Alguém deve se lembrar de "Cocoon". Lançado em 1985, fez sucesso, teve uma continuação, deu um Oscar de ator coadjuvante a Don Ameche, volta e meia reaparece numa vadia sessão da tarde. No streaming, como acontece a qualquer filme com mais de 30 anos, é considerado um "clássico".
Valendo as etiquetas das antigas locadoras de vídeo, é uma comédia dramática, com toques de ficção científica: extraterrestres têm a missão de resgatar casulos que estão na piscina de uma casa abandonada. Sem desconfiar de nada, três aposentados que vivem num asilo da Flórida banham-se nela e descobrem, na água energizada, a fonte da juventude. Da noite para o dia, os velhinhos tornam-se brotinhos, fazendo de novo todas as estripulias de que sentiam saudade.
Um bairro do Rio, hoje, é um cenário real de "Cocoon": Copacabana, com a maior concentração de idosos do país (quase um terço dos moradores tem mais de 60 anos) e que, no ano passado, chegou a liderar na cidade o número de casos de mortes pela Covid-19. À medida que a vacinação avançar, eles deixarão o casulo dos apartamentos. Não só para ir ao posto de saúde como para retomar suas atividades --a maioria usando máscara e respeitando o distanciamento social.
Elegantes, perfumadas, algumas com os cabelos pintados de um azul suave, as mulheres voltarão a trabalhar (sim, muitas ainda trabalham em pequenos negócios no bairro), irão às compras e à missa, visitarão as amigas, os filhos e os netinhos. Menos vistosos, os homens jogarão peteca e irão caminhar no calçadão com o seu uniforme: óculos de sol, tênis, sunga, capanga. Sem camisa, para reaver o bronze perdido. Ao fim do passeio, matarão a sede com chope ou água de coco.
Não vacinar e sabotar a imunização —como o governo Bolsonaro se esforça em fazer— impede que a vida se restabeleça. Pior: permite que ela seja interrompida para sempre.