Sergio Leitão
Maior exportador de carne bovina do mundo, dono do maior rebanho do planeta, o Brasil devolveu aos pecuaristas R$ 123 bilhões, entre 2008 e 2017, sob a forma de isenções, crédito subsidiados e perdões de dívida, –o que equivalente a quase 80% do que o setor paga de impostos anualmente.
O governo não separa os produtores modernos dos atrasados, e gado criado à base do desmatamento sabota os compromissos do país em mudar sua "pegada ambiental", na direção de menos emissões de carbono e maior preservação da floresta. É uma prática danosa, inclusive, para os interesses dos proprietários de terra que investem em aumento de produtividade e se afastam do modelo tradicional de expandir a produção aumentando a área ocupada.
Empresários de práticas mais modernas enfrentam a concorrência desleal da agropecuária baseada na ocupação predatória da Amazônia.
Não há dúvida de que é para fazer passar a boiada que, em grande parte, o Brasil destrói a mata. Estudo recente do Imazon mostra que quatro entre dez cabeças de gado no país estão na Amazônia, em regime de criação ultrapassado e gerador de gases causadores das mudanças climáticas.
A literatura técnica confirma a relação entre desmatamento e a ocupação do solo pela pecuária. A criação de gado, segundo estudo do Instituto Escolhas, é responsável por 73%, em média, das emissões de gases que causam as mudanças climáticas associadas à destruição das florestas do planeta.
Na região do Matopiba, na fronteira de exploração agrícola entre Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Bahia, a criação de gado é causa de 39% dessas emissões. O Brasil ameaça empacar nesses números, quando deveria estar buscando maior valor para seus produtos exportados, investindo em formas de atender às novas exigências dos consumidores que, como já avisam na União Europeia, tendem a criar bloqueios contra produtos oriundos de áreas de desmatamento.
Cálculos do Imazon mostram que 90% da área desmatada na Amazônia é ocupada por pastagens.
Enfrentar esse avanço da pecuária baseado em desmatamento é uma medida incontornável para evitar que mercados internacionais criem barreiras à exportação da produção brasileira de carne.
Uma comparação, para dar ideia de como a pecuária atrasada deteriora também a confiabilidade do país em matéria de redução na emissão de gases-estufa e do desmatamento: no país, em média, a produção e comercialização de cada quilo de carne bovina resulta no equivalente à emissão de 78 quilos de CO2 na atmosfera. No Amazonas, a conversão de floresta nativa em pasto provoca emissões de CO2 equivalentes a 713 kg por quilo de carne produzida. Em Roraima, essas emissões são ainda maiores, de 782 kg.
Esses resultados são, evidentemente, um passivo que o Brasil não deveria carregar, muito menos estimular com dinheiro público. Afinal, pelo cálculo da própria ministra da Agricultura, Tereza Cristina, "no Brasil, existem mais de 90 milhões de hectares de pastos degradados e boa parte disso pode ser incorporada à agricultura sem mexer com nada". Sem mexer com nada, no caso, significa claramente: sem desmatar ainda mais.
E ela tem razão; o país pode seguir em seu papel de grande fornecedor mundial de grãos e de carne, sem aumentar os danos em alguns dos biomas mais importantes do mundo. Mas, apesar disso, o Cerrado e a Amazônia estão ameaçados; e, com eles, a imagem do Brasil e de suas exportações, em um mundo cada vez mais atento às ameaças contra a biodiversidade e os esforços para deter as mudanças climáticas.
O acordo para redução das emissões de metano, assinado na Conferência do Clima, em Glasgow, com apoio do Brasil, fortalece iniciativas da Embrapa, como as pesquisas para a marca de carne de baixo carbono, que pode se beneficiar de financiamento externo desde que o país recupere a credibilidade perdida com o desmonte da fiscalização ambiental dos últimos anos.
O financiamento para a cadeia da carne bovina deve ser canalizado para fortalecer programas oficiais e medidas a cargo de empresários conscientes que aumentem a produtividade, detenham a destruição das florestas e recuperem as áreas desmatadas.
É preciso alinhar os Planos Safra com a modernidade. Que as linhas de financiamento à agricultura sejam vedadas a quem desmata. E que o apoio aos produtores –sejam grandes ou pequenos– esteja claramente condicionado a práticas capazes de posicionar o Brasil entre os países que atendem às demandas de consumidores e investidores por respeito a critérios ambientais, sustentáveis e de governança.
O papel de provedor mundial de commodities agrícolas não pode estacionar o Brasil no passado e perder a oportunidade de aumentar o valor agregado às exportações do setor, com mercados mais exigentes.
Muito menos, aproveitar escassos recursos coletados da sociedade para estimular o retrocesso. Financiamento apenas para quem não desmata.