Antes de mais nada: este é um mapa imperfeito.
Reunir os líderes políticos mundiais num mesmo espaço, catalogado pelas suas orientações ideológicas, é um desafio monumental. Primeiro porque os países não se organizam em torno de uma mesma estrutura política. Segundo porque nem sempre há uma indicação ideológica evidente em um governo – e o que significa ser de direita ou esquerda num lugar, pode ser perfeitamente diferente em outro.
Mas há um desafio a mais nesse mapa: uma camada que aponta quais governos são democráticos e quais são autoritários.
Para você
Dado o desafio, este não é um mapa que pretende encerrar qualquer debate sobre o que apresenta, mas a minha exclusiva interpretação sobre a distribuição do poder no mundo. Eu sou o único autor deste trabalho e assumo a completa responsabilidade por qualquer falha que ele apresente.
Para justificar como cheguei a esse resultado será preciso estabelecer, antes de qualquer coisa, alguns preceitos fundamentais.
Em primeiro lugar, o óbvio: cada espaço sinalizado neste mapa representa um país. E cada país possui um Estado.
O que é um Estado?
O Estado é a instituição que detém o monopólio do uso da força sobre uma população em um determinado território. Ele representa a mais alta expressão da soberania em uma nação e é responsável por garantir a ordem, a justiça e a segurança dos seus cidadãos.
A estrutura de um Estado é composta por três elementos fundamentais:
O primeiro deles é o seu território, o espaço geográfico onde ele exerce a sua autoridade.
O segundo é a população, formada pelos indivíduos que residem no território que o Estado controla.
E o terceiro é o governo, o órgão responsável por administrar os assuntos do Estado e tomar as decisões em nome da população.
Como se organizam os governos?
As formas de governo podem variar dependendo da cultura, da história e das preferências da sociedade. A forma de governo com a qual estamos mais familiarizados se chama democracia. Na democracia, os cidadãos têm o direito de participar diretamente do processo político através daquela que é a característica definidora do seu modelo: o voto livre.
Governos democráticos sustentam leis e instituições para proteger a capacidade da população expressar as suas vontades: eles não garantem apenas eleições livres e justas, mas também o direito das pessoas se reunirem, se informarem e protestarem contra o próprio governo e as autoridades públicas. Em casos extremos, essas leis e instituições também permitem que o mandato de uma autoridade seja encerrado antes do prazo previsto. Democracias frágeis violam esses direitos.
O oposto de democracia é a autocracia - do grego autokrateia, “o que governa sozinho”, ou seja, aquele que não delega poderes para os outros. A autocracia é uma forma de governo caracterizada pela obediência absoluta à autoridade. Um governo autoritário está interessado, acima de tudo, em preservar e expandir os seus poderes, mesmo quando isso interfere negativamente nos interesses da população. Com a intenção de empregar legitimidade à preservação de poder do grupo político dominante, alguns regimes organizam eleições de mentira, sem competitividade real.
Governos são compostos por autoridades escolhidas através de um sistema político. Se o Estado é o hardware de uma nação, o sistema político é o software. O estado é a estrutura que gera a base institucional para a existência de um país. O sistema político é o conjunto de regras, normas, leis e práticas que definem como o poder é exercido e distribuído dentro do estado.
Há centenas de países no mundo, mas existem apenas algumas poucas maneiras deles serem governados.
As repúblicas presidencialistas e semipresidencialistas
Considere o caso do Brasil. Somos uma república presidencialista. No Brasil, o presidente da República é o representante máximo do Estado e do governo, e não possui relação direta com o Parlamento.
Nos sistemas presidencialistas, o presidente pode indicar membros do governo e, em alguns casos, até dissolver o Parlamento e convocar novas eleições. Além disso, ele tem poderes significativos em relação à política externa e à defesa nacional.
Há 63 repúblicas presidencialistas no mundo. Como o mapa destaca, esse é um modelo muito comum no continente americano.
Além dele, nós também temos as repúblicas semipresidencialistas. Esse é o caso, por exemplo, da França. Em Paris, o Poder Executivo é compartilhado entre o presidente e um primeiro-ministro.
O presidente é o chefe de Estado e a figura mais importante designada para representar os franceses no cenário internacional. Mas ele trabalha em parceria com um primeiro-ministro, responsável por dirigir as ações do dia a dia do governo.
Nas repúblicas semipresidencialistas, o presidente geralmente é eleito pelo voto popular, enquanto o primeiro-ministro é indicado pelo Parlamento ou pelo próprio presidente.
Há 28 repúblicas semipresidencialistas no mundo.
O Parlamentarismo
Há também o caso das repúblicas parlamentaristas. É o que impera, por exemplo, na Itália.
Em uma república parlamentarista, o Poder Executivo é separado entre o chefe de estado e o chefe de governo. O chefe de estado é muitas vezes uma figura simbólica – um papel que quase sempre cabe a um presidente – com funções cerimoniais e representativas.
Numa república parlamentarista, o chefe de governo costuma ser chamado de primeiro-ministro. Ele é o líder político mais importante do país, quase sempre escolhido pelo Parlamento. O primeiro-ministro é o responsável pela administração do país e por liderar o governo.
Nesse sistema, o Parlamento tem muito mais poderes em relação ao governo do que no presidencialismo – inclusive o de destituir o chefe de governo a qualquer momento e convocar novas eleições, sem grandes traumas.
Há 52 repúblicas parlamentaristas no mundo.
Além de todas essas formas republicanas de organizar politicamente um estado, ainda há o caso muito peculiar da Suíça 🇨🇭. A Suíça é uma república que possui algumas características importantes do sistema parlamentarista. O governo suíço é chefiado por um Conselho Federal composto por sete membros eleitos pelo Parlamento.
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As monarquias, democráticas ou não
Mas não há apenas repúblicas, como o Brasil, no mundo. Há também as monarquias.
Nas monarquias – como o nome revela – o governo é liderado por um monarca. A sucessão das monarquias geralmente é hereditária, mas há exceções. Na Malásia, por exemplo, o monarca é eleito. A mesma coisa acontece no Vaticano.
Há 27 monarquias constitucionais no mundo com monarcas cerimoniais. É o caso do Reino Unido, da Espanha e da Holanda. Nesse tipo de sistema, o monarca não participa das decisões de governo – o seu poder é simbólico e bastante limitado pela Constituição.
A imensa maioria das monarquias constitucionais com monarcas cerimoniais adota o sistema parlamentarista como forma de governo. Ou seja, o chefe de governo costuma ser o primeiro-ministro.
Os defensores desse modelo costumam sustentar que as monarquias constitucionais são mais estáveis que as repúblicas porque elas limitam a disputa sobre o cargo de chefe de estado – os monarcas são símbolos de unidade, estão acima das disputas partidárias e os seus papeis permitem maior previsibilidade política.
Mas esse não é o único exemplo de monarquia no mundo.
Há 8 monarquias constitucionais com monarcas ativos. Nesse caso, é possível que o primeiro-ministro seja um executivo importante do país, mas o monarca tem poderes políticos consideráveis que podem ser usados ao seu próprio critério – inclusive o de dissolver o Parlamento. Esse é o modelo de Liechtenstein.
É a partir deste ponto que as coisas começam a piorar.
Primeiro, porque há monarquias absolutistas, como a Arábia Saudita (são cinco). E há teocracias, como o Irã.
Os regimes de partido único
Há ainda 7 Estados de partido único: China, Cuba, Coreia do Norte, Laos 🇱🇦, Eritreia, Vietnã e Turcomenistão (alguns desses países abrigam partidos menores de fachada). E diferentes juntas militares, como as que governam o Mali e Burquina Faso.
Para confundir um pouco mais: nem tudo é preto no branco. Há diferentes regimes híbridos no mundo, democracias incompletas que misturam doses de autoritarismo com resquícios de democracia.
Sistemas políticos não são um presente da natureza: eles são moldados por uma complexa interação de fatores históricos, sociais e econômicos, nacionais e estrangeiros, que contribuem para a criação de arranjos únicos de governança. Governos são o resultado da razão e da ambição humana: eles refletem a nossa noção de hierarquia, liberdade e solidariedade. Entender como nasce essa força que organiza a vida em comunhão, com todas as suas contradições, é também decifrar por que somos como somos.
O estágio da democracia e uma tendência sombria
Há diferentes institutos que medem o status dos regimes políticos no mundo. A Economist Intelligence Unit é provavelmente o mais famoso deles.
Segundo a última edição do seu Índice de Democracia, apenas 24 países estão classificados, nesse momento, como democracias completas. Outros 50 são considerados democracias imperfeitas. Do que resta, há 34 regimes híbridos e 59 regimes autoritários.
Dos 167 países listados pelo relatório, apenas 74 são democracias. 45% da população mundial reside nesses países.
No longo prazo, o mundo parece estar mais democrático. Quando a Freedom House, outra organização que mede a democracia no mundo, lançou a primeira edição do seu relatório – o Freedom in the World – em 1973, dos 148 países analisados, só 44 foram classificados como livres; menos de 1/3. Hoje, de 195 países, 83 estão nessa categoria.
O Varieties of Democracy, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, realiza um trabalho parecido com o da Economist Intelligence Unit – mas dá para dizer que é um pouco mais robusto.
O V-Dem, como é conhecido, reúne mais de 4.200 estudiosos de 185 países e utiliza dezenas de milhões de dados para descrever o status da democracia no mundo desde 1789.
No curto prazo, as notícias não são boas. Segundo o Varieties of Democracy, a adoção da democracia caiu tanto nos anos recentes que atingiu os mesmos patamares de 1985. A região da Ásia e do Pacífico está no mesmo lugar que estava em 1978. Europa Oriental, Ásia Central, América Latina e Caribe voltaram aos níveis vistos pela última vez por volta do final da Guerra Fria.
Havia 96 democracias, completas ou imperfeitas, no Varieties of Democracy de 2016. Na última edição esse número caiu para 91. Em 2016, o Freedom in the World, da Freedom House, catalogava 50 países como “não-livres”. Este número subiu para 56 na última edição. A Economist listava 51 regimes autoritários em 2016. Hoje lista 59.
O Índice de Liberdade Humana, produzido pelo canadense Fraser Institute, diz que 94% da população mundial viu uma queda na liberdade do penúltimo para o último ano analisado.
O Bertelsmann Transformation Index, outro relatório que avalia o status dos regimes políticos no mundo, produzido pela fundação alemã Bertelsmann Stiftung, contabilizou mais ditaduras do que democracias em sua última edição. Foi a primeira vez que isso aconteceu desde 2004.
Segundo o World Justice Project, mais de 5,2 bilhões de pessoas estão vivendo nesse momento num país onde o estado de direito está em declínio.
Nos últimos 10 anos, a qualidade da democracia diminuiu em quase uma em cada cinco democracias, inclusive naquelas regionalmente importantes e outrora estáveis. Da mesma forma, as ditaduras estão mais autoritárias.
As autocracias hoje no planeta
No mapa que publico nessa página, as autocracias estão catalogadas em roxo. Elas foram definidas a partir dos consensos que esses diferentes relatórios apresentam.
Este é um mapa colorido. E cada cor traz um sentido. Se roxo representa as autocracias e o preto os estados falidos, o amarelo representa o centro político, e os tons de azul e vermelho traduzem a direita e a esquerda.
As decisões para essas definições foram arbitrárias. Elas são baseadas, caso a caso, em julgamentos feitos pelo autor desta coluna, a partir da história de cada partido e cada líder máximo em mandato. A escolha das cores também é arbitrária.
Uma boa ferramenta utilizada para auxiliar na definição de enquadramento ideológico dos governos – além das suas posições políticas locais – é a associação que os partidos têm com outros partidos, no âmbito internacional.
Por exemplo: desde a eleição de Hugo Chávez, em 1998, a América Latina viu a ascensão de inúmeros líderes de esquerda - um período chamado por este grupo de pós-neoliberalismo.
Num curto intervalo, partidos de esquerda foram capazes de eleger presidentes no Brasil, na Argentina, na Bolívia, no Equador, no Chile, na Costa Rica, em El Salvador, na Guatemala, em Honduras, na Nicarágua, no Paraguai, na República Dominicana e no Uruguai. Quase todos os presidentes eleitos nesses países têm algo em comum: o Foro de São Paulo.
O Foro de São Paulo é uma conferência de partidos e grupos de esquerda da América Latina e do Caribe. Não há nada secreto ou conspiratório a seu respeito – o Foro tem um site oficial, eventos públicos e ampla cobertura da imprensa.
A organização foi fundada em 1990 por iniciativa do Partido dos Trabalhadores, do Brasil, em conjunto com o Partido da Revolução Sandinista, da Nicarágua, o Partido Comunista de Cuba e outros partidos políticos da região.
Assim como o Foro, há outras alianças de partidos políticos no mundo, como a Internacional Liberal, a Internacional Socialista, a Internacional Democrata Centrista, a União Democrática Internacional, a Aliança Progressista, etc.
Embora a mera participação de um partido governista numa determinada aliança não defina categoricamente a orientação ideológica de um governo, ela é um bom indicativo. Mas há outros que foram levados em consideração.
Um debate complexo
É importante registrar, no entanto, que é perfeitamente compreensível que haja debate sobre o grau de intensidade ideológica de um governo – se mais ou menos à esquerda ou à direita – e este mapa não tem a pretensão de encerrar qualquer debate sobre qualquer assunto.
Por fim, há muitas pessoas que acreditam que esquerda, centro e direita são definições obsoletas para definir grupos políticos. E embora seja inegável que estas categorizações podem limitar o debate público, não há motivos para menosprezá-las.
Líderes nacionais costumam ser pressionados por ideologias (liberalismo, socialismo, conservadorismo, trabalhismo, social-democracia, democracia cristã, progressismo, comunismo, fascismo, etc), movimentos sociais e partidos políticos aliados, que se agrupam para exigir coerência e comprometimento com agendas políticas. Nas democracias, a maior parte dessas agendas se estruturam com base no espectro esquerda-direita, e esses eixos ajudam a distinguir posições em assuntos econômicos (tributação, regulação, gasto público) e sociais (direitos civis, liberdades individuais).
Ainda que essas categorias não capturem toda a amplitude das identidades políticas contemporâneas, a classificação entre esquerda, centro e direita permanece sendo um ponto de referência sólido que funciona como uma porta de entrada para discussões mais aprofundadas.
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