O PSOL decidirá, no próximo dia 17, se irá compor o governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou se será independente da gestão petista. De acordo com a líder da sigla na Câmara dos Deputados, a deputada federal Sâmia Bomfim (SP), a segunda opção já reúne maioria dentro do partido e pode vir a prevalecer.
Se a previsão da parlamentar se confirmar, o PSOL optará por abrir mão de cargos no governo federal. "A gente quer ter liberdade para se posicionar como o PSOL sempre se posicionou, como a ala à esquerda no Congresso Nacional, e vocalizar pautas que a gente sabe que ninguém vai pautar", diz Sâmia à coluna.
"Temas relativos a direitos humanos, por exemplo, é muito comum que não sejam pautados em função de acordos feitos com fundamentalistas, com setores mais conservadores. A gente quer manter a independência para seguir pautando. Essa é a nossa vocação no Parlamento", continua.
A decisão será tomada durante reunião do Diretório Nacional do partido. A defesa pela independência deve encontrar resistência entre dois nomes proeminentes da legenda: seu presidente, Juliano Medeiros, e o deputado federal eleito Guilherme Boulos (SP), que hoje integram a equipe de transição de Lula.
A deputada reconhece que não há unanimidade em torno do posicionamento defendido por ela e por outros correligionários. "Mas eu afirmo que é maioria", diz.
Entre parlamentares que apoiam a proposta estão os deputados federais Talíria Petrone (RJ), Glauber Braga (RJ) e Fernanda Melchionna (RS) e a vereadora e deputada federal eleita Erika Hilton (SP), segundo Sâmia Bomfim.
A líder do PSOL na Câmara diz que o apoio dado a Lula durante a disputa eleitoral não deve ser confundido com a postura que será adotada pelo partido nos próximos quatro anos. E nega que haja uma pretensão de atrapalhar a gestão do petista ou até mesmo de se alinhar à oposição, que passará a ser integrada também por bolsonaristas na próxima legislatura.
"A gente vai estar na linha de frente para garantir que o programa do Lula possa ser aplicado no Brasil", diz a deputada. "Mas a gente sabe que, pela própria composição [com outros partidos] que foi necessária ser feita, em especial no segundo turno, podem ter muitos temas com os quais a gente discorda."
A agenda econômica seria um deles. "O PT vai, muito provavelmente, buscar uma saída mediada com as pressões do mercado, como está buscando agora", afirma Sâmia, citando o debate sobre o teto de gastos como exemplo.
Ela defende que manter a independência em relação ao governo eleito seria também uma forma de preservar a identidade e o perfil programático do PSOL. "O governo te impõe amarras, inevitavelmente", diz.
A deputada pontua que a escolha por não compor com o governo não se assemelha ao que ocorreu no início dos anos 2000, quando o PSOL nasceu a partir de uma ruptura do PT e fez oposição declarada ao partido da situação.
"Agora a discussão não é sobre ser oposição ou não, mas sobre não depender de cargos no governo para definir qual é a nossa posição política sobre diversos temas", destaca.
"A estrutura de governo é muito sedutora. Não é um aspecto moral ou individual, mas ela molda a posição, ela molda a ideologia partidária. A gente acha que se o PSOL se enveredar por esse caminho agora, pode perder um pouco da sua função, da sua existência", acrescenta.
Ela cita como exemplo de independência o posicionamento recente do partido em relação ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Na última semana, a bancada do PSOL decidiu por não apoiá-lo em seu projeto de reeleição, diferentemente do que fará o PT de Lula.
Estuda-se, inclusive, a construção de uma candidatura própria do PSOL para fazer oposição ao deputado alagoano —ainda que dificilmente ela possa sair vitoriosa.
"Eu questiono os hiperpoderes que o Arthur Lira vai ter na próxima legislatura. Não se propõe nenhum nome alternativo para disputar? Vai ser o voto da extrema direita, do centrão e da esquerda no Arthur Lira? Ele pode ter, então, 500 votos? Isso é positivo para o governo Lula?", diz Sâmia.
"Não ter disputa democrática em torno de um tema tão fundamental que é a presidência da Câmara não é bom para o governo Lula. É legítimo, eu entendo e respeito, mas não dá para contar com que o PSOL seja parte disso."
Reeleita no pleito deste ano, Sâmia Bomfim deixará a liderança do PSOL na Câmara em 1º de fevereiro de 2023, quando a nova bancada tomará posse. Ela se diz orgulhosa de sua gestão, principalmente pelo peso simbólico e político de assumir um cargo como esse enquanto mulher.
"É difícil, não vou romantizar, mas consegui falar de igual para igual, se impor, ser ouvida e se posicionar", afirma. "Eu fui a líder mais jovem da legislatura, e da bancada também. Em muitos momentos, éramos apenas eu e a Joenia [Wapichana, deputada por Roraima] de mulheres em reuniões com muita gente, com Lira, com o centrão, então foi muito desafiador", segue.
Se ela arrisca um palpite sobre quem a sucederá no posto? "Eu chutaria que vai ser o Boulos, pelo peso dele mesmo. Entrou com tudo aqui na Câmara. Só não vai ser se ele não quiser", afirma, rindo. O coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) foi o campeão de votos em São Paulo, somando 1.001.453 deles.
Sâmia também diz se orgulhar por encabeçar uma bancada que serviu de vitrine para a militância psolista e para outros postulantes de seu partido durante as eleições de 2022.
"O PSOL foi muito bem. Ampliou a sua bancada, cresceu em referência, soube apoiar o Lula, mas sempre mostrando a sua cara própria. E eu acho que a nossa liderança foi parte importante disso. A sensação é de dever cumprido. De que eu fiz o que era possível e impossível."