terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Montadoras e usinas se unem para tornar etanol solução global para reduzir emissões de carros, OESP

 Uma frente formada por montadoras de veículos e usinas de álcool iniciou discussões com governo federal sobre um projeto para colocar o etanol como uma das soluções globais para mover carros elétricos sem gerar poluentes. A ideia do grupo é acelerar pesquisas e desenvolvimento para uso do etanol em carros híbridos e também movidos a célula de combustível, por meio da retirada do seu hidrogênio para movimentar o motor elétrico. Os dois setores dizem estar dispostos a investir na empreitada.

Para o Brasil, uma das vantagens seria o uso de um combustível farto no País, a preservação da infraestrutura de postos de distribuição e a não necessidade de postos de recarga, pois, no caso da célula de combustível, a energia seria gerada dentro do próprio carro com uma pegada de carbono muito baixa. Além disso, as energias hidrelétrica, eólica e solar ficariam para o abastecimento industrial e residencial.

Só para desmobilizar toda a infraestrutura de abastecimento de líquidos e transformar em fornecimento de energia elétrica seriam gastos cerca de R$ 1,5 trilhão, segundo estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Já há países interessados no projeto brasileiro, entre os quais Índia, Indonésia, Tailândia e África do Sul, segundo o presidente da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica)Evandro Gussi

A sugestão de formar essa frente partiu do presidente da Volkswagen América do Sul e Brasil, Pablo Di Si, para quem a nova tecnologia “poderia dar ao Brasil outra dimensão a nível global” para o projeto de eletrificação veicular. A proposta já teve a adesão das 150 associadas da Unica e de algumas montadoras, mas a ideia é que a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) assuma o tema.

Pablo Di Si
Pablo Di Si, presidente da Volkswagen na América do Sul e Caribe Foto: Werther |Santana/ Estadão

Técnicos dos ministérios da AgriculturaInfraestrutura Minas e Energia que ouviram a proposta demonstraram interesse, informa Di Si. Para desenvolver o projeto, o executivo tem apoio do presidente mundial da Volkswagen, Herbert Diess. Em recente entrevista, ele disse que “o etanol é adequado para a etapa intermediária de um acionamento totalmente elétrico” e que “existe uma indústria no Brasil para isso”.

No caso da Europa, afirma Diess, não há suporte político para biocombustíveis. Vários governos da região incentivam a compra de carros elétricos com subsídios que chegam a 10 mil mas, conforme lembra Gussi, há locais em que o fornecimento da energia vem de fontes fósseis. “O carro não emite poluentes, mas a eletricidade que ele usa vem de uma usina a diesel ou carvão”, diz. “A eletrificação é importante, ajuda, mas sozinha não é capaz de resolver o problema das emissões.”

Universidades

Segundo Di Si, além de montadoras, usinas e governo, o projeto vai envolver diversas universidades para o desenvolvimento da tecnologia que permita ao etanol ser mais uma alternativa para abastecer carros elétricos. “Já se consegue captar energia do sol e do vento, por que não fazer o mesmo com o etanol?”, questiona o executivo, para quem o Brasil poderá inclusive exportar conhecimento e inovação.

A nova investida de colocar o etanol como um dos protagonistas do “combustível verde” ocorre num momento em que todo o mundo discute formas de reduzir emissões. “Com todas as tormentas da pandemia da covid-19, uma das coisas que ficou de pé foi a demanda por uma mobilidade sustentável”, ressalta Gussi. De acordo com ele, estudos mostram que um veículo rodando a etanol tem emissões menores do que o melhor elétrico rodando na Europa hoje, principalmente quando se leva em consideração todo o processo produtivo – no caso do etanol, desde o plantio da cana.

“Teríamos uma fonte energética de baixíssima pegada de carbono aliada à eletrificação, que traz ainda mais eficiência para o processo”, diz o presidente da Unica. Ele lembra que o Brasil já tem experiências e cita os casos da Toyota, fabricante no Brasil do Corolla híbrido flex, que permite o uso de gasolina ou etanol para gerar a energia da bateria; estudos da Nissan para uso do etanol de segunda geração como fonte de energia de veículos a célula de combustível; e o projeto da Fiat de um motor só a etanol, que vai reduzir a diferença de consumo do combustível da cana de açúcar, hoje 30% maior que o da gasolina.

Soluções

Gussi afirma ainda que, em breve, o etanol será neutro em emissões pois, para certificar-se no programa RenovaBio – programa do governo federal que tem objetivo de elevar a produção de biocombustíveis no País, toda usina precisa medir o nível de emissão em cada um dos processos produtivos – por exemplo, o do trator a diesel usado na plantação da cana – e buscar formas de neutralizá-la.

“É a primeira vez que, provavelmente, se tem uma demanda por descarbonização tão forte, tão evidente, sem ponto de retorno como essa que estamos experimentando. Ou seja, há uma demanda fortíssima por redução de emissões e há uma corrida por alternativas que ofereçam esse processo, e nós temos uma das grandes soluções para o mundo”, diz Gussi.

Procurada para comentar o assunto, a Anfavea informa que o tema ainda está sendo debatido com as associadas da entidade dentro da segunda fase do programa Rota 2030 (que estabelece metas para eficiência energética) e ainda não há um alinhamento das empresas.


Vítima de racismo na adolescência, tenente-coronel negro da PM vai revisar código da corporação, Marcelo Godoy, OESP

Evanilson de Souza tinha 15 anos no dia em que foi abordado com o irmão, um amigo e um primo por seguranças. “Vocês vão ter de sair do shopping.” O jovem negro, seus parentes e o amigo – um oriental – estavam de bermudas, motivo alegado pelos vigias para a ordem de expulsão. “Então, porque vocês não tiram os brancos que estão de bermuda aqui?”, questionaram. Souza havia levado o primo, que morava no interior do Paraná, para conhecer o shopping, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. “Queriam nos tirar dali porque éramos negros. Foi racismo.”

Hoje, 35 anos depois, Souza é tenente-coronel da Polícia Militar de São Paulo e o primeiro negro a comandar o 11.º Batalhão da corporação, responsável pelo patrulhamento da área mais nobre da capital paulista, os Jardins, na mesma zona oeste. Recebeu ainda do comando uma nova missão: rever os procedimentos da corporação para combater o racismo nas ruas do Estado.

Evanilson de Souza
Evanilson de Souza, tenente-coronel da Polícia Militar de São Paulo  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“Um branco não sabe o que é o racismo. Eu sei. Vejo o racismo no olhar de quem é racista”, disse o oficial. Católico,  Souza foi designado para o grupo de trabalho que está reformulando o manual de direitos humanos da PM. A corporação informa que decidiu que era preciso “avançar no estímulo às práticas de combate ao racismo”. A ideia é de que não basta “o policial não ser racista, ele tem de combater de maneira clara qualquer manifestação de racismo com a qual tenha contato no trabalho”.

Ou seja, a ideia é acabar com posturas como a cultura do “deixa disso” diante de uma acusação de racismo, a tendência de se contemporizar, por exemplo, com injúrias raciais, como se o autor do crime tivesse agido “sem querer ofender”. “O procedimento operacional será claro: o racismo não será tolerado”, disse o tenente-coronel Souza. A atual versão do manual de direitos humanos da PM foi feita em 1998, ainda no governo de Mario Covas (PSDB) e dedica pouco mais de 20 linhas à questão racial e de gênero no capítulo sobre igualdade. "Toda atitude deve buscar a igualdade e abominar a discriminação."

A decisão de rever e aprofundar os procedimentos operacionais da polícia acontece em um momento em que a corporação é questionada pelo movimento negro a respeito de suas práticas. Há denúncias de abordagens desrespeitosas ou preconceituosas. O Comando da PM diz punir qualquer manifestação de racismo entre seus homens, mas alega que a instituição não se encontra suspensa no espaço. Ela está inserida em uma sociedade onde o racismo é estrutural.

“Quem chama o policial e aponta o suspeito? Quem telefona para o 190 e diz que um negro é uma pessoa que está em atitude  suspeita?”, diz o tenente-coronel. Símbolo dos questionamentos enfrentados pela PM é o caso do advogado Sinvaldo José Firmo. Em 2018, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o Estado a pagar indenização de R$ 15 mil em razão de uma revista abusiva, feita em 2010 por policiais militares no filho do advogado, então com 13 anos. “A polícia precisa ouvir quem é vítima, pois ela precisa defender a todos na sociedade, indistintamente”, afirmou o advogado, que é negro.

A PM não tem estatísticas sobre os casos de injúria racial atendidos pelos seus homens no Estado. Em 2019, a corporação foi acionada apenas 15 vezes pela população para atender denúncias de racismo. Mas o comando acredita que essa cifra está subestimada, pois muitos dos casos de injúria racial são registrados como injúrias comuns ou como mero desentendimento entre as pessoas.

A corporação também não dispõe de números sobre ocorrências em que seus homens são vítimas de injúria racial. Ao todo, 44% dos praças da PM são pretos ou pardos; esse número cai para 22% entre os oficiais intermediários (tenentes e capitães) e para apenas 12% entre os superiores, como os coronéis, demonstrando a desigualdade presente na sociedade.

Aulas

A PM firmou uma cooperação com a Faculdade Zumbi dos Palmares e instituiu há uma década aulas de diversidade para a formação de seus homens. Para o advogado Sinvaldo, as iniciativas são ainda insuficientes. Ele enxerga nas abordagens feitas por iniciativa dos policiais um filtro racista. “Para que esses cursos deem frutos na polícia, seria necessário que desde o secretário da Segurança até os comandantes de batalhões participassem dessa reciclagem.”

Dentro da corporação, o tenente-coronel Souza afirma não presenciar casos de racismo sem punição. Filho e neto de policiais militares, Souza disse sentir os efeitos do racismo na sociedade. “Fui mais abordado pela polícia antes de ser policial. Foram quatro ou cinco vezes.” Na época, o jovem Souza pensava que não tinha feito nada para merecer ser abordado pela PM. “Depois, voltei a ser abordado, mas eu compreendi as razões da abordagem pela situação em que elas aconteceram”, disse.

Católico, o coronel conheceu sua mulher em uma comunidade da Igreja. Tiveram duas filhas. “Nós negros somos marcados e nos protegemos para não passar por constrangimentos”, contou. Para o coronel, não há dúvida de que há racismo no Brasil. E muito. “Ele é estrutural. Quando um jornalista confunde o atleta de um clube com um pegador de bolinhas, como se esse fosse o único lugar do negro na sociedade, é o racismo que se manifesta ali. Esse olhar que designa o negro como subalterno é racismo.” Para o coronel, a situação só vai melhorar quando o fato de ele ser negro se tornar algo natural.

Evanilson de Souza
Evanilson de Souza, tenente-coronel da Polícia Militar de São Paulo  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

No começo do ano, Souza foi a uma reunião do Conselho de Segurança dos Jardins. Ao chegar, viu que o representante da Guarda Civil não tirava os olhos dele. O guarda, que também era negro, se aproximou e sentou ao lado do oficial. “Vi que os olhos dele marejaram. Eu olhei para ele e disse: 'Eu sei o que você está pensando'. E ele me disse: 'O senhor sabe, né? Eu senti orgulho de sentar ao seu lado'.” A tarefa do tenente-coronel Souza é agora tentar transformar a PM em mais um instrumento de transformação dessa realidade, dentro e fora dos quartéis.

Estatísticas

A chance de um negro ser morto pela polícia em São Paulo é três vezes maior do que de brancos e a possibilidade de ele ser detido em flagrante pela polícia é 2,9 vezes maior na capital do Estado. Os dados fazem parte da pesquisa Policiamento Ostensivo e Relações Raciais: Estudo Comparado sobre Formas Contemporâneas de Controle do Crime, feita por pesquisadores de quatro Estados que participaram da pesquisa – Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade de Brasília (UnB), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Fundação João Pinheiro – e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodoc).

De acordo com a professora Jacqueline Sinhoretto, da UFSCar, a pesquisa teve “como objeto investigar o modelo de policiamento ostensivo e suas relações com a seletividade da ação policial com base em atributos raciais dos suspeitos de crimes”. Os pesquisadores também entrevistaram paulistas, mineiros, gaúchos e pessoas do Distrito Federal para tratar de prisões em flagrante e mortes em decorrência de ação policial. Pelos dados coletados pela pesquisa, “no Estado de São Paulo, considerando os dados entre 2008 e 2018, a taxa de letalidade policial por 100 mil habitantes negros é três vezes maior do que a taxa por 100 mil habitantes não negros, mas pode chegar a ser sete vezes maior na capital, a depender do ano”.

Ainda de acordo com os pesquisadores, a “análise de razão de chance indica que a probabilidade de ser morto pela polícia aproxima a experiência dos pardos à dos pretos”. “São grupos que se aproximam pela forma de tratamento, distanciando-se do que ocorre com o grupo de brancos.” Os dados mostram que há brancos mortos pela polícia, “mas não na mesma proporção”.

Abstenções, brancos e nulos em SP superam votos em Covas no 2º turno, FSP

SÃO PAULO

A soma de abstenções, votos brancos e nulos na cidade de São Paulo superou a votação recebida por Bruno Covas (PSDB), reeleito no segundo turno deste domingo (29). O atual prefeito teve 3.169.121 votos, enquanto o montante acumulado dos que não escolheram nenhum candidato chegou a 3,6 milhões.

No primeiro turno, Bruno Covas e Guilherme Boulos (PSOL), que foi ao segundo turno, juntos, somaram 2.832.873 de votos.

Desde 2012, São Paulo registra aumentos consecutivos no número de eleitores que não escolhem um representante nas urnas.

Enquanto no primeiro turno das eleições municipais deste ano a capital paulista teve 3,6 milhões de eleitores neste grupo, em 2016, o número foi de 3,1 milhões e, em 2012, 2,5 milhões.

Já no cenário de segundo turno, o número foi de 2,5 milhões em 2012 —não houve segundo turno na capital no pleito de 2016, no qual João Doria (PSBD) foi eleito.

O montante que não votou em nenhum dos candidatos representa 40,6% do eleitorado neste ano, tanto no primeiro quanto no segundo turno. Em 2016, o percentual era de 34,8% no primeiro turno.

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Isso significa um aumento de 20,6% de 2012 para 2016 e de 16,5% de 2016 para 2020 em primeiro turno. No segundo, a variação de 2012 para 2020 totalizou 38,7%.

As zonas eleitorais que registraram os maiores índices de eleitores que não escolheram candidato foram Santa Ifigênia (46,8%), Bela Vista (44,5%), Jaçanã (43,1%), Itaim Paulista (43%) e Itaquera (42,8%).

Já as menores taxas foram registradas nas zonas eleitorais da Saúde (37%), Pinheiros (37,3%), Butantã (37,5%), Santo Amaro (38,1%) e Grajaú (38,2%).

Os dados mostram que a maior porcentagem de eleitores que votaram em um dos candidato em São Paulo é de 63%, na Saúde. O menor índice, na Santa Ifigência, é de 53,2%, quase metade do eleitorado.

Santa Ifigênia também foi a zona eleitoral que registrou o maior número de abstenções na cidade neste segundo turno, com 39,78%. Já o menor índice foi registrado em Parelheiros, com 26,14%.

O retrato geral da cidade de São Paulo é similar aos números do Brasil. No segundo turno deste ano, o país totalizou 14,7 milhões de eleitores que não escolheram um candidato, o que representa 38,4% do eleitorado.

Em 2016, essa porcentagem era de 32,8% e, em 2012, 26,6%. Esse grupo é menor no primeiro turno das eleições, quando o percentual foi de 30,6%. De 2016 para 2020, o aumento foi de 17,3% de abstenções, brancos e nulos juntos.

Em relação às abstenções, o país registrou recordes no primeiro e no segundo turno deste ano. Neste domingo, a taxa foi de 29,5%, o maior índice desde 1996.

Já no último dia 15, a parcela dos que não compareceram às urnas foi de 23,1%, o maior dos últimos 20 anos. Houve aumento consecutivo de abstenções no segundo turno das eleições municipais desde o ano 2000 nos segundos turnos municipais. O ranking de ausências é liderado pelo pleito atual, seguido por 2016 (21,6%).

Em São Paulo, a taxa de abstenções foi de 30,81% do domingo (29). No primeiro turno deste ano, o índice foi de 29,3%. Em 2016,era de 21,8% e, em 2012, 18,5%.

Enquanto a abstenção foi elevada na capital de São Paulo, o litoral paulista ficou lotado neste domingo. A Folha percorreu praias e, além da lotação, verificou baixa adesão ao uso de máscaras, mesmo dentro de comércios.

Já em relação à variação das abstenções pela cidade de São Paulo, um levantamento da Folha mostrou que regiões periféricas da cidade apresentaram os aumentos mais expressivos de absenteísmo entre as eleições municipais de 2016 e 2020.

As áreas que tiveram os maiores aumentos nas abstenções foram Vila Formosa (42,2%), Cidade Tiradentes (42%), Perus (40,8%), Guaianazes (40,6%), Vila Jacuí (40%) e Brasilândia (39%), todas em regiões periféricas da capital paulista.

Essas áreas também são as com os menores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da cidade. Guaianazes e Cidade Tiradente, por exemplo, ficam na subprefeitura de Guaianazes, com o menor IDH do município (0,713). O índice considera aspectos de longevidade, educação e renda.

Essas zonas eleitorais que registraram as maiores variações na abstenção também têm números importantes de pessoas aptas a votar, o que dá ainda mais peso para essa ausência nas urnas.

Brasilândia, por exemplo, tem 239.785 aptos a votar, a quarta maior zona da cidade. É o caso também de Perus, décima com maior eleitorado, com 187.793.