segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Pobreza no Brasil alcança recorde de 62,5 milhões em 2021, FSP

 Leonardo Vieceli

RIO DE JANEIRO

pobreza e a extrema pobreza atingiram níveis recordes no Brasil em 2021. A conclusão é de uma análise divulgada nesta sexta-feira (2) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

No ano passado, 62,5 milhões de pessoas eram consideradas pobres no país. O número correspondia a 29,4% da população total (212,6 milhões).

Das 62,5 milhões, 17,9 milhões viviam em situação de extrema pobreza. Esse número representava 8,4% da população total.

Tanto os contingentes quanto os percentuais são os mais elevados de uma série histórica iniciada em 2012, diz o IBGE.

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Pessoa busca restos de comida no lixo no Rio de Janeiro - Tércio Teixeira - 5.abr.2021/Folhapress

O grupo abaixo da linha de pobreza (62,5 milhões) disparou 22,7% em 2021, um acréscimo de 11,6 milhões de pessoas ante 2020 (51 milhões). É como se a população inteira do Paraná (11,6 milhões) tivesse migrado para essa condição.

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Já o contingente em extrema pobreza (17,9 milhões) saltou 48,2% em 2021, com 5,8 milhões a mais frente a 2020 (12 milhões). Esse aumento é comparável à metade da população do Paraná (11,6 milhões).

Os dados integram a SIS (Síntese de Indicadores Sociais), uma publicação do IBGE que analisa estatísticas em áreas como padrão de vida, trabalho e saúde.

Para definir as linhas de pobreza e extrema pobreza, o instituto adota critérios do Banco Mundial em termos de PPC (Poder de Paridade de Compra). A linha de pobreza compreende pessoas que vivem com menos de US$ 5,50 por dia. A de extrema pobreza é fixada em US$ 1,90 por dia.

Conforme o IBGE, a disparada dos indicadores em 2021 pode ser associada à diminuição dos valores e do público atendido pelo auxílio emergencial.

Outro possível fator para explicar o contexto do ano passado é a retomada incompleta do mercado de trabalho. Em outras palavras, o retorno de atividades econômicas não foi suficiente para impedir a perda de renda.

Em 2020, o ano inicial da pandemia, o auxílio emergencial de R$ 600, destinado a um público mais amplo, ajudou a levar a taxa de pobreza para 24,1%, abaixo do percentual de 25,9% registrado em 2019.

Já a proporção em extrema pobreza havia recuado para 5,7% em 2020, ante 6,8% em 2019.

DESIGUALDADE ENTRE REGIÕES

A análise do IBGE traz um olhar para as desigualdades regionais. Em 2021, o Nordeste tinha 27% da população total do país, atrás do Sudeste (42,1%).

Mesmo não sendo a região mais populosa, o Nordeste concentrava mais da metade das pessoas extremamente pobres do Brasil (53,2%). A região também reunia 44,8% dos pobres do país.

O Sudeste, por sua vez, respondia por 25,5% dos extremamente pobres e por 29,5% dos pobres brasileiros.

Segundo o IBGE, 48,7% da população do Nordeste –quase a metade– foi considerada pobre em 2021. Trata-se do maior nível do país. Essa proporção estava em 40,5% em 2020.

POBREZA É AINDA MAIOR ENTRE CRIANÇAS

A síntese também aborda a questão da pobreza infantil. No ano passado, o percentual de crianças de até 14 anos abaixo da linha de pobreza chegou a 46,2% no Brasil.

É outra máxima da série iniciada em 2012. O indicador estava em 38,6% em 2020.

Em números absolutos, a população de até 14 anos em situação de pobreza aumentou de 17 milhões para 20,3 milhões. A alta de 2020 para 2021 foi de 19,3% (ou 3,3 milhões a mais).

Já a proporção de crianças de até 14 anos abaixo da linha de extrema pobreza chegou a 13,4% no ano passado, também recorde na série histórica. O percentual estava em 8,9% em 2020.

Em números absolutos, a população nessa faixa etária em situação de extrema pobreza aumentou de 3,9 milhões para 5,9 milhões. A alta foi de 50,1% (ou 2 milhões a mais).

PRETOS E PARDOS TÊM MAIS DIFICULDADES

O IBGE ainda destaca as diferenças na análise por cor ou raça. Em 2021, 11% dos pretos e pardos eram considerados extremamente pobres no Brasil. Entre os brancos, o percentual foi de 5%, menos da metade.

Ainda segundo o instituto, 37,7% dos pretos e pardos viviam em situação de pobreza, o dobro do patamar verificado entre os brancos (18,6%).


Ruptura democrática. Denis Lerrer Rosenfield, OESP

 O título pode surpreender! Há rupturas da democracia que se fazem segundo instrumentos democráticos, de modo que as aparências são mantidas, enquanto os pilares de um regime assentado na liberdade são abalados. Eleições, por exemplo, tanto podem ser um meio de alicerçar a democracia, como de fragilizá-la, o que ocorre quando se tornam ferramentas de políticos autocráticos. Lideranças autoritárias ou, inclusive, totalitárias podem se utilizar desses instrumentos para imporem formas de governo a serviço de seus próprios desígnios.

Hitler conquistou o poder democraticamente, fazendo uso de um artigo da Constituição de Weimar que lhe permitia, em determinadas circunstâncias, governar por decretos. O artigo em questão já havia sido utilizado dezenas de vezes por governos anteriores social-democratas, de modo que tinha a aparência de uma mera medida corriqueira. Ato subsequente, passou a perseguir oposicionistas, eliminando fisicamente adversários e, mesmo, amigos, aí incluindo lideranças militares, como o ex-chanceler Kurt von Schleicher e o comandante das SA, Ernst Röhm. Deu-se ao luxo de convocar eleições que eram meros referendos à sua liderança, proibindo qualquer oposição partidária e fazendo uso intensivo da censura. As massas o aclamaram.

Hugo Chávez, aclamado pela esquerda latino-americana e brasileira, seguiu o mesmo caminho. Conquista o poder democraticamente, passando a governar por meio de decretos e referendos que confirmavam sua liderança. Se o referendo lhe era desfavorável, não o seguia e logo convocava um outro, até conseguir impor a sua vontade. Deste modo, foi calando progressivamente os meios de comunicação, até o seu completo silêncio. O Congresso foi também aparelhado por etapas, até lhe ser totalmente submisso. Milícias paramilitares vieram a controlar toda a população, com o uso da violência e o assassinato de manifestantes. O Supremo foi subjugado, tornando-se um mero avalizador de seus atos. Os militares foram cooptados por intermédio do uso intensivo da corrupção. A burla foi completa.

O Brasil está saindo de um período em que as instituições democráticas foram postas à prova, embora o atual presidente e o seu movimento assegurassem fazer o contrário. E o fizeram, paradoxalmente, dizendo defender a democracia e as liberdades. Não foram poucas as tentativas de, progressivamente, criar um ambiente propício a um golpe de Estado, com o questionamento ostensivo das urnas eletrônicas e do sistema eleitoral. Prova nenhuma foi apresentada, mas inúmeras vezes disse o presidente que não seguiria os resultados das eleições se suas pretensões não fossem atendidas. Na verdade, para ele valia apenas o seguinte: em caso de vitória sua, a democracia funcionaria; em caso de derrota, a democracia não teria sido seguida. Simples assim o absurdo de tal colocação.

O resultado das eleições foi-lhe adverso. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como é de sua exclusiva competência, atestou a lisura do processo e validou toda a apuração, dando vitória ao ex-presidente Lula. Lideranças responsáveis, inclusive de partidos aliados, como o ministro Ciro Nogueira, que assegurou o gabinete de transição, e o deputado Arthur Lira, que reconheceu imediatamente o resultado do pleito, seguiram igual rumo. Os militares, no estrito cumprimento de seu dever, seguem a Constituição, afastando-se de qualquer tentativa golpista. É apenas de lamentar que generais do alto comando estejam sendo denegridos por companheiros de farda ao serem considerados como militares melancias, verdes por fora e vermelhos por dentro. Seguir a Constituição, para pessoas que assim se tornam indignas, seria uma atitude de esquerda. Disparate total.

No entanto, o ministro Alexandre de Moraes, atuando como defensor da Constituição, tem sido considerado como um bode expiatório. Soube ele compreender, ao contrário de seus críticos, que momentos excepcionais, em que a democracia está em risco, exigem medidas excepcionais. Não se pode confundir a aparência de seguir a democracia com sua subversão. Não caiu neste tipo de armadilha armada por bolsonaristas. No momento em que decidiu arquivar um pedido fake, golpista, do PL, contestando o resultado das eleições, não hesitou em lhe impor uma pesada multa por litigância de má-fé. Não cabia, aqui, nenhum tipo de tergiversação, sob pena de tais investidas se repetirem com o intuito de impedir a posse do novo presidente eleito ou sua governabilidade futura. A multa impõe um limite.

Da mesma maneira, não se pode considerar como democráticas manifestações em frente de quartéis e em rodovias exigindo uma intervenção militar. É meramente contraditório. Dizem eles: ou há intervenção ou continuaremos nos manifestando e, em casos mais extremos, impedindo o direito de ir e vir em ruas e estradas, mediante o uso de violência. Os seus autores e financiadores devem ser, sim, responsabilizados, pois democracia não significa liberdade para delinquir. Uma democracia que não reconhece limites caminha para o seu fim.

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PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR

Bolsonaro precisa mesmo de uma anistia porque seus crimes são indiscutíveis, FSP

 No Qatar há exemplos extremos de imoralidade e perversão autoritária, de atraso cultural e riqueza inexplicável concentrada nas mãos das piores famílias. Diante das críticas da comunidade internacional, as autoridades do país já teriam começado a se defender dizendo que, sim, tudo isso é verdade, mas Eduardo Bolsonaro só vai ficar lá até a Copa acabar.

Enquanto o deputado assistia aos jogos com toda mordomia, um bando de palhaços manifestava-se diante de quartéis e rodovias pedindo um golpe de Estado.

Ao saberem das férias do Bananinha das Arábias, alguns dos manifestantes tiveram lapsos de lucidez e questionaram se seu movimento, afinal, era mesmo sério. Afinal, nenhuma liderança revolucionária até hoje tirou férias para assistir à Copa durante a revolução.

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia de graduação de cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras
O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia de graduação de cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras - Tércio Teixeira/AFP

Considerado como uma tentativa de salvar a civilização ocidental, a moral cristã e a pátria brasileira, o movimento golpista é obviamente uma piada, e, sinceramente, meu filho, quantos anos você tem?

Por outro lado, como arma para que Bolsonaro, seus filhos e cúmplices pressionem as instituições por uma anistia, o movimento golpista é seríssimo.

Bolsonaro precisa mesmo de uma anistia, porque está prestes a perder o foro privilegiado e seus crimes são indiscutíveis.

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Nos últimos anos, escrevi várias vezes sobre as projeções que indicavam números imensos de mortes na pandemia que não teriam acontecido se Jair Bolsonaro tivesse aceitado as ofertas de vacina que vieram sem suborno.

Se o maior assassinato em massa da história brasileira não for suficiente para colocar Bolsonaro e seus cúmplices na cadeia, ainda restam os ataques diários à democracia, da tentativa de golpe do 7 de Setembro de 2021 até o incentivo às atuais manifestações golpistas, passando pelo Golpolão do PL.

Finalmente, essa semana Bolsonaro deixou claro que o orçamento secreto era compra de votos: ao cancelar os repasses após o acordo entre Lula e Arthur Lira, Jair mostrou que a falcatrua sempre funcionou em troca de apoio a seu governo.

Em uma República funcional, Bolsonaro já teria caído e já estaria cumprindo pena na companhia de seus filhos e cúmplices.

Não tenho, entretanto, nenhuma expectativa de que isso aconteça nos próximos anos em nada parecido com a dimensão necessária. Duvido que seja possível punir os militares golpistas, por exemplo. Os culpados no meio empresarial e político ainda têm aliados poderosos.

Sobra o baixo clero olavista e osmarterrista, que inclui o próprio Bolsonaro e seus filhos. Não por acaso, são os mais desesperados por um movimento golpista forte. Na hora H, pretendem trocar os golpistas por uma anistia e voltarem a assistir o jogo.

Não devemos anistiá-los. Puni-los aumentará a probabilidade de que os próximos governantes comprarão vacina durante epidemias e respeitarão a democracia. A tradição brasileira, entretanto, sugere que o risco de anistia é real.

Se acontecer, espero ainda não estar vivo para ver o que os fascistas farão na próxima vez. Afinal, se não tivessem sido anistiados pelas mortes dos cerca de 500 mortos da ditadura, o medo da cadeia os teria impedido de matar as centenas de milhares da pandemia. Talvez tenham curiosidade de saber até onde dá para subir esse número sem serem presos.