sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

tudo em todas as coisas

“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.”

Fernando Pessoa , Odes de Ricardo Reis. Lisboa: Ática. 1946 (imp.1994). P. 148.

Numa manhã convalescente, um pouco de poesia de um pedaço do meu coração fora de mim.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Paradeira do PIB, Celso Ming, O Estado de S.Paulo


02 de dezembro de 2021 | 19h14

O rato roeu o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em V, no qual o ministro da EconomiaPaulo Guedes, tanto parecia acreditar.

A foto da atividade econômica do terceiro trimestre revelada pelas Contas Nacionais do IBGE é de queda de 0,1% em relação à do trimestre anterior. No acumulado em 12 meses, é avanço de apenas 3,9%.

  

Se o termo correto para qualificar a atividade econômica é estagnação, então, junto com essa inflação que vai para dois dígitos ao ano, a economia está no campo da estagflação, como reza o jargão dos economistas.

Alguns fatores agravaram o quadro em relação ao anteriormente esperado: a persistência da pandemia; a crise hídrica que derrubou as safras do período e produziu alta dos preços da energia elétrica; a disparada dos preços do petróleo que se seguiu à retomada da economia global; a perda de poder aquisitivo pela inflação e pelo desemprego; e, mais que tudo, a desorganização das contas públicas, que envolveu a política econômica numa onda de desconfiança e conteve os investimentos.

O presidente Jair Bolsonaro só pensa naquilo (reeleição), desistiu de estimular as reformas, não consegue aprovar nem mesmo mudanças cosméticas do Imposto de Renda e não cuidou de promover acordos comerciais para criar mercado para a indústria – que segue estagnada e pressionada

Agropecuária
PIB do setor agropecuário encolheu 8,0% no terceiro trimestre ante o segundo trimestre deste ano, influenciado por perdas nas lavouras por conta da crise hídrica e fraco resultado do segmento pecuário, principalmente na criação de bovinos. Foto: Vivi Zanatta/Estadão

Desta vez, até mesmo o agropecuária levou um baque: queda de 8,0% em relação ao trimestre anterior. Esse mergulho tem a ver com o período de seca que atingiu as plantações. O tom levemente positivo foi mostrado pelo setor de serviços, que avançou 1,1%. Mas, atenção, convém não fazer olho grande nesse particular. Os serviços cresceram sobre uma base fortemente deprimida, porque foi o setor mais atingido pela pandemia. E, mais, é uma das áreas em que a inflação tem feito grandes estragos.

Para não ficar apenas com a imagem de retrovisor, convém olhar para o que vem vindo aí, o que não desperta entusiasmos fora do círculo do ministro.

É possível que o ano termine com um crescimento algo abaixo dos 5%, apenas aparentemente alto. Ele foi contado a partir da derrubada de 2020. O tamanho do PIB hoje não ultrapassou o de antes da pandemia. 

Para 2022, as perspectivas não são lá essas coisas. Grandes instituições, consultorias e empresas já fecharam seus planos com o breque puxado. A Pesquisa Focus, do Banco Central, que ausculta as expectativas dos mais importantes centros de planejamento e negócios, prevê um PIB magro, flagelado pelas incertezas, de avanço de apenas 0,58%.

A variante Ômicron e a falta de entusiasmo também não ajudam. O Brasil continua maior que o buraco, mas isso é pouco para quem precisa tirar o atraso e resgatar a população da miséria e do desemprego. 

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA


Traiu Bolsonaro e foi à Bienal, Conrado Hübner Mendes, FSP

 "Faz escuro mas eu canto" dá título à 34ª Bienal de São Paulo (aberta até domingo). O verso de esperança foi extraído de poema do amazonense Thiago de Mello, publicado em 1965.

Perceber, descrever e entender esse escuro coletivamente é o maior desafio político brasileiro de 2022. Também o foi de outros momentos de grandeza histórica, como 1988.

Ninguém experimenta o escuro da mesma maneira e de um mesmo lugar, mas a democracia precisa traçar linhas compartilhadas que Bolsonaro não só rompeu como nega existir. A democracia precisa voltar a cantar seu canto dos desafinados. Apesar das divergências, tem inimigos comuns que rejeitam qualquer ideal de amizade cívica.

A Bienal ajuda a dar forma à enormidade da ruína bolsonarista, uma ruína jurídica e institucional, material e imaterial, visível e invisível. Muitas instalações jogam luz nesse presente que pede para passar despercebido.

Como tentou Hélio Oiticica, em "A Ronda da Morte", uma festa dançante cercada por homens a cavalo, que deixam à vista o perigo iminente. Ou Carmela Gross, em "Barril", uma lona que cobre objeto misterioso no meio da cidade e esconde o perigo e o malfeito. A lona "decreta sigilo", rotina que já vale até para matrícula escolar de filha do presidente.

Lá se pode apreciar a experiência do cárcere de Joel Rufino dos Santos, professor preso em 1973 por integrar a redação de "A História Nova do Brasil", parte de projeto de reformas na educação brasileira que antecederam a ditadura militar. Da prisão, escreveu cartas ao seu filho de oito anos, revisadas por censores. Romanceava sua ausência:

"Fui convidado pelo governo a contar algumas coisas que eu fiz. Por exemplo: eu dei algumas aulas sobre coisas que o nosso governo não gosta; escrevi alguns livros que o nosso governo também não gostou."

"As aulas que eu dei, as histórias que eu contei e as coisas que eu escrevi —eu acho que são coisas certas. O governo não acha. O juiz é quem vai decidir." O juiz tomou dois anos.

Senado aprovou nesta quarta-feira (1°) nomeação de um "juiz que vai decidir".

Por André Mendonça, Rufino ainda estaria preso: "Para nós não, mas em muitos países a democracia foi conquistada com sangue derramado e vidas perdidas."

Aqui, e só aqui, a democracia teria brotado de oração. No mesmo dia, soubemos que o Ministério da Mulher mandou a polícia atrás de professores em Resende. Andaram ensinando "coisas que o governo não gosta".

A instalação "Evil.27: Notas de Selma" conta como o movimento por direitos civis nos Estados Unidos acompanhou a transição do rádio para a televisão, e o impacto nas conquistas sociais de então.

Na época do boicote aos ônibus de Montgomery, em 1955, a mobilização dependia mais da imaginação e do "horizonte mental complexo" construído pelas palavras do rádio.

O envolvimento no boicote não era produto de evidências visíveis. Já nas marchas de Selma, no Alabama, dez anos mais tarde, a disseminação da TV transferiu a "energia comunicativa para imagens e evidências".

A ausência de imagens, no primeiro caso, ao contrário de atrapalhar os boicotes, teria desencadeado transformação mental coletiva que imagens cruas paralisariam. O conhecimento extraído de um "evento sem imagem" desenvolveria capacidade de imaginação moral que a evidência acachapante atrofiaria. A não visibilidade, argumentam, às vezes produz "a visibilidade mais revolucionária de todas".

As imagens do Brasil contemporâneo não têm gerado reação à altura: o Pantanal em chamas, UTIs em colapso, Manaus sem tubos de oxigênio, criança indígena desnutrida, pessoas na rua em busca de troco para comer osso600 balsas de garimpo no rio Madeira. Não se tolera isso sem um sério déficit de imaginação moral e neutralização política.

Na instalação sobre o filme "Hiroshima Mon Amour", a personagem feminina busca saber da explosão nuclear por meio de explicações e fotografias. O personagem masculino responde: "Você não viu nada em Hiroshima". As coisas mais importantes que ali se passaram não foram visíveis.

Um coral infantil iugoslavo cantava, em Belgrado, no ano de 1987, "meu país é o mais bonito de todos". Reunidos para cantar a mesma música 25 anos mais tarde, após guerra civil de 130 mil mortos, o triunfalismo patriótico se converteu em dor e vergonha.

Bienais assim podem deixar de acontecer. Artistas estão na mira porque fazem coisas que o governo não gosta.