domingo, 1 de março de 2020

Diante do motim, Sergio Moro, o 'Tigre' de Curitiba, miou em Fortaleza, Elio Gaspari, FSP

O ministro da Segurança Pública podia pelo menos ter ficado calado

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Diante do motim de 10 do 43 batalhões da Polícia Militar do Ceará, Sergio Moro, o "Tigre" de Curitiba, miou em Fortaleza. Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Moro foi ao Ceará no sétimo dia do motim, sobrevoou teatralmente a cidade e disse o seguinte: 
"Os policiais do país inteiro, não só do Ceará, são profissionais dedicados, que arriscam suas vidas, são profissionais que devem ser valorizados".
Falso. No país inteiro há policiais dedicados, mas ele estava em Fortaleza porque lá havia PMs amotinados, usando balaclavas, esvaziando pneus de carros e ameaçando colegas que trabalhavam. Do quartel do 3º Batalhão de Sobral partiram dois tiros que atingiram o senador Cid Gomes na sua coronelada pilotando uma retroescavadeira.
Moro já dissera que em Fortaleza havia um "movimento paredista da polícia do estado".
Falso. O que havia no Ceará era um motim de PMs. "Movimento paredista" havia sido a greve de 20 dias dos petroleiros. Os operários cumpriram a lei e não esvaziaram pneus de ninguém.
O ministro da Segurança Pública disse também que "não há uma situação de absoluta desordem nas ruas". No entendimento do "Tigre" de Curitiba, as coisas estavam "sob controle, num contexto relativamente difícil". Miau. Desde o início do motim haviam sido assassinadas 170 pessoas no estado, uma a cada hora.
Moro mandou a Força Nacional de Segurança para o Ceará e o presidente Jair Bolsonaro decretou uma operação de Garantia da Lei e da Ordem para o estado. Com essas medidas adequadas, o ministro da Segurança Pública podia pelo menos ter ficado calado. 
Sua fala chegou ao limite da solidariedade com os amotinados. O ministro alinhou-se com um presidente da República que exibe uma biografia de amparo e silêncio diante dos motins do gênero. O cabo Sabino, tido como um dos líderes da rebelião, orgulha-se de ter organizado a primeira visita do deputado Jair Bolsonaro ao Ceará, em 2015. Ele é um exemplar do bolsochavismo.
A convocação de manifestações contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal reflete um projeto golpista recôndito na cúpula do bolsonarismo. Essa manobra relaciona-se com o uso da liberdade de manifestação para minar as instituições democráticas. Já os motins de PMs são movimentos saídos da base bolsonarista e indicam algo mais profundo. Relacionam-se com a quebra sistemática da ordem legal e da hierarquia militar.
Os amotinados colocam a anistia como primeiro item de sua pauta. Desde 1997 já foram concedidas anistias em pelo menos 22 estados e no Distrito Federal. A cada motim segue-se uma anistia e a cada anistia segue-se outro motim. Bolsonaro é o quinto presidente a fazer de conta que esse problema não existe.
No Ministério da Justiça, Sergio Moro pode ver os retratos de seus antecessores. Lá estão figuras como Miguel Seabra Fagundes, Milton Campos e Mem de Sá. Cada um à sua maneira soube deixar o cargo quando viu que as coisas iam mal. Lá estão também Francisco Campos, Luís Antônio da Gama e Silva e Alfredo Buzaid. Estes ficaram, no remanso das ditaduras do Estado Novo e do AI-5.
À diferença de todos eles, Moro é também ministro da Segurança Pública. Não precisava ter miado em Fortaleza.

Paulo Guedes, um novo desenvolvimentista?, FSP

A economista Laura Carvalho, naturalmente em tom de galhofa, perguntou no seu Twitter: “É impressão minha ou de uma hora pra outra apareceram centenas de novos desenvolvimentistas à la Bresser dando aula sobre as maravilhas do câmbio competitivo pra tentar salvar a fala do Paulo Guedes?”
A galhofa não foi comigo, mas com os novos convertidos... Pois é, Laura, o ministro está feliz porque a taxa de juros caiu e a taxa de câmbio está competitiva. Mas isso não o faz um desenvolvimentista; mostra apenas que é inteligente. Para ser um “neodesenvolvimentista” não é simples assim. É preciso reconhecer que o mercado é insubstituível nos setores competitivos da economia, mas saber que o Estado é o instrumento de ação coletiva por excelência das boas sociedades.
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O professor e economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda - Karime Xavier - 17.dez.19/Folhapress
Eu realmente venho há 20 anos afirmando que uma taxa de câmbio apreciada no longo prazo, causada por uma taxa de juros alta e uma doença holandesa não neutralizada, é um dos dois fatos históricos novos que explicam os baixos investimentos privados e a quase-estagnação da economia brasileira desde 1990. O outro é a baixa da poupança pública e o resultante baixo investimento público. 
De repente, parece que um dos problemas foi resolvido. Não foi. A taxa de juros baixou, mas ainda é relativamente alta, e não há nenhuma garantia de que permaneça no atual nível dado o déficit em conta-corrente e a fuga de capitais. Por outro lado, a doença holandesa continua a não ser neutralizada —ela apenas perdeu força porque o preço das commodities está baixo.
O Banco Central certamente baixou os juros. Mas será que deixou de ser uma instituição a serviço de rentistas e financistas por isso? Ou baixou os juros porque a enorme recessão e a queda radical da taxa de inflação o obrigaram?
A segunda alternativa é provavelmente mais correta. É verdade que seu presidente é neto de Roberto Campos. Seu avô adotou o neoliberalismo quando este se tornou dominante no mundo, mas era um homem genial, “fora da caixa”; ele não estava simplesmente a serviço de rentistas e financistas. 
Para a economia brasileira retomar o desenvolvimento é preciso que a taxa de câmbio permaneça flutuando em torno do nível real atual. Isso criaria oportunidades de investimento para as empresas e resolveria o problema do investimento privado. E é preciso que o Estado separe radicalmente o gasto corrente do investimento e passe a aumentar este último, enquanto reduz a relação gasto corrente-PIB. Dessa forma, ele resolveria o problema do investimento público tanto pelo lado da demanda quanto pelo lado da oferta (da poupança pública). 
Estamos muito longe disso. Não apenas porque os economistas liberais, mas também os desenvolvimentistas, têm uma imensa dificuldade em pensar assim. 
Para o Brasil voltar a crescer e a realizar o “catching up” é necessário: a - um pequeno superávit em conta-corrente, que evite a entrada líquida de capitais que apreciam o câmbio; b - o equilíbrio fiscal corrente; c - déficit fiscal corrente apenas como política fiscal contracíclica; d - a expansão do investimento público; e e - manter “certos” os cinco preços macroeconômicos. Ou seja: 1 - manter baixo o nível da taxa de juros em torno do qual o Banco Central realiza sua política monetária; 2 - manter competitiva a taxa de câmbio, garantindo às empresas que têm competitividade técnica também competitividade monetária; 3 - manter os salários crescendo com a produtividade combinado com gradual desenvolvimento do estado de bem-estar social; 4 - manter baixa a inflação; e 5 - manter a taxa de lucro em um nível satisfatório, que motive as empresas a investir. 
Para realizar uma política econômica nos termos acima definidos é preciso combater duramente a captura do patrimônio público: (1) por rentistas e financistas, que dele se apropriam sob a forma de juros e de privatizações de monopólios públicos; (2) por servidores públicos, que fazem o mesmo sob a forma de salários e aposentadorias que não correspondem ao trabalho realizado; e (3) por empresas e outras entidades associativas sob a forma de subsídios injustificáveis.
As reformas e as políticas que acabo de brevemente listar requerem um Estado capaz e desenvolvimentista. E eleitores, políticos, cientistas, técnicos e líderes associativos competentes e dotados de espírito público que ponham em segundo plano as suas ideologias.
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)