quarta-feira, 4 de março de 2020

Tereza e Mandetta, dois êxitos num governo que vive em loucas cavalgadas para nada, Elio Gaspari, FSP


Os dois ministros são apenas normais, cuidam do expediente e evitam brigas públicas




Tereza Cristina e Luiz Henrique Mandetta são dois ministros de Jair Bolsonaro que abrem a quitanda às seis da manhã com beringelas para vender e troco para as freguesas.
Ela, desde os seus primeiros dias no Ministério da Agricultura. Ele, na Saúde, administrando o problema do coronavírus. Pode-se discordar de algumas de suas ideias, ou mesmo de todas, mas deve-se reconhecer que fazem seus serviços. Ambos pertencem à escola do centroavante Dario (o preferido do general Emílio Médici para a seleção de 1970). Numa época em que se falava muito em problemática, ele informou: "Eu dou a solucionática".
A biografia e o comportamento de Tereza Cristina e Mandetta são uma aula de política e de administração. 

A ministra Tereza Cristina, durante entrevista para Folha e UOL
A ministra Tereza Cristina, durante entrevista para Folha e UOL - Ian Cheibub - 7.fev.20/Folhapress
Começando pela biografia. Ela vem da cepa oligárquica dos Corrêa da Costa. Desde a Regência, eles governaram Mato Grosso 11 vezes. Sabe-se lá quando a primeira Corrêa da Costa conseguiu um diploma universitário, mas Tereza Cristina formou-se em engenharia agronômica e tocou sua empresa.
Mandetta vem de uma cepa neo-oligárquica, primo de senador, de deputado e do prefeito de Campo Grande. Um irmão meteu-se em negócios com o rei do jogo no estado. Ele formou-se em medicina, é ortopedista, trabalhou em hospitais e dirigiu a Unimed de seu estado.
Os dois foram deputados. A atividade parlamentar obriga a ouvir e negociar. Um deputado pode saber que tem razão e que está sendo contraditado por um larápio ignorante, mas aprende a se comportar como se estivesse diante de Rui Barbosa. O Congresso educa, mesmo não se podendo dizer que o deputado Bolsonaro tenha aprendido muita coisa. Lá, o vencedor tonitruante é um bobo. (Eduardo Cunha ganhou todas, está preso)
Esses dois ministros bem-sucedidos trabalharam em rotas diferentes. Ela, costurando por dentro, acalmou os ânimos com a China e reabriu o mercado americano para a carne brasileira. Carrega o piano sabendo que tem agrotrogloditas por perto e um ministro do Meio Ambiente que repete coisas que não deveria nem ouvir. 
Diante do coronavírus Bolsonaro entrou em campo dizendo que custaria muito caro repatriar os brasileiros que estavam na China. Fez isso depois de se reunir com quatro ministros. 
Mandetta (que não estava na reunião) coordenou com clareza as ações do seu ministério e valorizou os profissionais dos estados. Além disso, passou mais tempo diante das câmeras falando do coronavírus do que o general da reserva Augusto Heleno e o doutor Paulo Guedes em todas as suas vidas. Não criou atritos e satisfez quem o ouviu.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em seu gabinete em Brasília
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em seu gabinete em Brasília - Pedro Ladeira - 27.fev.20/Folhapress
Tereza Cristina e Mandetta estão fora da linha de exibicionismo e evangelização que enferruja o governo. Com jeito de quem não queria nada, o ministro da Saúde disse que a construção-relâmpago de um hospital na China foi um exagero e que lavar as mãos é proteção mais eficaz do que o uso de máscaras. 
Ao estilo Guedes-Heleno, poderia ter dito o seguinte: "O que os chineses fizeram foi uma palhaçada típica dos regimes comunistas (Heleno) e social-democratas (Guedes). Brasileiro tem que aprender a lavar as mãos (ambos)."
Isso para não falar no que diria Abraham Weintraub: "Petistas estão indo aos hospitais simulando sintomas para provocar pânico na população". Já o ministro Sergio Moro chegaria para a entrevista coletiva dirigindo uma ambulância.
Pode parecer que Tereza Cristina e Mandetta são excêntricos, mas excêntricos são os tempos em que se vive. Eles são apenas normais. Cuidam do expediente e evitam brigas públicas. Num governo que vive em loucas cavalgadas para nada, isso até espanta.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

Copom atrás da curva, OESP

No comunicado e na ata da sua última reunião, em 5 de fevereiro, o Copom descreveu o cenário externo como favorável aos mercados emergentes, mas desde que o pânico com o temor de uma pandemia do coronavírus tomou conta de investidores e analistas, não somente os indicadores da atividade econômica global se deterioraram bastante, como as condições financeiras tiveram um forte aperto.
O dólar se valorizou ante as principais moedas internacionais e aqui ultrapassou o patamar de R$ 4,50. As bolsas mundiais registraram um forte tombo desde a última reunião do Copom. Do dia 5 de fevereiro até o seu pior momento, na sexta-feira passada, o S&P 500, um dos principais índices do mercado acionário dos EUA, acumulou uma queda de 11,4%. O Ibovespa teve desempenho semelhante, com perda ao redor de 11%.
Na China, o índice de gerente de compras (PMI, na sigla em inglês) industrial caiu de 50,0 em janeiro para 35,7 em fevereiro, sinalizando uma contração da atividade manufatureira bem mais forte do que os analistas haviam estimado, já contabilizando o impacto da paralisação ou redução do nível de operação das fábricas chinesas.
As medidas para contenção da disseminação do coronavírus na China e em vários outros países importantes na cadeia mundial de produção de bens e serviços, como a Coreia do Sul e a Itália, como a restrição de circulação de pessoas e produtos, reacenderam o temor de uma recessão global iminente.
Ou seja, o cenário externo descrito pelo Copom como parte do seu balanço de risco para os próximos passos da política monetária está completamente defasado com o que aconteceu na economia e nos mercados globais desde a sua decisão de cortar a taxa Selic em 0,25 ponto porcentual, para 4,25%, e sinalizar que iria interromper o ciclo de redução de juros.
É preciso o Copom atualizar sua comunicação e sinalização, juntando-se à ação coordenada de bancos centrais mundiais de injetar estímulo monetário adicional visando aliviar o impacto negativo do surto do coronavírus na economia global.
A pressão sobre o Copom aumentou depois que o Federal Reserve (Fed) anunciou ontem um corte de juros agressivo, de 0,50 ponto porcentual, em medida extraordinária, uma vez que a reunião de política monetária do BC americano só acontecerá no dia 18 de março. 
Em comunicado, o Fed disse que os fundamentos para a economia dos EUA “continuam fortes”, mas que o coronavírus representa “riscos à atividade econômica”. A última vez que o Fed fez um corte extraordinário de juros foi durante a crise financeira mundial de 2008. Será que o Fed está vendo o pior agora para repetir a ação?
Na segunda-feira, o BC da Austrália reduziu os juros em 0,25 ponto para a mínima histórica de 0,50%, citando os riscos econômicos do surto do coronavírus. O BC da Malásia também reduziu os juros em 0,25 ponto, para 2,50%.
Assim, desde a última reunião do Copom, fatos importantes mudaram substancialmente o balanço de riscos: o aumento significativo de uma recessão global e a resposta coordenada dos bancos centrais mundiais.
Sem falar que com o corte de 0,50 ponto dos juros pelo Fed, o dólar deve perder o ímpeto de valorização global, contribuindo para interromper sua trajetória recente de alta contra o real, aliviando a pressão sobre a inflação.
É importante notar que, diante de uma recuperação mais lenta da atividade econômica no Brasil, o repasse da escalada recente do dólar para os preços tem sido bem mais limitado do que no passado.
E mesmo que uma recessão global seja evitada, uma desaceleração da economia mundial é esperada no primeiro trimestre deste ano. Como ainda não se sabe qual a magnitude dessa freada, faz-se necessário um socorro global em termos de política monetária e fiscal. Na China, o governo vem injetando tanto estímulo monetário, quanto fiscal.
No Brasil, não há espaço para gasto fiscal diante da situação precária das contas públicas. Já o BC pode desempenhar um papel ao cortar mais os juros básicos. Até porque, com a recuperação mais lenta da economia em razão do coronavírus e a queda nos preços das commodities, a perspectiva para a inflação é bastante benigna. Diante de tudo que já aconteceu desde a última reunião, o Copom está atrás da curva.

Equilíbrio entre Poderes, Antonio Delfim Netto, FSP (definitivo)

Brasil espera que Bolsonaro condene a 'passeata'

Nas democracias, o único caminho para o presidente eleito cujo partido não foi majoritário é dividir o poder com outros partidos e organizar uma maioria estável no Congresso para aprovar um programa consensualmente negociado com eles. Em lugar disso, Bolsonaro meteu-se na aventura de uma indefinida "nova" política.
Ele identificou, cedo, um gigantesco descontentamento da população: uma radical rejeição à "política" e aos "políticos", um conservadorismo de costumes e, principalmente, uma decepção com o petismo. Para capturá-la, construiu um programa muito simples contra: 1º) a velha "politicagem"; 2º) a "corrupção" petista; 3º) uma certa "mídia" que na sua opinião degrada os "bons" costumes. Acrescentou uma promessa de um "liberalismo econômico".
Eleito, move-se com dificuldades no espaço do "presidencialismo de coalizão". Bolsonaro, com seu comportamento agressivo e desrespeitoso, antecipou o debate sucessório que agora controla os "políticos" e a "política". 
Por seu lado, o Congresso conservou o forte protagonismo que lhe deu o presidente Temer quando concebeu um sutil parlamentarismo de ocasião e aprovou a PEC do teto de gastos, agora diariamente ameaçada. O Congresso experimentou o poder e adorou! Agora, busca aumentá-lo com a redução ainda maior do montante de despesas discricionárias (talvez 5% do Orçamento) que ainda resta nas mãos de um engessado Executivo. 
Seus movimentos são visíveis. Já não escondem o propósito de ampliar o velho "parlamentarismo de ocasião": 1º) os esforços para as reeleições atípicas das presidências das duas casas; 2º) a enigmática "sugestão" de criar-se uma "supermesa diretora do Congresso", acima e distinta das atuais das duas Casas; 3º) a fúria para extrair da Constituição o seu art. 68, que cria as Leis Delegadas, que, sob total controle do Congresso, são a salvação do presidencialismo nos momentos de grave crise econômica. E qual o misterioso objetivo político escondido na entrega de R$ 30 bilhões à discrição do relator do Orçamento?
Se a tardia reação do Executivo for contra isso, não é preciso brigar. Basta consultar o Supremo Tribunal Federal, porque o Congresso não pode sequer flertar com qualquer parlamentarismo —não importa o adjetivo— sem violar a ordem constitucional. O que o Brasil espera de Bolsonaro é que condene, com sua costumeira violência, a "passeata" sugerida por conhecidos imbecis (o lixo que chegou ao Congresso trazido pelo tsunami eleitoral) para tentar coagir os outros Poderes. Três mil anos de história ensinam que tais movimentos —bem ou mal sucedidos— sempre terminam muito mal.
 
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.