sexta-feira, 5 de maio de 2023

Mizael Bispo é excluído da OAB dez anos após condenação por matar ex-namorada, FSP

 

SÃO PAULO

O ex-policial Mizael Bispo de Souza foi excluído do quadro de associados da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) dez anos após ser condenado a 22 anos de prisão pela morte de sua ex-namorada, a advogada Mércia Nakashima, assassinada aos 28 anos em Nazaré Paulista (64 km de SP), em maio de 2010.

O edital de exclusão foi publicado na edição de terça-feira (2) do Diário Eletrônico da OAB, após uma série de recursos apresentados pela defesa no processo disciplinar a que Mizael foi submetido.

Ele estava inscrito na comarca de Guarulhos, na Grande SP, e teve a exclusão decidida pela seção de São Paulo e confirmada pela Primeira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da OAB.

Mizael Bispo no dia em que se apresentou para ser preso após período de detenção domiciliar, em 2020 - Reprodução

De acordo com a decisão, o ex-policial tornou-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia e terá de devolver a carteira de identidade profissional.

O ex-policial cumpre pena no regime semiaberto em Tremembé, no interior de São Paulo. Em 2022, o Tribunal de Justiça Militar decidiu tirar de Mizael a graduação de praça da Polícia Militar de São Paulo. Com isso, ele foi oficialmente desligado da corporação.

A aposentadoria, no entanto, foi mantida por tratar-se de direito adquirido, pois o crime foi cometido após ele ter sido reformado na PM.

PUBLICIDADE

Mizael e Mércia eram sócios em um escritório de advocacia e namoraram por cerca de quatro anos. Ela desapareceu no dia 23 de maio de 2010 e o corpo foi encontrado no dia 11 de junho, por um pescador, na represa Atibainha, em Nazaré Paulista.

Segundo a sentença, a advogada levou um tiro e foi jogada ainda viva na represa, dentro do próprio carro.

"O motivo do crime foi torpe, consistente no rompimento do relacionamento amoroso", diz a sentença de condenação do ex-policial. Mizael foi condenado por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, com emprego de meio cruel e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima).

No julgamento, que teve duração de quatro dias, no Fórum de Guarulhos, a defesa afirmou que não foram apresentadas provas conclusivas contra seu cliente e que ele não confessou o crime em momento algum. Na ocasião, o advogado Samir Haddad Jr. afirmou que Mizael é inocente.

O deputado estadual Márcio Nakashima (PDT-SP), irmão de Mércia, usou as redes sociais para agradecer as mensagens de apoio que recebeu após a publicação da decisão da OAB.

"No dia 23 deste mês completa 13 anos da morte dela. Não tem como não rememorar o caso, homenagear e lembrar da vida linda da Mércia ao longo de maio", disse.

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Mendonça volta atrás e valida julgamento no STJ que pode render R$ 90 bilhões ao governo. OESP

 BRASÍLIA – O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), voltou atrás e decidiu revogar a suspensão que havia imposto a um julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que pode render R$ 90 bilhões por ano ao governo. Ele atendeu a um pedido do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que foi ao STF se reunir com Mendonça na última terça-feira, 2.

No julgamento, a Primeira Seção do STJ decidiu, por unanimidade, que empresas não podem continuar abatendo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) benefícios dados pelos Estados. A decisão, tomada na semana passada, é desfavorável às empresas e favorável ao governo, que considera a medida crucial para o sucesso do novo arcabouço fiscal.

A liminar de Mendonça que suspendeu a eficácia do julgamento no STJ chegou ao conhecimento da Corte quando a análise já havia começado. Os ministros decidiram, então, seguir os trabalhos normalmente.

“No que toca à propalada perda bilionária de arrecadação federal, alegadamente em razão de interpretação equivocada da legislação infraconstitucional pelas pessoas jurídicas contribuintes, diante dos dados e das informações apresentados na petição sub examine e em audiência neste Gabinete, também está com a razão a União”, afirmou o ministro na decisão.

Revogação trata sobre julgamento que empresas não podem continuar abatendo do  Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) benefícios dados pelos Estados.
Revogação trata sobre julgamento que empresas não podem continuar abatendo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) benefícios dados pelos Estados. Foto: Joédson Alves/EFE

Agora, o resultado obtido no STJ, considerado uma vitória da equipe econômica, passa a ter validade. Com a revogação da suspensão, o referendo da liminar marcado para começar em plenário virtual amanhã não será mais realizado.

Continua após a publicidade

Como mostrou o Estadão, a Receita Federal vai dar um prazo para a autorregulação das empresas que descontaram incentivos por meio do ICMS concedidos pelos Estados no pagamento de impostos federais antes de a fiscalização autuar as empresas e cobrar o que não foi pago.

De acordo com técnicos ouvidos pelo Estadão, a estratégia no primeiro momento será mostrar um “cardápio” de opções para o pagamento, como o Litígio Zero. Esse é um programa de renegociação de dívidas com pessoas físicas e empresas com descontos e prazo de pagamento de 12 meses e que teve o prazo de adesão prorrogado até 31 de maio.

Haddad celebrou a decisão de Mendonça. “Acabamos de receber, eu e a ministra Simone Tebet, a informação de que o ministro André Mendonça reviu sua decisão e cassou a liminar, dando ganho de causa para o governo federal. É um magistrado com autonomia suficiente para saber o que é melhor para o Brasil”, afirmou.

Esse foi um “exemplo de desprendimento” de como a união entre os Poderes garantirá a reconstrução do país, disse Haddad. O ministro afirmou que a transição de governo foi validada pelo Congresso Nacional, ainda em 2022, e pelo Judiciário após os ataques aos prédios dos Poderes no dia 8 de janeiro.

“Os Poderes da República garantiram a transição e vão dar a sustentação para perseverarmos na meta de arrumar as contas desse País para que empresários, trabalhadores e gestores públicos possam ter um horizonte positivo”, disse.

Segundo Haddad, o Brasil é o único país do mundo que faz subvenção de custeio – ou seja, concede benefícios a empresas para pagar custos correntes da companhia, e não investimentos.

Entenda a decisão

Continua após a publicidade

Estadão ouviu tributaristas para entender como esse benefício foi criado. O ICMS, imposto cobrado pelos Estados, tem uma alíquota nominal e outra efetiva. Por exemplo, a venda de mercadorias é tributada com uma alíquota de 18%. Mas devido a vários artifícios, que fomentaram a guerra fiscal entre os Estados, na prática, essas alíquotas são menores por meio da diminuição da base de cálculo do imposto, isenção e crédito presumido (que reduz o imposto a pagar por meio de uma compensação).

Além desses artifícios, existe um benefício fiscal que os Estados concedem para atrair empresas. É a chamada “subvenção de investimento”, que nada mais é que trocar o valor que determinada empresa investiu pelo valor do ICMS que ela pagará quando a sua fábrica, por exemplo, ficar pronta e as mercadorias começarem a ser vendidas.

Mas existe outro benefício aplicado que é chamado de “subvenção para custeio”. Basicamente, é a redução da alíquota ou do valor que a empresa tem a recolher do ICMS, sem nenhuma contrapartida para o governo estadual. Muitos desses benefícios são conseguidos por pressão de empresas e grandes lobbies.

Devido a um “jabuti” (medida diferente do teor da proposta original) incluído na Lei de Complementar 160, de 2017, as empresas passaram a abater dos impostos federais esses incentivos que foram dados pelos Estados. Essa lei validou os incentivos concedidos no passado pelos Estados e com o “jabuti” equiparou todos os incentivos fiscais às “subvenções para investimentos”.

Os dois incentivos começaram a ser usados para deduzir o valor a recolher de IRPJ e CSLL. Só que há uma grande diferença entre eles. Na subvenção de investimento, a empresa realmente desembolsa dinheiro para fazer a fábrica. O segundo é apenas redução de imposto.

No incentivo de custeio, as empresas registram na contabilidade a despesa total do ICMS da alíquota. Por exemplo, a alíquota é de 18%. Só que geralmente há um benefício de 20% de redução ou mais do imposto. Dos R$ 18 registrados como despesa, por exemplo, a empresa acaba pagando, na prática, R$ 14. Os R$ 4 seriam a “despesa fictícia”./Colaboraram Fernanda Trisotto e Thaís Barcellos

Demitido após golpe de 1964 é readmitido em banco depois de 59 anos, FSP

 João Pedro Pitombo

SALVADOR

O clima era nebuloso e as notícias desencontradas naquele início de abril de 1964. Osmar Ferreira tinha 21 anos, trabalhava em uma agência do Banco da Bahia, em Feira de Santana (109 km de Salvador) e era ligado à juventude do PCB (Partido Comunista Brasileiro) quando eclodiu o golpe militar.

Com uma metralhadora nas mãos, um sargento do Exército entrou na agência bancária em 8 de abril, algemou Osmar e o levou para a prisão, onde ele foi agredido e torturado. Solto 12 dias depois, foi demitido do banco.

Osmar Ferreira, 80, foi readmitido pelo Bradesco 59 anos depois de ter sido demitido após ser preso em decorrência do golpe militar. - Rafaela Araújo/Folhapress

"A demissão foi uma surpresa porque eu trabalhava muito e gostava do que fazia. Cortaram pela cabeça uma carreira de sucesso. Eu ia ser muito bem-sucedido no banco", afirma Osmar, hoje com 80 anos.

Em 26 de abril de 2023, Osmar vestiu um terno cinza, uma gravata vermelha, penteou os cabelos agora brancos e foi a uma agência bancária para se reapresentar para o trabalho depois de 59 anos. Tinha em mãos uma decisão da Justiça que obrigou o banco a recontratá-lo.

A decisão pôs fim a uma batalha judicial que durava 12 anos entre Osmar e o Bradesco, banco que nos anos 1970 comprou o setor de varejo do antigo Banco da Bahia e herdou os seus passivos.

PUBLICIDADE

A Justiça não atendeu o pleito de indenização, cujo valor foi estimado em R$ 5,4 milhões, mas determinou a recontratação de Osmar sob pena de pagamento de multa de R$ 1.000 por dia. Procurado pela reportagem, o Bradesco informou que não iria se manifestar sobre o caso.

Osmar ainda era estudante quando começou a trabalhar no banco, aos 17 anos. Aos poucos, ascendeu a hierarquia interna da agência até chegar ao posto de chefe do setor de cobranças. Também foi gerente interino em treinamento para assumir a função em uma nova unidade.

Ao mesmo tempo, mantinha uma militância política fora do trabalho: foi líder estudantil, associou-se ao então clandestino PCB e ajudou a fundar a primeira entidade de classe de bancários de Feira de Santana. A associação virou sindicato em 1963 e Osmar passou a fazer parte da diretoria.

Com o golpe em abril de 1964, o sindicato se tornou um dos centros da resistência ao golpe em Feira de Santana, unindo trabalhadores e estudantes em defesa do então presidente João Goulart. Panfletos eram impressos em mimeógrafos e militantes bradavam nos alto-falantes voltados para a rua.

Na época, o prefeito da cidade era Chico Pinto, advogado eleito pelo PSD em 1962 que fazia uma gestão de perfil popular e pioneira em políticas como a farmácia popular e o orçamento participativo.

Nos anos 1970, já deputado federal, ficaria conhecido por integrar os "autênticos do MDB", grupo de oposição ao regime militar, e por um histórico discurso contrário à visita ao Brasil do ditador chileno Augusto Pinochet, que lhe renderia seis meses de prisão.

O perfil mais à esquerda do então prefeito criou entre os militares a expectativa de uma possível resistência armada na cidade. Por isso, quando um sargento algemou Osmar na agência do Banco da Bahia, a primeira pergunta feita foi: "Onde estão as armas de Chico Pinto?"

Não havia armamentos. O prefeito foi deposto e preso pela ditadura em maio de 1964 –na ocasião, um de seus secretários era o advogado Roque Aras, pai do hoje Procurador-Geral da República, Augusto Aras.

As armas, na verdade, só chegaram para grupos de direita, conforme admitiu décadas depois em entrevista o professor Joselito Amorim, vereador escolhido pela Câmara na época para concluir o mandato de Chico Pinto após a deposição do prefeito.

Preso em um quartel da Polícia Militar, Osmar foi espancado diversas vezes e alvo de tortura psicológica por parte dos militares. Conseguiu sair da prisão 12 dias depois, por interferência de amigos do pai. Mas ficaram os traumas.

"A dor e o sofrimento permanecem até hoje. As bofetadas, os telefones [fortes tapas nos ouvidos que provocavam surdez temporária], a tortura de um modo geral, inclusive a psicológica, não vão se apagar nunca. Isso vai morrer comigo", diz Osmar ao rememorar o período da prisão.

Após solto, voltou à agência do Banco da Bahia e recebeu a notícia da sua demissão. Sem perspectiva e com medo de ser novamente preso, passou a trabalhar como caminhoneiro com o pai e colocou o pé na estrada.

Osmar ficou na clandestinidade por quatro anos. Depois, tentou fazer o vestibular da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Católica do Salvador, mas sua inscrição era sempre indeferida. Anos depois, descobriu que era fichado pelo então SNI (Serviço Nacional de Informações).

Conseguiu entrar na universidade em 1974 e cursou a faculdade de direito com o auxílio de um crédito estudantil. Foi advogado por cerca de 40 anos e trocou o interior da Bahia pela capital.

Em 2010, foi reconhecido pela Comissão de Anistia como perseguido político da ditadura militar e recebeu uma indenização de R$ 726 mil, paga na época em parcelas mensais.

No ano seguinte, decidiu ingressar com uma ação na Justiça do Trabalho contra o Bradesco por sua demissão sumária em 1964, e voltou a se filiar ao Sindicato dos Bancários de Feira de Santana.

Entre idas e vindas, a batalha judicial só teve um desfecho na última semana. Nesta quarta-feira (3), Osmar foi a uma clínica em Salvador fazer o exame admissional, mas enfrentou questões burocráticas e ainda não sabe quando começa a trabalhar.

Diz não ter ideia sobre qual função poderá exercer no banco –octogenário, lembra que não é muito afeito às novas tecnologias. Uma possível solução seria ocupar um cargo no próprio sindicato, do qual é um entusiasta.

Quase seis décadas depois da sua prisão e demissão, diz olhar para sua trajetória com orgulho. E comemora o desfecho com justiça e vitória.

"Para o filho de um caminhoneiro pobre e negro, em um país tão desigual como o nosso, acho que sou um vitorioso. Tenho certeza de que fiz o que era certo, não me arrependo de nada. Faria tudo outra vez", diz Osmar, antes levantar da cadeira.

De pé, altivo, sorri para um último clique da câmera. E não vai embora sem antes entoar um quase mantra: "Lutar sempre, desistir jamais".