quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

SERGIO LEITÃO Sem saber, contribuintes brasileiros financiam retrocesso ambiental, FSP

 Sergio Leitão

Diretor-executivo do Instituto Escolhas

Maior exportador de carne bovina do mundo, dono do maior rebanho do planeta, o Brasil devolveu aos pecuaristas R$ 123 bilhões, entre 2008 e 2017, sob a forma de isenções, crédito subsidiados e perdões de dívida, –o que equivalente a quase 80% do que o setor paga de impostos anualmente.

O governo não separa os produtores modernos dos atrasados, e gado criado à base do desmatamento sabota os compromissos do país em mudar sua "pegada ambiental", na direção de menos emissões de carbono e maior preservação da floresta. É uma prática danosa, inclusive, para os interesses dos proprietários de terra que investem em aumento de produtividade e se afastam do modelo tradicional de expandir a produção aumentando a área ocupada.

Empresários de práticas mais modernas enfrentam a concorrência desleal da agropecuária baseada na ocupação predatória da Amazônia.

Não há dúvida de que é para fazer passar a boiada que, em grande parte, o Brasil destrói a mata. Estudo recente do Imazon mostra que quatro entre dez cabeças de gado no país estão na Amazônia, em regime de criação ultrapassado e gerador de gases causadores das mudanças climáticas.

A literatura técnica confirma a relação entre desmatamento e a ocupação do solo pela pecuária. A criação de gado, segundo estudo do Instituto Escolhas, é responsável por 73%, em média, das emissões de gases que causam as mudanças climáticas associadas à destruição das florestas do planeta.

Na região do Matopiba, na fronteira de exploração agrícola entre Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Bahia, a criação de gado é causa de 39% dessas emissões. O Brasil ameaça empacar nesses números, quando deveria estar buscando maior valor para seus produtos exportados, investindo em formas de atender às novas exigências dos consumidores que, como já avisam na União Europeia, tendem a criar bloqueios contra produtos oriundos de áreas de desmatamento.

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Cálculos do Imazon mostram que 90% da área desmatada na Amazônia é ocupada por pastagens.

Enfrentar esse avanço da pecuária baseado em desmatamento é uma medida incontornável para evitar que mercados internacionais criem barreiras à exportação da produção brasileira de carne.

Uma comparação, para dar ideia de como a pecuária atrasada deteriora também a confiabilidade do país em matéria de redução na emissão de gases-estufa e do desmatamento: no país, em média, a produção e comercialização de cada quilo de carne bovina resulta no equivalente à emissão de 78 quilos de CO2 na atmosfera. No Amazonas, a conversão de floresta nativa em pasto provoca emissões de CO2 equivalentes a 713 kg por quilo de carne produzida. Em Roraima, essas emissões são ainda maiores, de 782 kg.

Esses resultados são, evidentemente, um passivo que o Brasil não deveria carregar, muito menos estimular com dinheiro público. Afinal, pelo cálculo da própria ministra da Agricultura, Tereza Cristina, "no Brasil, existem mais de 90 milhões de hectares de pastos degradados e boa parte disso pode ser incorporada à agricultura sem mexer com nada". Sem mexer com nada, no caso, significa claramente: sem desmatar ainda mais.

E ela tem razão; o país pode seguir em seu papel de grande fornecedor mundial de grãos e de carne, sem aumentar os danos em alguns dos biomas mais importantes do mundo. Mas, apesar disso, o Cerrado e a Amazônia estão ameaçados; e, com eles, a imagem do Brasil e de suas exportações, em um mundo cada vez mais atento às ameaças contra a biodiversidade e os esforços para deter as mudanças climáticas.

O acordo para redução das emissões de metano, assinado na Conferência do Clima, em Glasgow, com apoio do Brasil, fortalece iniciativas da Embrapa, como as pesquisas para a marca de carne de baixo carbono, que pode se beneficiar de financiamento externo desde que o país recupere a credibilidade perdida com o desmonte da fiscalização ambiental dos últimos anos.

O financiamento para a cadeia da carne bovina deve ser canalizado para fortalecer programas oficiais e medidas a cargo de empresários conscientes que aumentem a produtividade, detenham a destruição das florestas e recuperem as áreas desmatadas.

É preciso alinhar os Planos Safra com a modernidade. Que as linhas de financiamento à agricultura sejam vedadas a quem desmata. E que o apoio aos produtores –sejam grandes ou pequenos– esteja claramente condicionado a práticas capazes de posicionar o Brasil entre os países que atendem às demandas de consumidores e investidores por respeito a critérios ambientais, sustentáveis e de governança.

O papel de provedor mundial de commodities agrícolas não pode estacionar o Brasil no passado e perder a oportunidade de aumentar o valor agregado às exportações do setor, com mercados mais exigentes.

Muito menos, aproveitar escassos recursos coletados da sociedade para estimular o retrocesso. Financiamento apenas para quem não desmata.


Paul Krugman - As críticas falsas ao Reconstruir Melhor, FSP

 O esforço do governo Biden para criar um futuro melhor para os Estados Unidos, chamado Reconstruir Melhor, está pousado no gume de uma faca política. Ninguém sabe quando ele se tornará lei. O que sabemos é que para que seja aprovado no Congresso ele terá de suportar uma tempestade perfeita de má-fé, má lógica e má aritmética.

Começando pelo começo: o Reconstruir Melhor é basicamente um plano de investimento no futuro dos Estados Unidos. Aproximadamente um terço dos gastos propostos é com crianças: pré-escolas, creches e créditos fiscais que reduziriam em muito a pobreza. Outro terço é gasto para ajudar a reestruturar a economia de modo a limitar a mudança climática. Se você incluir a lei de infraestrutura já aprovada, a agenda de Biden é majoritariamente voltada para o futuro.

E temos todos os motivos para acreditar que esses investimentos seriam altamente produtivos. Isso é claramente verdade em relação à ajuda às crianças. Há evidências avassaladoras de que ajudar crianças em desvantagem econômica as torna muito mais saudáveis e produtivas quando chegam à idade adulta; os benefícios são tão grandes que até em um sentido fiscal estrito a ajuda às crianças pode muito bem se pagar em longo prazo.

O mesmo vale para o investimento ambiental. A maior parte da discussão sobre esse investimento se concentra na mitigação em longo prazo da mudança climática, e com razão: a perspectiva do colapso da civilização tende a concentrar a mente.

O presidente Joe Biden na Casa Branca em Washington DC, EUA - Nicholas Kamm - 13.dez.2021/AFP

É importante notar, porém, que reduzir nossa dependência dos combustíveis fósseis não apenas reduziria as emissões de gases do efeito estufa. Também diminuiria outras formas de poluição, notadamente óxidos de nitrogênio e enxofre, que têm efeitos negativos nas taxas de mortes, doenças e produtividade agrícola. E os benefícios da poluição reduzida chegariam rapidamente.

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Um estudo recente da Nasa sugeriu que os ganhos para a saúde da política de mitigação climática não só valeriam trilhões de dólares, como também se materializariam com rapidez suficiente para superar qualquer custo da transição energética em uma década ou menos.

Então como alguém pode ser contra esses investimentos?

Acho que as convenções de reportagem exigem que os jornalistas finjam acreditar que os republicanos têm objeções de boa-fé ao plano de Biden —que eles estão preocupados com a dívida, ou o efeito sobre os incentivos, ou alguma coisa. Mas todos sabemos que sua principal objeção é simplesmente o fato de que é uma iniciativa dos democratas, o que significa que precisa falhar.

E também taxaria os ricos e ajudaria os pobres.

Na verdade, alguém pode se lembrar da última vez que figuras importantes do Partido Republicano se envolveram seriamente com verdadeiras preocupações políticas? O exemplo recente mais importante de que me lembro foi a aprovação do programa de seguro-saúde para crianças, em 1997. Desde então foi má-fé.

Enquanto a mais importante fonte de oposição ao Reconstruir Melhor é simplesmente o desejo de ver Biden falhar enquanto mantém os ricos o mais ricos possível, pode haver alguma preocupação sincera de que a lei aumente os déficits orçamentários.

Na verdade, ela não teria um impacto significativo na dívida —o Escritório de Orçamento do Congresso diz que os gastos estão quase completamente pagos, e tentativas de afirmar o contrário não são verossímeis. No entanto, mesmo que o déficit aumentasse, por que isso seria tão ruim?

Fiquei chocado outro dia com a declaração de Elon Musk de que o Reconstruir Melhor não deve ser aprovado porque aumentaria o déficit orçamentário.

Fato interessante: a Tesla foi fundada em 2003 e teve seu primeiro ano rentável em 2020. Isto é, passou 17 anos gastando mais do que recebia, porque estava investindo no futuro. Se, como muitos executivos gostam de dizer, o governo deve ser conduzido como uma empresa, por que não deveria se dispor a fazer a mesma coisa?

Mais uma vez, a maior parte dos gastos propostos consistiriam em investimentos altamente produtivos.
Finalmente, há muita conversa sobre como o Reconstruir Melhor poderia agravar a inflação —conversa que parece envolver principalmente uma falha ao fazer as contas, por exemplo, confundindo décadas com anos individuais e deixando de dividir pelo Produto Interno Bruto.

É verdade que o preço da lei, US$ 1,75 trilhão (R$ 9,87 trilhões), é, na superfície, muito dinheiro. Mas são gastos ao longo de dez anos, o que significa que os gastos anuais seriam muito menores que o plano de resgate de US$ 1,9 trilhão (R$ 10,72 trilhões) aprovado no início deste ano, ou mesmo a lei de defesa anual de US$ 768 bilhões (R$ 4,33 trilhões) que a Câmara aprovou na semana passada.

Também, grande parte dos gastos seria paga com novos impostos. Além disso, nunca se deveria citar um número de orçamento impressionante sem colocá-lo em contexto. Lembre-se, a economia dos Estados Unidos é enorme. O Escritório do Orçamento avalia que em seu primeiro ano o Reconstruir Melhor ampliaria o déficit em 0,6% do PIB, número que encolheria com o tempo.

Não conheço nenhum modelo econômico que indique que gastos nessa escala fariam muita diferença na inflação. E, como grande parte dos gastos expandiria a capacidade produtiva da economia, provavelmente reduziriam a inflação com o tempo.

O Reconstruir Melhor é perfeito? É claro que não. Mas é a melhor legislação que provavelmente teremos nos próximos anos. E alegações de que deveríamos deixar passar esta oportunidade por preocupações sobre a responsabilidade fiscal ou a inflação são desinformadas no melhor dos casos, desonestas no pior.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves