quarta-feira, 12 de maio de 2021

CONGRESSO NACIONAL Inépcia e inoperância, Delfim Netto, FSP

 O início dos trabalhos da CPI da Covid veio ressaltar, caso ainda houvesse alguma dúvida, a característica mais marcante do governo Bolsonaro: a completa incapacidade de se organizar politicamente para implementar qualquer estratégia.

Tanto a instalação quanto a configuração da CPI evidenciam uma combinação muito peculiar entre a inépcia e a falta de interesse em obter-se um governo funcional. O caso mais emblemático talvez seja a produção, pela Casa Civil, de uma cuidadosa lista de 23 crimes potenciais cometidos pelo governo, numa tentativa, atrapalhada e tardia, de reagir ao avanço da CPI.

O presidente Bolsonaro revela baixíssimo interesse em resolver problemas —do Brasil ou do governo. No primeiro caso, se abstém de apoiar as escolhas difíceis a serem feitas e as reformas econômicas de que o país precisa. Quando se manifesta, é para diluí-las ou proteger pequenos grupos. Na reação à crise da Covid, limitou-se ao (necessário) suporte financeiro aos estados e municípios, mas abdicou da prerrogativa de coordenar as ações que pudessem dar um mínimo de racionalidade ao enfrentamento da pandemia.

Com relação à disfuncionalidade dentro do governo, as oitivas de ex-ministros na CPI e a confecção da peça orçamentária são os exemplos mais recentes. Os depoimentos deixaram clara a resistência do governo em exercer o papel de organizar uma mensagem consistente para a população e em formular diretrizes claras para os entes federados.

Os protocolos de atendimento aos pacientes são apenas um dos exemplos. Qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento sobre a heterogeneidade do Brasil sabe a dimensão de sua importância, principalmente nas localidades de menor capacidade estatal. Apenas agora, maio de 2021 e em plena CPI, tais expedientes estão sendo finalmente concluídos pelo Ministério da Saúde.

A construção do Orçamento, cujo norte é sempre muito afetado pelo Executivo, também foi reveladora da maneira como o governo atua.

Disputas públicas entre ministérios e destes com o Congresso foram observadas à distância por um presidente que se recusa a liderar e arbitrar. A tática de mostrar indiferença sobre os resultados e terceirizar os custos a todo o momento, a um alto preço, se traduz inevitavelmente em um ambiente de ruído, conflito e confusão, com claros reflexos sobre a tragédia sanitária e sobre uma retomada mais robusta da economia.

Nessa confluência entre incompetência e indiferença, é difícil precisar a proporção de cada uma. Vivemos o caso curioso do governo que paga caro para abrir mão da sua prerrogativa de liderança apenas para poder dizer que nada pôde fazer sobre coisa nenhuma.


CONGRESSO NACIONAL Pequeno manual para a CPI, Ruy Castro FSP

 Uma sessão de CPI, em que parlamentares interrogam judicialmente um depoente, se parece com uma coletiva de imprensa, em que jornalistas fazem perguntas a uma pessoa. Em ambas, o objetivo é extrair informações. O entrevistado pode omitir ou mentir para os repórteres, porque sabe que nada lhe acontecerá. Já o inquirido pela CPI está sob juramento. É obrigado a responder a tudo e só dizer a verdade, ou sair dali preso. Mas, na prática, contando com a própria esperteza ou com o despreparo dos inquisidores, ele também omite ou mente à vontade e volta para casa assobiando.

Tanto o entrevistado como o inquirido percebem logo o que o espera. Repórteres e inquisidores vaidosos, adeptos de perguntas longas, em que uma questão vai saindo de dentro da outra —e, no fundo, respondendo-se mutuamente—, não oferecem perigo. Dão tempo para que o sujeito mastigue com calma o assunto e prepare uma resposta neutra. O que ele teme são perguntas curtas, diretas, objetivas, que não lhe deixem brecha para escapar. Ou responde e assume o risco ou mente e tenta fugir, mas isso será tão ostensivo que permitirá a quem pergunta um repique tão agudo quanto.

Nem todos os repórteres e parlamentares se dão conta de que o importante não é a pergunta, e sim a resposta. Mas, para isso, a pergunta, além de à queima-roupa, exige trabalho de casa. Perguntas sobre “o que o senhor acha” ou “sabe” sobre isso ou aquilo dão margem a vaguezas ou surtos de amnésia. A pergunta certa ainda é aquela que os antigos jornalistas aprendiam: a que começa com quem, quando, onde, como, por que e com quem —e termina por um mortífero ponto de interrogação.

Antes de perguntar, deve-se também prever uma possível resposta e preparar o repique. Nenhuma pergunta pode ficar sem resposta.

Se for para ficar, é melhor sair dali, entregar a chave ao porteiro e continuar o papo no botequim.

Hélio Schwartsman Esqueceram dos homens, FSP

 Já vi gente séria defendendo que se priorize a vacinação contra a Covid-19 de pretos, pardos, moradores de favelas. No caso de indígenas aldeados e quilombolas, os dois grupos foram incluídos na lista de preferências do Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Categorias profissionais, como policiais, professores, motoristas de transportes públicos, também encontraram seus propagandistas. Assim como portadores de comorbidades, as frequentes e as raras.
Essa é uma daquelas situações em que todos têm razão –o que não significa necessariamente que o Estado possa ou deva atender a todas as demandas. Os pleitos estão quase sempre amparados em estudos que apontam risco aumentado de infecção, hospitalização e morte para cada um desses grupos. Nas situações em que falta uma boa pesquisa, sobram considerações pragmáticas, como o valor social da educação.

Talvez tenha sido um lapso de atenção meu, mas não vi uma única voz propondo dar preferência vacinal aos homens, muito embora pertencer ao gênero masculino seja um dos mais conhecidos fatores de risco para a Covid-19. Uma metanálise envolvendo mais de 3 milhões de pacientes em todo o mundo publicada na Nature mostrou que homens têm risco quase três vezes maior do que mulheres de parar numa UTI. A chance de eles morrerem é 40% maior que a delas.

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Boa parte da maior fragilidade masculina se explica pelo fato de homens terem em geral pior saúde do que mulheres, acumulando mais comorbidades como hipertensão e cardiopatias variadas. Mas não é só. Ao que tudo indica, há também diferenças no sistema imune que tornam o homem mais suscetível a infecções.

Meu ponto é que, apesar de haver em princípio razões médicas a recomendar a priorização de homens numa campanha de vacinação, por razões sociológicas, ninguém ousa fazê-lo. Parece haver um custo reputacional em defender um estamento que passou a ser visto como o opressor.