segundo o clube, sua margem do reservatório, a poucos metros da praia do sol, está imprópria para banho devido à poluição pelo despejo de esgoto. Eles usam dados da Cetesb. A opção, continua o Castelo, é aproveitar um passeio de barco ou só curtir a paisagem.

Há décadas, a ONG Nossa Guarapiranga alerta para o problema de saneamento nos arredores da represa, surgido por ocupações irregulares. Isso está "comprometendo a qualidade de água, que se tornou um meio propício ao desenvolvimento de uma vegetação flutuante que está tomando conta da represa", afirma a entidade.

O gramado aquático é composto de plantas cientificamente chamadas de macrófitas, como aguapé, salvínia e alface-d’água. Ela prejudica a vida submersa por impedir a passagem da luz.

Preguiça, desconhecimento e falta de tempo: por que brasileiros não separam resíduos em casa ,FSP

 Fernanda Mena

SÃO PAULO

Entre os brasileiros que afirmam ao Datafolha não separar resíduos recicláveis do lixo doméstico, 42% alegam que não o fazem por não ter acesso ao serviço de coleta seletiva na sua cidade. Outros 21% relatam sentir preguiça de fazer essa separação, enquanto 18% dizem não ter informação suficiente sobre reciclagem para fazê-lo.

Há ainda uma parcela que justifica esse comportamento declarando não ter esse hábito (4%) ou não ter tempo para a tarefa (4%). Apenas 3% dos entrevistados afirmam não separar resíduos recicláveis por não achar importante fazê-lo.

A pesquisa investigou as percepções e práticas dos brasileiros em relação à reciclagem e apontou que 71% diz separar resíduos recicláveis em casa contra 29% que declara não fazê-lo. Ao mesmo tempo 99% dos entrevistados consideram a reciclagem importante para o futuro do país e do mundo e 85% avaliam que atitudes individuais contribuem para a sustentabilidade e o meio ambiente.

De abrangência nacional, a pesquisa entrevistou 2.010 pessoas em 112 municípios de todas as regiões do país, entre os dias 13 e 21 de maio. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos.

Containers de lixo reciclável
Containers de lixo reciclável usados para coleta seletiva - HN Works/Adobe Stock

"É razoável alguém não participar da reciclagem porque não tem o serviço de coleta seletiva", afirma Elisabeth Grimberg, coordenadora de projetos de resíduos sólidos e agroecologia do Instituto Pólis. "Seria surpreendente se as pessoas participassem da reciclagem onde falta essa política pública."

No caso de quem tem acesso a esse serviço e não separa resíduos recicláveis, Grimberg avalia que são necessárias ações de educação, orientação, sensibilização e motivação para que as pessoas se engajem.

"Outro elemento importante é a multa. Primeiro, educa-se para tentar fazer a pessoa mudar. Depois, se não fez, vai lá e multa. Aí eu quero ver se a pessoa não vai fazer. Vai fazer, gostando ou não porque não se trata de uma questão de vontade, mas de interesse público."

Entre os 54% de brasileiros que afirmam ter coleta seletiva na sua rua, 33% afirmam mesmo assim não separar resíduos recicláveis. O percentual de brasileiros que dizem não separar recicláveis por preguiça (21%) é maior entre aqueles das classes A e B (24%), os pretos e pardos (24%) e os da região Sul (37%). E é muito menor entre os que se autodeclaram indígenas (8%).

Já o argumento da falta de informações sobre reciclagem como empecilho para a separação doméstica de resíduos (18%) foi menor entre os brasileiros que se autodeclaram pretos (12%) e indígenas (13%) e maior entre os amarelos (23%).

"Preguiça, falta de tempo ou desprezo pela importância da reciclagem mostram a necessidade de avançarmos em ações de comunicação e de educação ambiental para que as pessoas percebam a importância da reciclagem e entendam que separar resíduos não tem nenhuma dificuldade técnica", avalia Flávio Ribeiro, consultor em economia circular e conselheiro do Pacto Global da ONU para a área de economia circular.