quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Antonio Delfim Netto Controle de gastos, FSP

Foi visível o cinismo com que foram recebidas as propostas de Bolsonaro para reformar o Estado

Gostemos ou não do programa econômico do governo Bolsonaro, comandado pelo ilustre ministro Paulo Guedes, temos que reconhecer que é a primeira vez, nos últimos 31 anos, que se explicitou claramente a tragédia fiscal da União, dos estados e dos municípios em que nos enrolamos. Ela só pode ser enfrentada com uma profunda reforma da administração pública proposta na Constituição de 1988, violentada pelo tremendo abuso de poder do Legislativo, do Executivo, do Judiciário e do Ministério Público. O resultado foi um irresponsável aumento de gastos, acompanhado de imensa judicialização da política e a consequente politização da Justiça, que tornaram o Brasil inadministrável. 
Foi visível, entretanto, o cinismo com que foram recebidas as propostas de Bolsonaro para reformar o Estado brasileiro e dar-lhe maior produtividade. Pôs, à luz do dia, um ciúme imaturo entre lideranças do Congresso que degustam o poder, acompanhado de uma certa petulância. A despeito de salamaleques educados, mostraram, na prática, pouca disposição de alterar suas próprias prioridades. E Guedes não chegou, ainda, ao inescapável pedido de autorização para um “fast track”, sem o qual não há solução: não haverá como fazer aumento sensível de oferta com leilões de projetos de infraestrutura com financiamento privado interno ou externo, que darão início ao aumento de demanda interna e à redução do desemprego.
Infelizmente, a solução natural, que seria uma lei delegada sugerida no Art. 68 da Constituição de 1988, não foi examinada. Ela não é uma jabuticaba brasileira. Quem tiver curiosidade sobre leis delegadas, instrumento de muitas repúblicas democráticas, pode consultar qualquer bom livro de direito constitucional. Recomendo os dos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Quando a lei delegada foi incluída na Constituição, pensava-se que, sob circunstâncias especialíssimas (como as que estamos vivendo), o chefe do Poder Executivo poderia, sob o controle permanente do Congresso (ela pode ser suspensa a qualquer instante, se violada a delegação), e por prazo certo, recebê-la para salvar o país.
Suspeito que o temor de concedê-la (e recusá-la antes de apresentada) é a possibilidade de ela vir a funcionar na aceleração dos leilões de infraestrutura, nas parcerias público-privadas e nas privatizações (apenas das empresas autorizadas pelo Congresso), o que daria início a um aumento substantivo do investimento com financiamento privado, nacional ou estrangeiro, e produziria uma sensível redução do nível de desemprego. Tal sucesso poderia beneficiar o presidente Bolsonaro no pleito de 2022.
 
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

Com Bolsonaro, país pode ganhar um partido de ultradireita, FSP

Sigla em criação pelo presidente tende a se tornar veículo para posições radicais

Com Jair Bolsonaro, o país pode ganhar um partido de ultradireita. A legenda que o presidente quer criar surge ancorada em valores reacionários, no populismo e no personalismo puro.
A aparente espinha dorsal da Aliança pelo Brasil coube numa sequência de publicações de Eduardo Bolsonaro. Na primeira frase, o deputado anuncia a criação da sigla com o objetivo de libertar a população "da destruição de valores cristãos e morais". Em poucas linhas, ele repete essa fórmula e encerra com um resumo dos princípios do novo partido: "fé, honestidade e família".
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) na CPMI das Fake News, no Senado - Pedro Ladeira - 5.nov.2019/Folhapress

O ensaio de manifesto é carregado de tons messiânicos. Fala no "novo rumo brasileiro" e no que chama de "a verdadeira união com o povo", como se Jair fosse o único capaz de representá-lo. Sem modéstia, cita ainda um "momento histórico" e o "grito solitário" do pai, que passaria a ecoar com a criação da legenda.
Isso, é claro, sem falar na defesa aberta de ditaduras e de torturadores, que os grandes próceres da sigla fazem questão de defender publicamente e a todo momento.
O partido parece se inspirar na Arena (Aliança Renovadora Nacional), que serviu de sustentação para o regime militar. Seu manifesto de 1975 mencionava a união dos brasileiros e uma aliança com o povo, mas não apelava tanto aos valores cristãos quanto Eduardo Bolsonaro.
O partido pode se tornar veículo para a difusão de ideias radicais, a exemplo do espanhol Vox e do alemão AfD. Essas duas legendas ainda brigam pelo poder em seus países, enquanto a Aliança já nasce no topo.
A migração de integrantes do PSL para a nova legenda deve acelerar uma depuração do bolsonarismo e definir em que ponto do espectro político o grupo mais afinado com o presidente passará a operar.
Se apenas os mais fiéis seguirem Bolsonaro, como parece claro até aqui, haverá espaço para posições mais extremadas. Elas tendem a sobressair em ambientes de forte apelo religioso e de fidelidade a um líder que sustenta posições desse tipo.
Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).