O Supremo Tribunal Federal (STF) homologou, no fim do ano passado, o plano Pena Justa, que nos próximos anos guiará a atuação do Estado brasileiro no enfrentamento da grave violação de direitos fundamentais em nosso sistema prisional. Trata-se de iniciativa sem precedentes, coordenada pelo Poder Executivo e pelo Poder Judiciário, em diálogo com 59 instituições. Também foram recebidas, ao todo, 6.000 contribuições da sociedade civil, por meio de consultas e audiências públicas.
O STF determinou a produção do plano em 2023, quando julgou inconstitucional a situação das prisões brasileiras. À ocasião, a corte reconheceu haver violações sistemáticas de direitos humanos contra aqueles privados de liberdade. E constatou que um sistema que funciona à margem de nossa Constituição fere não apenas a dignidade das mais de 1,5 milhão de pessoas que cumprem pena dentro e fora dos presídios, mas também de seus familiares, agentes penais, seguranças, prestadores de serviço e gestores penitenciários, com efeitos negativos para toda a sociedade.
A história nos mostra, no entanto, que falhas estruturais não são solucionadas com medidas pontuais. É preciso estabelecer metas claras por meio de um plano de ação exequível. É justamente o que o se propõe com o Pena Justa.
De forma alinhada aos problemas estruturais apontados pelo Supremo, o Pena Justa aborda o controle da entrada e das vagas prisionais para enfrentar a superlotação, a melhoria da infraestrutura prisional e dos serviços prestados, além dos processos de saída da prisão e de reintegração social dos egressos.
Particularmente na porta de entrada, mas também de forma transversal a todas as ações do plano, há uma abordagem rigorosa sobre a questão racial e o encarceramento desproporcional da população negra e parda. Atualmente, 67% das aproximadamente 663 mil pessoas presas (em regime fechado e semiaberto) são negras.
Além disso, o Pena Justa também destaca e contempla as particularidades de outros grupos em situação de vulnerabilidade aumentada, como mulheres, mães, migrantes, indígenas e pessoas com transtornos mentais. O plano visa garantir que as transformações em curso sejam permanentes, evitando retrocessos.
A versão final do documento, validada pela Casa Civil da Presidência da República, reúne 51 ações mitigadoras e 306 metas a serem cumpridas até 2027. Também são mais de 140 medidas construídas conjuntamente entre Executivo e Judiciário. Essas se dividem em quatro eixos: controle da entrada e das vagas prisionais para enfrentar a superlotação; melhoria da infraestrutura e dos serviços; processos de saída e reintegração social; e garantia de que as transformações sejam perenes.
Para monitorar os resultados do Pena Justa, foram elencados 363 indicadores. O objetivo é que todo o processo de implantação do plano ocorra da forma mais transparente possível.
Um dos principais diferenciais do plano Pena Justa é que ele não começará do zero. Diversas ações já existentes serão reforçadas, como a Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional, que agora será organizada em um planejamento estruturado. O objetivo é que sejam firmados compromissos que garantam sua implementação.
Coordenado pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o plano Pena Justa estabelece um modelo de monitoramento que integra os estados, o Distrito Federal, a União, o Judiciário e a sociedade civil. O CNJ será responsável por apresentar informes mensais ao Supremo, detalhando o cumprimento, total ou parcial, dos indicadores estabelecidos.
A homologação do Pena Justa marca, portanto, o início de um processo, não seu ponto final. O plano será ajustado sempre que forem identificadas melhorias necessárias para garantir sua plena efetividade.
Acreditamos que, com o engajamento de todas as partes envolvidas, será possível atender à legítima demanda social por responsabilizações justas e proporcionais ao dano causado, ao mesmo tempo em que nosso sistema penal avançará para um modelo que respeite as leis, os direitos humanos e a dignidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário