quinta-feira, 20 de junho de 2024

Para ir longe sem fazer barulho, carro elétrico impõe novos desafios à indústria de pneus, FSP

 

SÃO PAULO

Carros elétricos não fazem barulho e são capazes de arrancadas vigorosas, embora carreguem o peso extra das baterias. Tais características podem parecer um sonho para os fãs de alto desempenho, mas são o pesadelo das fabricantes de pneus.

"Um pneu de carro elétrico deve possuir uma baixíssima resistência ao rolamento, para que a autonomia das baterias seja maior. Outro ponto importante é o aumento do peso, que exige uma maior capacidade de carga", diz Fabio Magliano, gerente de produtos da Pirelli América Latina nas divisões Car e Motorsport. A empresa produz a linha Elect, exclusiva para veículos a bateria.

"Um terceiro aspecto é relacionado ao alto torque e à transmissão instantânea [de força] para as rodas, muitas vezes maior do que em um automóvel com motor a combustão", acrescenta Magliano.

Pneu Pirelli P Zero da linha Elect, para carros elétricos, traz logomarca que remete a uma tomada
Pneu Pirelli P Zero da linha Elect, para carros elétricos, traz logomarca que remete a uma tomada - Divulgação

Essas características dinâmicas foram medidas pelo IMT (Instituto Mauá de Tecnologia) no teste feito em parceria com a Folha. As versões elétricas e a gasolina do SUV BMW X1 passaram pela avaliação —os carros compartilham a mesma plataforma e são visualmente idênticos.

O modelo com motor 2.0 turbo (204 cv) pesa 1.450 quilos e precisou de 8,2 segundos para ir do zero aos 100 km/h. Já a opção iX1 xDrive30 (230 cv), que tem 535 quilos a mais devido principalmente às baterias, cumpriu a prova em 5,9 segundos.

Por outro lado, o BMW a gasolina é capaz de rodar 1.015 km na estrada a 90 km/h, segundo a medição feita pelo IMT. A média rodoviária de consumo ficou em 18,8 km/l, e seu tanque comporta 54 litros de combustível. No uso urbano, com 12,7 km/l de média, seria possível percorrer 686 km.

Nas mesmas condições de uso, o elétrico iX1 registrou uma autonomia de 352 km na cidade e de 314 km na estrada. Seus pneus são diferentes dos usados na versão 2.0 turbo: foram desenvolvidos para suportar o peso extra ao mesmo tempo que permitem chegar mais longe.

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"O nome do jogo é eficiência, e os pneus dos elétricos não são iguais aos dos carros convencionais", diz Emílio Paganoni, gerente sênior de suporte técnico, garantia e relacionamento com clientes do BMW Group Brasil.

Paganoni explica que a escolha dos pneus é feita por meio de testes durante o desenvolvimento do carro. As fabricantes apresentam suas opções às montadoras e, a partir daí, vem os milhares de quilômetros de rodagem e avaliações de laboratório para se fazer a escolha mais adequada a cada carro.

"Se um elétrico utilizar um pneu desenvolvido apenas para um carro a combustão, pode perder até 5% de autonomia", calcula o executivo da BMW.

SUV elétrico BMW iX1 é apresentado na edição 2023 do Salão do Automóvel de Xangai - HECTOR RETAMAL/Hector Retamal/AFP

E se o consumidor quiser colocar um pneu desenvolvido para um veículo elétrico em um modelo a gasolina? Paganoni diz que as vantagens seriam muito pequenas, imperceptíveis no cotidiano, já que as características dos veículos são diferentes.

Em relação ao ruído, por exemplo: por serem naturalmente mais barulhentos, o motor a explosão e seu sistema de transmissão suplantam o som dos pneus rolando sobre o asfalto. Dessa forma, não é preciso um trabalho tão apurado de filtragem.

Outro problema que torna a troca desaconselhável é o preço. Enquanto um pneu indicado para o elétrico BMW iX1 (245/40 R20) custa por volta de R$ 2.500, as opções para seu "irmão" a gasolina são encontradas por entre R$ 1.500 e R$ 2.000 na mesma medida.

Além disso, o menor peso dos automóveis convencionais não exige uma capacidade de carga tão alta quanto a dos equivalentes elétricos. Mas as fabricantes tiveram de ampliar as especificações para atender à nova demanda.

"Surgiram os pneus classificados como HL [high load, carga elevada], que, na mesma dimensão, podem suportar um peso maior do que os pneus até então chamados de XL [extra load, carga extra]", diz Flavio Santana, gerente de produto da Michelin América do Sul.

Quaisquer que sejam as mudanças de tecnologia e capacidades, a eficiência energética está sempre no centro da questão.

"Os pneus são responsáveis por até 20% do consumo porque, para rodar, eles transformam parte importante da energia em calor. Esse calor é dissipado na atmosfera, não é aproveitado para o movimento do veículo", afirma Santana. "Daí vem a chamada ‘resistência ao rolamento’."

O executivo diz que a Michelin lançou as primeiras opções voltadas para redução de consumo em 1992. Na época, parte do negro de carbono passou a ser substituído por sílica, ao mesmo tempo em que a evolução tecnológica permitia a redução de peso.

"Quanto menor a massa, menor será a resistência ao rolamento, e buscamos outras formulações químicas e estruturas internas que colaborem para essa redução. Se compararmos os pneus da década de 1990 com os atuais, temos uma redução de massa de aproximadamente 30% para pneus de mesma dimensão", diz o gerente da Michelin.

"O fator de resistência ao rolamento vem caindo de 11 kg/ton [quilogramas por tonelada] para menos de 6,5 kg/ton, e já temos muitos pneus classificados como 'A' na etiqueta de qualidade do Inmetro em consumo de combustível", completa Santana. A escala desse selo de eficiência vai de "A" a "G".

O ganho de eficiência também está presente na produção. Para se adequar à agenda ESG, os fornecedores de pneus buscam reduzir o consumo de matéria-prima, de água e de energia na fabricação. Há também a preocupação com a durabilidade, que evita a geração de lixo e a sobrecarga dos sistemas de reciclagem. Contudo, essa parte depende também do uso do automóvel.

"O peso maior do veículo elétrico não tem tanta influência no desgaste dos pneus, mas o torque, sim", afirma Santana. "Os principais fatores de desgaste são os momentos de aceleração e frenagem —e, diferentemente do que muitos pensam, o desgaste nas curvas não é tão acentuado, desde que realizadas na velocidade permitida para cada trecho pelo órgão de trânsito."

Segundo o gerente da Michelin, um motorista que pratica a direção econômica —acelerando progressivamente e seguindo o fluxo natural dos veículos, só acionando os freios para concluir a parada, entre outros fatores— fará um pneu ter uma durabilidade muito elevada, independentemente se ele conduz um automóvel elétrico ou a combustão interna.

"Já o contrário, um condutor que gosta de arrancar na frente dos demais, que faz alterações de faixa constantemente dando golpes na direção de forma seguida e que freia forte em cima da hora exigindo o máximo dos freios fará com que os pneus durem muito pouco."

'Brasil podia decolar, mas o Lula não deixa', diz Edmar Bacha - Real 30 anos FSP

 Alexa Salomão

SÃO PAULO

Passados 30 anos, o economista Edmar Bacha avalia que os formuladores do Plano Real foram um tanto otimistas quando acreditaram que a estabilidade propiciada pelo Plano Real seria, por si só, o impulso para um novo ciclo de crescimento econômico. O pacote de reformas desenhado para dar continuidade ao plano era essencial, e essa parte do plano não foi concluída.

"O crescimento não veio como a gente esperava. Por que não veio? Bom, nós fizemos oito anos de reformas, mas aí veio o PT e fez 15 anos de 'desreformas' ", afirma Bacha.

Economista Edmar Bacha, na Casa da Garças, no Rio de Janeiro; um dos formuladores do Plano Real afirma que Brasil precisa concluir reformas para retomar crescimento - Eduardo Anizelli/Eduardo Anizelli/ Folhapress

"A gente ainda tem um Estado inchado que absorve um terço do PIB [Produto Interno Bruto] e não entrega para a população serviços adequados de saúde, educação, transporte, segurança e infraestrutura, e a economia continua fechada."

O Brasil não conseguia manter um plano por uns poucos meses. O sr. participou do Cruzado, por exemplo. Agora, comemoramos 30 anos do Plano Real. Por que deu certo desta vez?
Houve um aprendizado com os planos anteriores. Essa foi a grande diferença. Alejandro Foxley, primeiro ministro da Fazenda do Chile após a ditadura de Augusto Pinochet, é meu amigo, tão amigo que ele pode me dizer assim: 'Bacha, agradeço muito a vocês brasileiros e a nossos companheiros argentinos por terem se redemocratizado antes da gente, porque fizeram tudo errado e, agora, eu sei o que não é para fazer'.

Vou reformular, então. Quais erros não foram repetidos?
Quase nenhum. Os planos anteriores eram choques. O Real foi um programa pré-anunciado com três fases. Antes de passar de uma fase para outra, o Congresso precisava aprovar algum tipo de documento legal para ficar tudo nos conformes. Essa diferença formal foi a mais importante. Agora, por que a gente pode fazer desse jeito, anunciado? Porque não teve congelamento, apesar de o presidente Itamar Franco querer muito, até o último dia. E teve a URV [Unidade Real de Valor, moeda escritural do plano]. Avisamos que a gente ia revisar [a moeda]. Aí alguém pergunta o que é revisar, e a gente disse que começava com a URV valendo um dólar. Todo mundo entendeu.

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Para as novas gerações, que não conheceram a hiperinflação, o sr. podia resgatar o ambiente da época e como se deu a reunião da equipe que desenvolveu o plano?
Primeiro teve a etapa PUC [Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro], onde as ideias foram germinadas de forma acadêmica. Estamos falando dos anos de 1982 a 1984. No grupo estávamos eu, André Lara Resende, Pérsio Arida, Pedro Malan, Gustavo FrancoWinston Fritsch, mais Chico Lopes, Vinicius Carneiro, Eduardo Modiano.

Em 1988, o PSDB foi criado. Assinei a carteirinha junto com todos os criadores do partido, e me tornei economista do PSDB. Também assinaram a carteirinha Winston, Gustavo, Elena Landau. Pedro nunca assinou, mas sempre esteve próximo. Nós éramos os economistas do PSDB, e como tais, a gente se reunia com alguma periodicidade com José Serra. Se presumia que, quando o PSDB fosse para o governo, quem ia ser ministro da Fazenda era Serra. Ninguém tinha nenhuma dúvida sobre isso.

Agora faz um clique e entre Itamar Franco. Ele demite três ministros da Fazenda e nomeia, de surpresa, Fernando Henrique Cardoso para a pasta. Fernando Henrique está lá em Nova Iorque, muito satisfeito com a posição de ministro das Relações Exteriores. Foi pego de surpresa. Tentou outros nomes, mas não colou. Aceitou, e, tendo aceito, ele pensou, a quem recorro?

Que eu saiba, ele ligou para três pessoas. Armínio Fraga, que estava em Nova York, Pedro Malan, em Washington, e para mim aqui, que estava na PUC. Tinha acabado de dar uma aula quando o telefone tocou. Ele me convocou para ir a Brasília no dia seguinte. Eu fui com a Elena. Aos cardeais do PSDB, manifestei a minha extrema preocupação com aquela movimentação. O Covas me disse assim, ô, Bacha, essa não é uma decisão do Fernando, é uma decisão do partido. Você é o economista do partido, você vem conosco. Não sei se você se lembra do Covas direito. Não se discutia com ele.

Comigo entraram o Winston e o Gustavo. Aí encontramos o Murilo Portugal. Não mexemos no Banco Central, que estava com Paulo Cesar Ximenes. Clóvis Carvalho veio de São Paulo para ser o número dois do Ministério. José Serra e a equipe dele no Congresso estavam dando apoio.

O que a gente faz? O PAI, Programa de Ação Imediata, para arrumar a casa. Aumentar os impostos, criar a contribuição provisória para a movimentação financeira. Reorganizar as relações do Banco Central com o Tesouro. Renegociar as dívidas dos estados e municípios. Acabar com a negociação da dívida externa. Enfim, dar uma arrumação nas contas públicas, preparando para o futuro governo que vai vir daqui a um ano e meio. Era um pequeno bando de Brancaleone.

Em agosto, o Itamar demite o Ximenes sem falar para o Fernando Henrique. Achamos que ele ia entregar o chapéu Fernando Henrique convocou a reunião, aquela que deu no papelzinho azul [primeiro rascunho do plano de estabilização, inspirado nas ideias de diversos integrantes do governo, que levaria ao Real]. Essas ideias já eram correntes, mas não tão especificadas como ficou no papelzinho azul. Fernando Henrique ficou fascinado.

Tantos pais e nenhuma mãe. Por quê?
A mãe era para ser a Elena, mas não quis ir para o governo. Entrou quando vieram as privatizações, que foi uma fase importante.

O Real sobreviveu, mas o PSDB não...
Isso foi inacreditável!

... e o PSDB ficou muito associado ao Real...
Fernando Henrique só se elegeu duas vezes por causa do real. O partido, no entanto, não tinha uma âncora, como o PT. O PSDB veio como um grupo de iluminados políticos, de alta qualidade, com uma assessoria econômica de elite, e nenhuma base social. Quando se esgotou o efeito do real, o partido se dissolveu. A velha geração não teve sequência na nova geração, com o mesmo quilate.

Mas, com base no real, elegemos Fernando Henrique por dois mandatos e fizemos governadores em São Paulo por 20 anos. Demos um jeito em São Paulo, mas oito anos não foram suficientes na Presidência para fazer tudo que era necessário.

Numa entrevista para a Folha, lá atrás, o sr. disse que a proposta do Real era controlar a inflação com crescimento. A missão foi cumprida?
Não foi. Dá para dizer que o Plano Real tinha quatro objetivos. O principal era controlar a inflação. Feito isso, era preciso parar o processo de concentração de renda. Conseguimos isso também, inclusive com programas sociais e transferência de renda. Ainda há desigualdade, mas bem minorada.

Outro problema era o balanço de pagamentos. O Brasil vivia um crise atrás da outra de balanço de pagamentos, crise da dívida externa. Na primeira fase do Real, continuaram ocorrendo, porque demoramos a sair da âncora cambial e ir para âncora da taxa de juros. Fizemos forçados por uma crise, mas fizemos. Desde então, o Brasil não tem problema de balanço de pagamentos. Hoje, tem reservas à beça e superávit na balança comercial.

Agora, o crescimento não veio como a gente esperava. Por que não veio? Bom, nós fizemos oito anos de reformas, mas aí veio o PT e fez 15 anos de "desreformas".

Junto com o Real, nós mandamos para o Congresso 63 emendas constitucionais. Tudo o que você pode imaginar. Todas as maldades que cabiam na minha cabeça, na cabeça do Serra e na cabeça do Nelson Jobim. Como você sabe, são cabeças muito maldosas [risos]. O Congresso rejeitou 62 e aprovou o Fundo Social de Emergência, que era o que a gente pedia, porque se não aprovassem, a gente não fazia o plano. Então, essas 62 emendas estavam ali. Era o conjunto de reformas que o país precisava implantar.

Alguma coisa foi feita, não?
O Lula, nos dois primeiros anos, ainda fez alguma coisa. Depois, na hora que veio a bonança [alta no preço das commodities que gerou crescimento interno e global], falou que não precisava fazer mais porcaria nenhuma. Em cima da bonança veio o pré-sal. O mundo parou de ter crise, por causa da China. Então, o Lula não fez mais nada em termos dessas reformas estruturais, de que o país necessitava, especialmente a abertura econômica.

A reforma tributária só agora está vindo, e toda despedaçada. A reforma do Estado nem foi tocada. Toda a questão das carreiras no setor público nunca foi devidamente estruturada.

A gente ainda tem um Estado inchado que absorve um terço do PIB e não entrega para a população serviços adequados de saúde, educação, transporte, segurança e infraestrutura, e a economia continua fechada. Vou repetir aqui o que já disse em outra entrevista. Brasil podia decolar, mas o Lula não deixa.

Sempre falo de abertura comercial como uma questão de produtividade. Mas o que realmente me toca é essa injustiça dessa elite infame, que explora monopolisticamente o mercado nacional com preços surreais e não deixa entrar aqui produtos estrangeiros de boa qualidade e preços baixos para que os pobres e a classe média deles se beneficiem, como nós ricos já nos beneficiamos.

Olha o paradoxo da situação. Nós ricos podemos gastar o que quisermos lá fora sem pagar imposto aqui. Na volta, a gente ainda passa no free shopping e pode gastar US$ 1.000 sem pagar um tostão. No dia que os pobres descobriram um canalzinho chinês pela internet, onde eles podem comprar coisinhas, o governo quer taxar. Por que o governo quer taxar os pobres e não taxa os ricos de vez?

RAIO-X


Edmar Bacha, 82

Mineiro de Lambari, formou-se em economia pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e é um dos primeiros economistas brasileiros com doutorado no exterior, pela Universidade Yale (EUA), em 1968. Com intensa vida acadêmica, lecionou em instituições no Brasil e no exterior. Em 1974, publicou uma fábula sobre a Belíndia, reino imaginário que fundia Bélgica e Índia e se tornou uma analogia à desigualdade brasileira. Estava no grupo que elaborou o Plano Cruzado, em 1986, tentativa frustrada de debelar a inflação, e, depois, entre os formuladores do Plano Real, de 1994, que pôs fim à hiperinflação no Brasil. Foi presidente do BNDES e do IBGE. Sócio fundador e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças, é membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Ciências