domingo, 2 de janeiro de 2022

Samuel Pessôa - Edmar Bacha, a passagem do tempo, FSP

 Edmar Bacha é um dos principais economistas brasileiros, dos primeiros com doutorado nos EUA, professor, pesquisador com larga publicação no Brasil e no exterior, além de formulador de política econômica, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras. Publicou recentemente "No País dos Contrastes - Memórias da Infância até o Plano Real", pela História Real, selo da editora Intrínseca.

Não se trata de memória detalhada de uma vida. O livro é curto e apresenta os momentos que, aos olhos do Bacha de hoje, aos 79 anos, são os mais marcantes.

Li com grande prazer. Dei muita risada. Há de tudo, mas principalmente a exposição de momentos importantes de nossa história por quem estava lá fazendo.

Edmar Bacha ao receber a espada de imortal da Academia Brasileira de Letras - Ricardo Borges - 7.abr.17/Folhapress

Três são os trechos para mim mais marcantes. Primeiro, as cartas que escreveu para sua mãe, Maria de Jesus Lisboa Bacha, quando estava cursando o mestrado e doutorado em Yale. Segundo, a sua passagem
como presidente do IBGE no governo Sarney e os aprendizados com o Plano Cruzado.

E, em terceiro, a descrição de sua evolução intelectual. Há ainda a sua participação no Plano Real e um capítulo final com a apresentação resumida de sua contribuição científica.

Nas cartas de Yale, o jovem Bacha aparece como ótimo observador. Nota, no início dos anos 1960, que o racismo lá não é tão diferente do de cá.

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Não entra na esparrela, tão comum à época, de que as relações familiares por lá são mais frias. E, discordando do mestre Furtado, que passou um período em Yale, já enxergava em 1965 a recuperação
cíclica da economia brasileira.

Em maio de 1985, assume a presidência do IBGE e participa do Plano Cruzado. De sua passagem pelo IBGE ficou marcada a enorme pressão política para o preenchimento de cargos, principalmente os delegados do IBGE nos estados.

Para atender as demandas, se necessário, criou a regra de que somente seriam indicados técnicos de carreira. A impressão com que ficamos é que, aos trancos e barrancos, dos anos 1980 até hoje aumentou a profissionalização do Estado.

Quanto ao Plano Cruzado, aparece o melhor lado de Bacha. A arte da passagem do tempo. De estar atento e aberto. Bacha aprende com a vida. Não é comum. Sem aprendizados, não teríamos construído o Plano Real.

Houve muito aprendizado de Bacha. Primeiro, "não se pode misturar plano de estabilização com distribuição de renda". A própria estabilização, com o fim do imposto inflacionário, é o ganho de renda
do trabalhador. Em segundo, que, apesar de a inércia ser o maior problema em estabilização de inflação de muitos dígitos, não se pode descuidar da política macroeconômica, fiscal e monetária. "Passei a ter
uma consciência clara dos limites da intervenção do governo na economia", escreveu.

A passagem no governo também fez Bacha rever o desenvolvimentismo. "Constatei que dele derivavam os males do estatismo, do protecionismo e do inflacionismo. Vi na prática tratar-se não de desenvolvimento econômico, mas de defesa de interesses corporativos."

Apresenta seu distanciamento teórico de um programa de pesquisa exclusivamente latino-americano. Lembra a dificuldade para a academia, principalmente na América Latina em tempos de inúmeras ditaduras militares de direita, da absorção da contribuição de Milton Friedman.

A macroeconomia moderna, aquela dos anos 1990 em diante, com seus mercados imperfeitos, moeda endógena, preços viscosos etc., "deu guarida a temas relevantes para meu modo de pensar a macroeconomia".

Leitura deliciosa para um verão e imprescindível para qualquer estudante de economia. No período de formação, é uma experiência única acompanhar a vida profissional de um dos líderes da profissão.

Promessas de fim para praga da reeleição já são alguma coisa, Elio Gaspari, FSP

 Este será um ano de solavancos e nele valerá a pena seguir o conselho do senador Tasso Jereissati: "As instituições precisarão ser fortes, trincar os dentes".

A boa notícia é que seis candidatos à Presidência, entre eles Ciro Gomes, João Doria, Sergio Moro e Simone Tebet, prometem batalhar pelo fim da reeleição.

Lula e Bolsonaro também prometiam, mas mudaram de ideia. De qualquer forma, a promessa de um fim para essa praga política já é alguma coisa.

DR. STRANGELOVE

Quem gostou de "Não Olhe Para Cima" tem à sua disposição uma de suas fontes de inspiração. É o filme "Dr. Strangelove" ("Doutor Fantástico" em português. Coisa fina, do diretor Stanley Kubrick, com Peter Sellers numa possível premonição do que viria a ser o professor Henry Kissinger como grão-duque da diplomacia americana.)

O filme é de 1964 e seu general maluco guarda até semelhança física com coronel de "Não Olhe Para Cima", encarregado de explodir o cometa.

Quando "Dr. Strangelove" foi para as telas, era pura ficção. Era, mas hoje se sabe que anos antes, o presidente John Kennedy visitou o comando aéreo americano e fizeram-lhe uma exposição, mostrando os alvos para um ataque nuclear. Kennedy estranhou que tivessem incluído cidades da China. Perguntou a razão para aquilo, visto que a guerra seria com a União Soviética.

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O general explicou que os alvos estavam lá porque esse era o plano.

Kennedy mandou refazer o plano.

URUCUBACA

Jair Bolsonaro decidiu passear de jet ski pelas praias de Santa Catarina enquanto cidades da Bahia estavam alagadas, com milhares de desabrigados e dezenas de mortos.

Em 2010 as chuvas destruíram diversas localidades no litoral sul do estado do Rio e na Ilha Grande.

Sérgio Cabral estava em sua casa de Mangaratiba e lá ficou: "Eu não faço demagogia".