terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

O Paraguai é mais competente que o Brasil na gestão compartilhada de Itaipu?, Jerson Kelman -FSP

 Como a empresa binacional Itaipu não visa lucro, toda a receita da venda de energia a consumidores de eletricidade, brasileiros e paraguaios, é revertida para ambos os países da seguinte forma: a) cessão de energia (atualmente, cerca de 70% para o Brasil e 30% para o Paraguai); b) pagamento de royalties em partes iguais em favor de ambos os países pelo uso do recurso natural compartilhado (potencial hidráulico); c) investimentos socioambientais nos dois lados da fronteira.

Tratado de Itaipu determina que o preço unitário da energia seja calculado para cobrir esses custos, inclusive os operacionais associados à produção e à cessão de energia. Até 2023 era preciso também pagar a amortização e a remuneração do investimento inicial realizado para a construção da usina. Mas a dívida foi integralmente saldada em 2023, abrindo espaço para a redução do custo da energia. O que não aconteceu porque a partir de 2022 os dois países passaram a negociar a tarifa de Itaipu para cobrir custos de iniciativas socioambientais desconectadas da missão institucional da empresa, o que impediu a redução da tarifa.

Vertedouro da usina de Itaipu, na fronteira entre Brasil e Paraguai - Joédson Alves - 7.jan.25/Agência Brasil

De acordo com a regra do tratado, a receita em 2024 deveria ter sido de US$ 1,6 bilhão. Corresponde ao custo unitário médio de US$ 24/MWh (ou R$ 144/MWh ao câmbio de R$ 6), valor um pouco inferior ao preço médio de venda de energia por usinas nacionais em contratos de longo prazo. Ou seja, a energia de Itaipu poderia ter sido barata para o consumidor brasileiro. Mas não foi.

Em razão das negociações anuais iniciadas em 2022, os brasileiros e os paraguaios desembolsaram em 2024 em favor de Itaipu, respectivamente, US$ 2,5 bilhões e US$ 0,6 bilhão, perfazendo a receita total de US$ 3,1 bilhões. Ou seja, quase o dobro do que poderia ter sido.

O US$ 1,5 bilhão cobrado a mais em relação ao disposto no tratado foi aplicado numa enxurrada de benfeitorias socioambientais executadas em valores iguais nos dois países, só que os brasileiros pagaram 80% do custo. Ou seja, os brasileiros pagaram US$ 1,2 bilhão a mais para receber benfeitorias no valor de US$ 0,5 bilhão —um prejuízo de US$ 0,45 bilhão. Já os paraguaios pagaram US$ 0,3 bilhão a mais para receber benfeitorias também de US$ 0,75 bilhão —um ganho de US$ 0,45 bilhão.

O que explica essa aparente inabilidade negocial por parte do Brasil?

O vertedouro da usina no final de 2023 - Sara Cheida - 1°.nov.23/Itaipu Binacional

Primeiro, os governos paraguaios têm sido competentes tanto para estabelecer negociações que nem deveriam ter sido iniciadas quanto para escalar negociadores que conhecem as nuances do tratado e sabem fazer contas.

Segundo, como a maior parte das benfeitorias socioambientais no Brasil é realizada no Paraná e, em menor escala, em Mato Grosso do Sul, há mobilização da força política desses estados para controlar o lado brasileiro da governança da empresa binacional com uma ótica regional, não nacional.

Terceiro, a flexibilidade orçamentária de Itaipu abre espaço para a administração federal direcionar recursos para custeio e investimentos que deveriam constar do Orçamento da União, mas que não constam e sequer são fiscalizados pelo TCU (Tribunal de Contas da União). É o caso, por exemplo, do apoio à COP30, em Belém.

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