quarta-feira, 12 de maio de 2021

Pandemia de covid-19 esquenta o debate: é possível criar um mundo sem patentes?, OESP

 A concessão de uma patente permite que o seu possuidor explore a venda do produto com exclusividade por 20 anos no mundo todo onde essa regra é aceita. O comércio mundial entre países está regulado pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Muito difícil ou impossível viver fora da OMC.

Quebrar uma patente ou realizar seu licenciamento compulsório, no jargão legal, é criar uma situação excepcional em que o direito do possuidor da patente é suspenso temporariamente. Isso é possível fazer em situações excepcionais previstas no arranjo jurídico de cada país e aceito pela regulamentação especifica da OMC, chamado de acordo TRIPS.

O grande problema com as patentes é que a exclusividade de produzir cria uma barreira ao acesso a medicamentos, seja pela capacidade produtiva - demanda maior que a oferta, caso agora das vacinas contra a covid-19, ou seja por um preço considerado muito extorsivo. Os países pobres e ou de renda media, como é o caso do Brasil, alegam que a relação preço/custo imposta pelos detentores de patentes é abusiva. Esta foi a causa por exemplo, da quebra de patente de um medicamento da aids em um passado recente no Brasil. 

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O governo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden,  anunciou na última semana o apoio à quebra temporária de patentes sobre vacinas contra a covid-19 Foto: Luis Acosta/AFP

A discussão é mundial e sem solução. Em algum momento ela terá de ser enfrentada com vistas a permitir, por um lado, o acesso e, por outro, a remuneração do inventor que investiu em criar uma inovação. Neste tempo de produtos biotecnológicos, voltados para doenças raras, os novos produtos têm tido um preço cada vez mais amargo. É impossível abrir a caixa do custo que permitiria uma discussão mais razoável. E isso devido à expectativa de ganho das empresas farmacêuticas que nada tem a ver com o custo de produção e de investigação.

Quebrada a patente, pode-se produzir? Não. O processo de produção de uma patente sempre tem segredos que não estão depositados e que somente com esforços importantes de engenharia reversa será possível deslindar o processo para obtenção do produto. Assim, a quebra de patentes sem a colaboração do detentor da patente é um ato heroico e vazio. 

Pode-se fazer um acordo de transferência da tecnologia do detentor da patente para a empresa que vai produzir a cópia, como foram os casos da Fiocruz/AstraZeneca e Butantan/Sinovac. Ou ter políticas públicas de incentivo a empresas que desenvolvam a capacidade de produzir cópias por meio da engenharia reversa. Neste caso, as políticas públicas devem prever a remuneração dos esforços dessas empresas com financiamentos específicos e ou reserva de mercado por algum período, por exemplo. Neste exemplo, esse esforço deve ser realizado ao final da validade da patente ou através do ato legal mencionado de quebra da patente que, se não for adequadamente embasado, irá desaguar em discussões jurídicas internacionais que poderão ter consequências comerciais para o país que realiza o ato.

Neste momento em que o mundo tem falta de oferta de vacinas, e no qual a China e a Rússia estão utilizando sua capacidade produtiva para realizar uma diplomacia da vacina, o presidente Biden, dos Estados Unidos, fez um lance de mestre. Chegou por último, mas sentou na janelinha!

Sim, ainda estamos distantes de aumentar a oferta de vacinas. Mas é importante notar que a Big Farma não percebeu a importância e a excepcionalidade deste momento em que ela poderia, com um custo pequeno, limpar um pouco sua imagem de voragem de lucros ao propor alternativas para a vacinação no mundo.

O presidente americano está mirando um mundo em que se volte a comerciar e ganhar dinheiro, e isso somente será possível se o vírus parar de circular e produzir casos, mortes e mutações. Ou seja, um mundo vacinado. A pergunta do título, no entanto, continua sem resposta.


Solto, Eduardo Cunha abre mão de conta milionária que estava bloqueada na Suíça, FSP

 Felipe Bächtold

SÃO PAULO

O ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) abriu mão de valores milionários que estavam bloqueados na Suíça e os repatriou ao Brasil para pagar obrigações processuais impostas na Lava Jato.

Ofício da Caixa Econômica Federal do último dia 4 informou o recebimento em uma conta judicial vinculada a um caso do político de uma quantia, em dólares, euros e francos suíços, equivalente a R$ 12,4 milhões.

Segundo a defesa afirmou à Justiça Federal, os valores se referem a uma conta no exterior que tinha sido alvo do primeiro processo no Paraná no qual ele foi condenado, que incluía o crime de evasão de divisas.

Cunha quer usar parte dos valores que estavam na Europa para quitar a reparação de danos (um tipo de indenização aos cofres públicos pelo crime cometido).

O ex-deputado, artífice do afastamento da então presidente Dilma Rousseff em 2016, obteve na semana passada o direito de responder em liberdade a acusações que tramitam no Paraná, no DF e no Rio Grande do Norte. Em 2020, ele já havia conseguido ir para a prisão domiciliar após argumentar que corria risco na cadeia diante da disseminação do novo coronavírus.

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No caso que motivou a repatriação de valores, ele foi condenado por receber propina em negócio da Petrobras em Benin, na África, e por manter depósitos não declarados fora do país.

Em segunda instância, a pena foi fixada em 14 anos e meio de prisão. O processo agora está no Superior Tribunal de Justiça.

Só a título de reparação de danos nessa condenação, o valor foi calculado em R$ 4 milhões. Há ainda a aplicação de multa, fixada em outros R$ 3,2 milhões, a ser paga quando não houver mais recursos no caso.

Quitando a reparação de danos, Cunha pode pleitear a progressão de regime quando eventualmente o processo tiver uma decisão final. Ele ficou detido em regime fechado de outubro de 2016 a março de 2020.

No fim de 2019, Cunha enviou carta a autoridades suíças renunciando de maneira irrevogável aos ativos da conta no banco Julius Baer. Os valores tinham sido bloqueados ainda na época em que o caso estava no STF (Supremo Tribunal Federal), quando o ex-deputado possuía foro especial.

Agora, para que o abatimento dessas pendências financeiras se concretize, ainda é preciso aval da Justiça Federal. Na segunda-feira (10), o juiz federal Danilo Pereira Júnior, da 12ª Vara Federal de Curitiba, determinou que o Ministério Público se manifeste sobre o assunto em um prazo de cinco dias. Os procuradores anteriormente já haviam concordado com o pedido.

A parcela que não for gasta com a reparação de danos, propôs a defesa, ficará bloqueada para a quitação de dívidas de outras ações penais.

O ex-deputado possui ainda outras duas condenações em primeira instância, no Paraná e no DF.

Os advogados afirmaram na Justiça que ele renunciou à quantia de maneira espontânea, antecipando a repatriação dos valores que ocorreria apenas quando não houvesse mais recursos.

Com essa colaboração, esperam também a redução da pena em até dois terços. Ainda assim, a defesa deve permancer contestando o teor das acusações. No processo, negou que tenha havido crime de evasão de divisas sob argumento de que não tinha obrigação de declarar esse tipo de posse fora do Brasil.

A descoberta de contas não declaradas na Suíça, em 2015, quando Cunha era presidente da Câmara dos Deputados, estimulou o andamento de um processo contra ele no Conselho de Ética da Casa, ampliando a crise política da época.

Na ocasião, ele afirmou que o dinheiro tinha origem lícita, fruto de negócios fora do país antes de virar político, como a venda de carne enlatada e investimento em ações.

Pressionado e acusado por colegas de mentir por ter dito que não possuía contas no exterior, o então deputado decidiu no fim de 2015 dar andamento a um pedido de impeachment de Dilma.

A então presidente foi derrotada em votações na Câmara, em abril de 2016, e no Senado, um mês depois. Acabou cassada de maneira definitiva em agosto daquele ano.

Pouco depois, Cunha foi cassado no plenário da Casa, acusado de quebra de decoro. Sem mandato, foi detido por ordem do então juiz Sergio Moro.

Na cadeia, o ex-deputado chegou a negociar um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público, mas as conversas não prosperaram.

Em abril, o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) revogou a ordem de prisão preventiva em vigor desde 2016. Na semana passada, outro tribunal, o TRF-1, com sede no DF, também reviu outra ordem de detenção, citando a prolongada prisão provisória.

Em entrevista à Folha no mês passado, Cunha disse que sua prisão foi um "troféu político" para Moro e que serviu para a Lava Jato mostrar "suposta isenção" em relação ao PT.

Também afirmou que sua defesa recebeu proposta de procuradores para gravar conversa com o então presidente Michel Temer, o que diz não ter cogitado fazer.